Entrevista ao realizador David Teixeira
O seu mais recente filme de terror, Final Gasp, é uma curta-metragem protagonizada, como já é habitual, por uma mulher.
«Ainda tenho muita coisa para contar e acho que o cinema de terror é um género em que podemos explorar vários temas num só filme.»
O trabalho do realizador franco-português David Teixeira chegou à Fábrica do Terror em formato de submissão espontânea para a página de curtas-metragens, onde mostramos filmes de terror portugueses que merecem ter vida para lá dos festivais. Play. Pause. Kill., lançado em 2020, foca-se em Julie, uma guionista de filmes de terror que precisa de inspiração.
As mulheres, como fomos descobrindo ao longo desta entrevista, são quase sempre as protagonistas dos seus filmes. O seu mais recente, Final Gasp, que está agora a percorrer vários festivais de cinema independente, confirma essa tendência.
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16.50 € (com IVA)Nasceste em Bordéus, cresceste em Portugal, onde estudaste também cinema, e voltas para a tua cidade natal em 2016, onde regressas, também, ao cinema. Fala-me um bocadinho de como esse percurso te influencia (assumindo que tem impacto, claro).
Na altura da crise da «geração à rasca», muitas pessoas à minha volta começaram a emigrar. Em 2012, tinha voltado a viver em casa dos meus pais e sentia-me preso, não conseguia encontrar emprego nem que fosse numa loja, então decidi pegar nas minhas coisas, experimentar e ir para França. «Quem sabe consigo algo na área do cinema em Paris», pensei eu. Isso não aconteceu, encontrei de facto emprego, mas não foi na área do cinema. Aliás, com o ritmo do trabalho e a vida intensa em Paris, acabei por deixar essa minha paixão de parte durante uns anos, que foi a pior coisa que fiz até hoje…
Por isso, em 2016, decidi voltar para o conforto da cidade que eu conhecia bem, e também queria estar mais perto de uma parte da família. Bordéus deu-me essa liberdade de criação e acabei por experimentar várias coisas. Uma delas foi voltar a escrever histórias e filmar.
O teu primeiro projeto é uma curta-metragem de terror, Girls Night, a que se seguiram uma dezena de filmes de terror. É um género onde te sentes confortável e que queres continuar a explorar?
Sempre fui uma pessoa curiosa e infelizmente cresci num ambiente bastante fechado, o que me impossibilitou de explorar aquilo com que eu me identificasse. O cinema de terror foi uma surpresa e uma descoberta que se tornou só minha, uma das minhas paixões, que eram «proibidas» para crianças de menos de 12 anos, mas mais aceitáveis e fáceis de aceder, quer seja no cinema ou em cassetes de vídeo dos meus primos. Comecei então a ver alguns filmes e descobri aquilo de que precisava, encontrei uma forma de escapar à minha rotina e à pessoa que eu mostrava que era… uma forma de escape, se posso dizer. Tornou-se uma rotina e uma paixão. Hoje em dia, vejo provavelmente 3 filmes de terror por semana. É uma forma de lidar com a minha vida e de me perder nessa adrenalina.
Quando voltei a Bordéus em 2016, quis explorar essa minha vontade mais intrínseca, criar histórias que me metem medo. O Girls Night nasceu assim, no meu apartamento, numa slumber party com a minha prima e duas amigas. Foi bastante natural e a vontade era imensa, criámos algo low budget e, sozinho, escrevi, realizei, filmei e editei.
Ainda tenho muita coisa para contar e acho que o cinema de terror é um género em que podemos explorar vários temas num só filme. Por enquanto, continuo com esta vontade, mas acho que vai ser algo que vai estar sempre presente no meu trabalho.
Em muitos dos teus filmes, a protagonista é sempre uma mulher, por vezes em papel de «vilã», e quase sempre sozinha. Ou seja, é ela por ela, sem teres de a colocar em oposição ou comparação a outras personagens. O que é que te motiva a escrever os filmes dessa perspectiva, ou, de certa forma, a reinterpretares a imagem da final girl?
Faço parte da comunidade LGBTQ+ e tenho uma sensibilidade um bocado particular com a mulher. Há um fascínio em mim, desde pequeno. É difícil explicar… Admiro as mulheres e a vossa força. Por exemplo, sempre escolhi personagens femininas em jogos de vídeo, desde os 3 anos que tenho um fascínio com sereias e, nos filmes de terror, pude presenciar o crescimento da final girl nos filmes slasher, que acabou por ser o meu principal interesse. Precisamos de mais mulheres no cinema, à frente da câmara, atrás da câmara e em todo o lado. The future is female!!! [risos].
Isto tudo passa também pela minha adolescência, sofri de bullying e não passei os melhores momentos com rapazes. O meu pai também não foi uma figura super presente no meu desenvolvimento, e acho que acabei por me sentir mais seguro rodeado de mulheres.
Quando comecei a filmar, era necessário sentir-me bem e em harmonia, então tentei ao máximo rodear-me de pessoas que me fazem bem. E as final girls dos meus filmes nasceram assim. Adoro slashers, e o desenvolvimento da personagem feminina que geralmente sobrevive nesses filmes foi um fascínio durante imenso tempo. Mudar essa perspectiva é sempre interessante e, como gosto de personagens fortes, o papel de vilã acaba por ser poderoso.
Mas isto não significa que não queira trabalhar com homens, aliás, tenho uma ideia para um próximo filme, e gostava também de dar uma volta a esse estigma.
Os teus filmes já passaram por vários festivais internacionais, inclusive ganharam prémios. O que falta para ouvirmos falar mais de David Teixeira em Portugal?
Não faço ideia. [risos] Todos os anos envio os meus filmes para festivais em Portugal, quer seja para o Fantasporto ou MOTELX, no entanto nunca foram selecionados. Acho que, infelizmente, passa muito pela notoriedade e, como trabalho sozinho na maior parte das vezes, o meu trabalho acaba por não ter o mesmo impacto. O que eu mais quero é ser selecionado em Portugal!
Final Gasp é o teu mais recente projeto, que está agora a entrar no circuito de festivais. O que nos podes contar sobre este filme? Está prevista uma passagem por Portugal?
É uma curta-metragem do tipo home invasion slasher, em que a experiência acaba por ser sensorial. Foi filmado no meu apartamento em Lisboa. A atriz Catarina Carvalho é minha amiga e colega de casa, então foi tudo bastante controlado, o que é bom. O filme tem uma banda sonora criada por ela e pelo José Pedro Menezes, num processo laborioso, em que o suspense foi desenvolvido minuciosamente com a ajuda deles e numa colaboração entre os três. Nunca tinha explorado a música nesse sentido; foi giro ver o processo e dar inputs. A Catarina está excelente no papel de Lindsay e, sendo este o primeiro projeto dela em cinema, fiquei muito surpreendido. Foi muito fácil trabalharmos juntos e acho que isso se sente no ecrã. Não posso contar muito, mas posso dizer que o filme é falado em inglês e repleto de suspense.
Se passa em Portugal? Não faço ideia de novo. Estou à espera das seleções para o MOTELX deste ano. A ver vamos!
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Sandra Henriques
Autora de guias de viagens da Lonely Planet, estreou-se na ficção em 2021, ano em que ganhou o prémio europeu no concurso de microcontos da EACWP com «A Encarregada», uma história de terror contada em 100 palavras. Integrou as antologias Sangue Novo (2021), Sangue (2022) e Dead Letters: Episodes of Epistolary Horror (2023). Em setembro de 2023, contribuiu com o artigo «Autoras de Terror Português» para a Enciclopédia do Terror Português, editada pela Verbi Gratia. Em março de 2022, cofundou a Fábrica do Terror, onde desempenha a função de editora-chefe.