Crítica a «Antologia do Conto Fantástico Português», Edições Afrodite

Segunda edição, revista por E. M. de Melo e Castro

Longe de ser um livro novo, esta antologia está no topo da minha lista de melhores leituras de 2023.

Sandra Henriques

O nosso livro está à venda!

«Quando esta Antologia foi publicada, em 1965, constituiu uma verdadeira aventura. Primeiro, porque não havia trabalho prévio feito sistemática e criticamente sobre o fantástico na literatura portuguesa, que pudesse servir de base ou orientação. Segundo, porque quase metade dos textos então publicados foram pedidos pelo Editor a Autores vivos, publicando-se o resultado dessa acção pioneira de investigação. Mas tal espírito de aventura deve ser agora ultrapassado, constituindo essa primeira edição apenas uma das fontes para a pesquisa e, sobretudo, para o tratamento crítico agora empreendido.»

Foi ao ler este início de introdução, assinada por E. M. de Melo e Castro, e ainda antes de passar os olhos pelo índice, que tive a certeza de ter em mãos um achado, no qual tinha tropeçado uns meses antes num alfarrabista na baixa lisboeta.

A primeira edição de que Melo e Castro fala foi publicada em 1967 e contém contos que, nesta reedição de 1974, foram retirados, por não se achar que se enquadrassem no fantástico (um desses contos é O Esqueleto, de Camilo Castelo Branco, o que é uma pena, porque é um dos meus favoritos, mas acredito que esteja mais próximo do romantismo do que do fantástico). Outros foram acrescentados, como é o caso de O Físico Prodigioso, de Jorge de Sena, um texto que, penso, não levanta objeções.

Ler este livro foi uma viagem, quase de reconhecimento, por um panorama literário que ainda muitos fingem não existir. Por um lado, encontrei contos e autores que, diria eu, seriam de encontrar: «A Dama Pé-de-Cabra» (Alexandre Herculano), «O Véu» (Teófilo Braga), «Os Canibais» (Álvaro do Carvalhal), «O Defunto» (Eça de Queirós) ou «A Estranha Morte do Professor Antena» (Mário de Sá Carneiro). Por outro, aprendi a associar certos nomes ao fantástico, mesmo que não tenham produzido sempre dentro do género, como José Régio, Natália Correia, Urbano Tavares Rodrigues e David Mourão-Ferreira.

Trinta e cinco contos de fantástico portugueses, muitos deles com aquele toque de sobrenatural, macabro ou terror, que provam que o género é bastante abrangente e não é assim tão «novo» em Portugal (isto para aqueles que acham que quem escreve fantasia ou terror por cá está simplesmente a imitar o que se faz lá fora — não estamos, existe uma identidade própria). Precisamente por isso, calculo, houve imenso cuidado do editor em justificar cada texto escolhido, em partilhar o raciocínio por trás da seleção, concluindo que se trata «[…] de um modelo aberto que admite numerosas variações combinatórias e até qualitativas. No entanto, creio que nele se encontra uma base crítica objectiva para a definição e aferição do conceito de fantástico, tal como o encontrei na literatura portuguesa dos séculos XIX e XX e nesta Antologia se representa».


É um livro para se ler devagar, conto a conto, pela ordem que está no livro, tomando atenção ao paratexto antes de cada conto e às notas biográficas dos autores. Para encontrar, se o Diabo quiser tecê-las, num alfarrabista, ou para requisitar numa biblioteca.