Crítica a «A Caveira», de Camilo Castelo Branco
Se começou a ler este conto e ficou confuso, garanto-lhe que a história em nada se relaciona com a linha férrea.
Com o pendor dramático que já todos lhe atribuímos, Camilo Castelo Branco mostra nesta sua obra o lado mais negro.
Dando continuidade à minha leitura de obras de terror clássicas portuguesas (e aproveitando que, algumas delas, representam contos de leitura rápida), apostei, desta vez, em Camilo Castelo Branco.
Algo que me parece muito transversal a estas obras é que o terror e o romance estão interligados de uma forma quase indiscernível — por amor, fazem-se horrores, e horrores acontecem por paixões arrebatadoras.
«A Caveira» não é uma obra que se desvie muito disso, porquanto tudo se relaciona com dois homens apaixonados por uma mulher que vira todas as cabeças da terra, uma luta com consequências trágicas e um rejeitado que se sente traído por não ser o verdadeiro escolhido do coração da sua amada.
Infelizmente, acho que a obra perde bastante por ter um início lento, em que o autor se debruça a explicar como, brevemente, Trás-os-Montes se vai modernizar como o resto do mundo, através do comboio. À exceção de uma clara tentativa de elevar uma localidade que é manifestamente rural, pouco importa a linha do comboio e o aumento de salários para a história.
Por outro lado, o final é retumbante no que ao horror diz respeito, não só pelo modo gráfico como certos elementos são apresentados, mas também pela breve viagem ao espiritualismo e que, certamente, ofenderia muitos beatos naquela época.
Contrariamente ao que senti com autores como Eça de Queiroz, infelizmente acho que a linguagem rocambolesca e descritiva de Camilo Castelo Branco se apresentou mais como um entrave à história — bem sei que a época implicava uma forma diferente de falar e escrever, mas aqui o autor gasta muito tempo a dar um cunho poético às suas frases, não elevando o ambiente da história.
O final, no entanto, é surpreendente e dei por mim a desejar que alguém fizesse desta história uma curta, porque o seu potencial é tremendo.
Ainda que dificilmente se extraia daqui uma mensagem, e apesar das críticas que possa dedicar, Camilo Castelo Branco consegue pegar na morte — aquilo de que a humanidade tem medo desde que existe — e dar-lhe uma reviravolta dramática que, curiosamente, em nada elimina o seu cunho romântico.
Disponível para leitura através do Projecto Adamastor, «A Caveira» é mais uma prova de que o terror se encontra intrinsecamente imbuído na nossa cultura — só precisa do merecido destaque.
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Laura Silva
Apaixonada por histórias desde 1992, é escritora nas horas vagas e pasteleira aos fins-de-semana. O gosto pela leitura deu muito jeito para a licenciatura em Direito, mas agora é constantemente abordada por amigos e familiares para consultoria jurídica gratuita. Extremamente traumatizada em criança pelo Cadeirudo, acabou por aprender a gostar de todas as facetas da ficção especulativa, que hoje se revela o seu género favorito.