Crítica a «Alma Viva», de Cristèle Alves Meira

Candidato português à nomeação dos Óscares 2023 para Melhor Filme Estrangeiro

Nos cinemas até 23 de novembro

Liliana Duarte Pereira

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Como fã incondicional do que chamamos «terror da terrinha», estava desejosa de ir ver este filme. Depois de ver o trailer, sabia que me ia deliciar e não me enganei.

É uma história muito rica que engloba ingredientes como a família, a emigração e a espiritualidade. A trama desenrola-se numa aldeia em Trás-os-Montes, num cenário perfeito. A personagem principal é a pequena Salomé, que está a passar as férias de verão com a avó na aldeia de onde a família é oriunda. O ambiente é bastante característico do que é vivenciar o mês de agosto em meio rural, em Portugal: as festas, a movimentação das personagens, o dia-a-dia num meio pequeno. A proximidade entre avó e neta é quebrada no mundo físico com a morte repentina da avó. Enquanto os adultos se debatem com a logística do funeral, com as mágoas que se acumulam e com as ausências, a pequena Salomé que, tal como avó, «tem o corpo aberto», começa a evidenciar comportamentos que nos levam a crer que a avó age através dela.


O que mais gostei? Das rezas cantadas, das superstições, da prontidão da avó em resolver a bruxaria com a toma de um chá, da mistura de atores profissionais e não profissionais (torna todo o filme muito realista), o funeral em casa, a espera dos que faltam chegar, as desavenças entre irmãos e o facto de determinados laços não se quebrarem mesmo quando a morte nos acontece.


Há duas cenas que considero exageradas (sem nunca descartar a possibilidade de efetivamente poderem ocorrer), mas que aceito que sejam uma forma de vincar as ligações familiares: a discussão acesa entre os irmãos na presença do caixão com o corpo da mãe, e que termina de forma quase caricata, e a altura escolhida para o cortejo fúnebre.

Em relação aos palavrões, considero que são demasiado comuns nos filmes portugueses, e não aprecio apenas por considerar que, na verdade, a maioria de nós não fala assim. Neste filme, são até bastante contidos, e acredito que foram utilizados de forma propositada no sentido de intensificar emoções e evidenciar alguma agressividade entre as personagens.


A grande riqueza do filme reside no facto de a realizadora conhecer bem o contexto. Essa foi sem dúvida a chave para o tornar tão bom. Possivelmente, para quem nunca teve estas vivências, é difícil acreditar que tais coisas até poderiam acontecer, mas em tempos idos. Alma Viva é um filme realista onde se preservam tradições que, apesar de parecerem antigas, ainda perduram no tempo.