Crítica a três curtas estrangeiras no Fantasporto 2022

«Fledge» ganhou o prémio de melhor curta-metragem

De Marta Nazaré e Cláudio André Redondo

Fledge, de Hanni Dombe e Tom Kouris

Em Fledge, Hanni Dombe e Tom Kouris transportam-nos para Israel, nos anos 90, para nos contar a história comovente de uma jovem imigrante russa chamada Elina. A adolescente vive numa cidade deserta com a avó ― muito apegada às tradições e rituais mágicos ― e, enquanto luta para se integrar e ser aceite pelos seus pares, algo estranho lhe começa a brotar do corpo. Embora não se perceba muito bem se são folhas ou penas, sabemos tratar-se de um fenómeno genético com propriedades mágicas, que a avó, pela sua experiência de vida, considera um dom. Elina, por sua vez, por ser ainda muito nova, interpreta-o como um impedimento à sua felicidade.

Esta fábula, muito no estilo do realismo mágico, é contada com uma animação em stop-motion. De uma inocência bela e que apela ao sentimento, deixa-nos a pensar: poderemos sentir-nos completos abandonando as nossas raízes, largando a nossa identidade para receber a aceitação dos outros? Um filme muito bom, com uma excelente história e visualmente apelativo, que convenceu o júri a dar-lhe o prémio de melhor curta.

Visitors, de Kernichi Uganda

Visitors, de Kernichi Uganda, começa com três amigos ― Hakura, Nana e Takanori ― que, preocupados por não terem notícias do amigo Souta, resolvem bater-lhe à porta. Souta recebe-os com um comportamento estranho, desligado da realidade, mas deixa os amigos entrar. No interior, uma desarrumação fora do normal, com jornais a tapar as janelas, compõe uma atmosfera escura e desconfortável em que os amigos se sentem observados, contrastando com o dia luminoso no exterior. Assim que uma das personagens pisa uma mistela verde no chão, entramos no melhor do estilo nonsense japonês. O uso exagerado de efeitos especiais para representar a possessão e a caracterização ao estilo de O Exorcista são os primeiros indícios do que aí vem: morte desenfreada, ferimentos grotescos e sangue, muito sangue. Os elementos de humor negro encarregam-se de dar a esta curta-metragem um tom mais ligeiro. Personagens que escorregam, que riem da desgraça dos outros e até uma cabeça decepada que ganha nova vida de forma original. Juntando a isso as intervenções inusitadas e absurdas do amigo Souta ― preocupado em servir chá e deixar os amigos confortáveis, ignorando o que está a acontecer ―, é impossível chegar ao fim desta curta-metragem sem dar umas boas gargalhadas.

Elena, de Birutė Sodeikaitė

Nesta animação artística com fantoches, Birutė Sodeikaitė mostra-nos Elena, uma mulher com asas que desfruta da vida a voar pelas nuvens. Um dia, conhece um grou vermelho e envolve-se com ele numa dança, um bailado gracioso e elegante, que em nada fazia prever o que se seguiu. Esse encontro dá origem a uma semente que começa a crescer na barriga de Elena. A partir daqui, a curta-metragem pode ter várias interpretações. Algumas delas bem pesadas, que poderão envolver a vida, o aborto, o que se ganha e o que se perde. Um filme pesado, diferente e que deixa muito em aberto.