Entrevista a Russell Owen, realizador de «Shepherd»

Prémio para Melhor Ator e Melhor Fotografia no Fantasporto 2023

«Eu adoro terror. E obviamente Shepherd é um terror muito mais contido. É psicológico. É sobre atmosfera e intenção. Eu adoro terror porque é o género mais inovador de todos os géneros.»

Cláudio André Redondo

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Shepherd abriu a 43.ª edição do Fantasporto e a fotografia do filme recebeu bastantes elogios por parte do público. Acabaria por ganhar o prémio para melhor fotografia da secção oficial de Cinema Fantástico e Tom Hughes, o protagonista, foi distinguido como melhor ator pelo mesmo júri.

Conversámos com Russell Owen uns dias depois da estreia do filme em sala, sobre fazer cinema no Reino Unido, o futuro do género do terror naquele país e os seus próximos projetos.

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Para quem ainda não viu o filme, o que é que nos podes dizer sobre ele? Qual é a história? 

A história foi baseada numa lenda galesa verdadeira, a mesma história em que o Robert Eggers se baseou para O Farol: dois homens num pequeno farol na costa do País de Gales, que enlouqueceram no final de 1700 ou 1800. Um morreu e o outro enlouqueceu, e isso mudou a lei dos faróis, na época e para sempre. Eu adorei a ideia, mas tinha cerca de 18 ou 19 anos quando comecei a escrevê-la e morava no País de Gales. Então, ela foi-se desenvolvendo e mudando. No Reino Unido, há sempre uma pequena ilha com ovelhas algures. E há sempre uma oferta de emprego no jornal. Milhares de pessoas pelo mundo acham que é um trabalho de sonho e candidatam-se, porque podem viver fora da rede, no meio do nada, e para mim isso é puro terror. Ia ficar louco. Pensei então em combinar essa ideia de isolamento, e ela tornou-se no Shepherd. É sobre um homem, Eric Black, que perdeu a mulher em circunstâncias misteriosas e decide fugir de tudo, ao aceitar um emprego como pastor, para cuidar de cerca de 600 ovelhas. E o lado psicológico acaba por alcançá-lo. Ele enlouquece e questiona a realidade, o que é um sonho e o que não é.

 

Mencionaste durante a apresentação que este filme levou cerca de 20 anos para ser feito. O que é que mudou desde o início, além do facto de teres começado a adicionar pequenas coisas? Esta era a ideia original ou era outra coisa?

O engraçado é que é a única coisa que escrevi que não mudou assim tanto quando chegou a altura de fazê-la, porque é uma história de fantasmas muito simples. Quando a escrevi, era tudo filmado em película; o digital ainda não era tão bom e, quando era, era muito caro. Foi muito difícil. Fiz algumas curtas, mas comecei a realizar alguns anúncios. Pensei que não ia conseguir fazer nada no cinema, mas que podia fazer alguma coisa nos anúncios. Foi um choque ver que as pessoas me davam dinheiro para fazer alguma coisa. Foi ótimo ter dinheiro para fazer filmes. Fiz isso por muito tempo, e houve um anúncio que fiz com o David Beckham. O produtor do Shepherd viu-o e disse: «ótimo, temos um filme que podes fazer». E eu fiquei tipo: «o quê?!». [risos] Por isso, voltou tudo ao início. Ele deu-me um guião de zombies — um guião de zombies muito mau. Queriam começar a filmar em 5 ou 6 semanas, e eu disse que era muito cedo. Não havia elenco, não havia local, era passado numa prisão. Então, consegui adicionar algumas semanas à pré-produção e o guião era… [risos] Alguém me disse que eu ia arruinar a minha carreira. Eu respondi que não tinha uma carreira no cinema, que não havia nada para arruinar. Então disse: «vamos fazer o seguinte, vou fazer o filme e vou torná-lo ótimo, mas o próximo filme que fizeres tem de ser o Shepherd, e vou fazê-lo de graça, sem receber nada». Ele disse: «sim, sim, tudo bem». Por isso, foi o que fiz. E, fiel à sua palavra, algumas semanas após a exibição desse filme, começámos a filmar o Shepherd. Foi um caminho muito difícil para chegar aí. Um caminho longo e complicado.

 

Mas sabias que era isso que querias fazer.

Acho que, se não o fizesse, ia ficar preso na minha cabeça por muito tempo… Mesmo que seja muito simples, foi o primeiro argumento que escrevi e não queria abandoná-lo e fazer algo diferente. Escrevi muitas coisas desde então, que eram mais avançadas, mas pensava que tinha de fazer isto funcionar. Caso contrário, ia sempre viver na minha cabeça. E ficou exatamente como estava na minha cabeça, por isso fiquei muito orgulhoso de mim mesmo. Foi exatamente como imaginei.

 

O final do filme é tão aberto que cada um pode ter uma interpretação diferente. Podes dizer-nos qual foi a tua? Ou preferes ter várias interpretações?

Havia cinco finais diferentes: ele acorda e voltou à ilha; ele está louco na ilha; ele está morto e preso no purgatório… E contei finais diferentes a diferentes membros da equipa. Por exemplo, contava uma coisa ao diretor de fotografia e depois algo diferente ao ator… e algo diferente ao designer de produção. Quando ele construiu o interior da cabana, se o público colocasse o filme em pausa e olhasse para as coisas, todos os objetos contariam uma história diferente, porque ele tinha uma determinada interpretação. O diretor de fotografia tinha outra, então as escolhas dele foram informadas por isso. Tom, o ator, tinha a interpretação mais próxima do que eu tinha em mente, mas eu tinha outra ideia diferente ainda. Não havia uma ideia clara, porque o próprio personagem está completamente confuso, e eu queria que o público acompanhasse essa viagem, não queria dizer: «ah, e a propósito, é isto». Quero que estejam quase nos sapatos dele. Há um mistério sobre o passado do protagonista, mas, ao mesmo tempo, seguimos a sua viagem, e ele encontra-se agora num mistério só dele.

 

Isso é interessante, fazer com que todos pensem algo diferente, porque o resultado final funciona muito bem. 

E o final também, quando as luzes se apagam na divisão e ele se vira e o design de produção tinha mudado a porta da cela para a porta da cabana. Podia ser um pesadelo ou um sonho. É tudo. Porque inicialmente ele ia virar-se e estar na cabana. Por isso, é só uma junção de todas essas ideias no final.

 

Trabalhaste num filme de zombies que não querias. Mas queres trabalhar no género de terror ou foi apenas uma coincidência?

Eu adoro terror. E obviamente Shepherd é um terror muito mais contido. É psicológico. É sobre atmosfera e intenção. Eu adoro terror porque é o género mais inovador de todos os géneros. Há tanta experimentação que pode ser feita e é sempre um caminho muito bom para novos cineastas explorarem. Acho que outros géneros estão um pouco mais presos ao que podem ou não fazer. Acho que o terror é muito mais exploratório. E é muito mais divertido. Normalmente, é sempre.

 

Como te sentes em relação ao terror no Reino Unido, hoje em dia? Sinto que ultimamente não há muito a ser lançado.

Não, não há. Existem poucos filmes realmente bons. Mas a indústria mudou e há muitas produções grandes a serem filmadas lá. É caro, agora, fazer filmes no Reino Unido, porque fazem o Star Wars ou grandes produções da Amazon. Há também o The Crown ou os filmes da Marvel e é bastante difícil conseguir estúdios ou equipas de base. No Reino Unido, podes ser relativamente inexperiente e conseguir um trabalho muito bom agora, porque há escassez de equipas. Não acho que se veja tanto como era costume. Lembro-me de ir a um festival no Reino Unido, talvez há 10 anos, e haver montes de filmes de zombies. De todos os tipos. Agora, já não tanto. Acho que muitos dos filmes que saem do Reino Unido são mais sobre realismo social ou comentário político, até às grandes produções de estúdio. É menos, acho eu, como nos velhos tempos da Hammer Horror… Esses estúdios fecharam. Não é tão divertido.

 

Mas achas que é mais por a indústria ter mudado ou por causa das pessoas?

Os filmes de Hollywood mudaram-se para lá, por isso… Uma carreira no cinema, no Reino Unido, é uma máquina viável. Não costumava ser assim. Quando eu estava a tentar entrar, disseram-me: «não faças cinema, isso é uma parvoíce. Tens de ir para Hollywood, nunca vais conseguir». Agora, podes ir para uma escola de cinema e conseguir um emprego na BBC, podes confortavelmente conseguir um agente — eu não tenho um agente [risos] — e ter um emprego numa equipa de filmagens, porque há muito trabalho. Quando eu estava a começar, era muito mais uma comunidade. Ela ainda lá está; está é muito mais afogada em negócios e dinheiro. As pessoas, de repente, percebem: «oh, eu posso ter um emprego com um bom salário, não tenho de substituir o meu amor pelo cinema e trabalhar num café». Por isso, sim, acho que mudou. E isso é bom. Muitas pessoas têm trabalho. Mas vai voltar ao que era. O governo do Reino Unido, que não é ótimo, vai acabar por retirar os benefícios fiscais e muitos desses grandes filmes vão mudar-se para o Leste Europeu, onde estão os outros estúdios. Aí, vai tudo voltar ao ponto em que todos lutam para conseguir trabalho, que não vai estar disponível.

 

Isso acontece em Portugal. E agora os grandes estúdios também estão a vir para cá. [risos] Podes contar-nos sobre os teus próximos projetos?

Bem, eram três. Eu escrevi dois. Fui abordado sobre um projeto, do qual provavelmente não posso falar. Mas estou à espera do guião. O que é ótimo, porque, além do filme de zombies, nunca fui abordado por ninguém. Mais uma vez, não tenho um agente, por isso… E depois escrevi dois. Um chama-se Paper e espero estar a filmá-lo ainda este ano. Tenho uma equipa de produção muito boa e é mais uma comédia de terror. Diria que é uma versão contemporânea de A Morte Fica-vos Tão Bem. Passa-se no sul de França. E isto é tudo o que posso dizer de momento. É um guião ótimo e tenho produtores incríveis a bordo, por isso espero que seja filmado em breve. Depois, escrevi uma continuação para o Shepherd, que parece não precisar mesmo de uma sequela, mas que se situa no mesmo universo com alguém na mesma área, a passar por algo diferente. Basicamente, pus os meus piores pesadelos no papel.

 

Preferes escrever ou realizar?

Ambos, de igual forma, porque, quando estou a escrever, já estou a visualizar tudo. Até ao entregar, estou a pensar: «tem de ser assim, tem de ser assim». Adoro ambas as coisas, mas depende. Adoro realizar se a história for boa, mas acho que gosto mesmo é de contar histórias. Mais do que a filmagem em si, é a própria narrativa.

 

Gostavas de escrever fora do cinema ou apenas te vês a escrever guiões?

Estou a tentar transformar alguns dos outros guiões que escrevi, ao longo dos anos, no meu tempo livre… Comecei a transformá-los em romances, porque gosto disso. E às vezes, quando escrevo, tendo a explicar demasiado, escrevo com muitos detalhes. E isso não é preciso. O design de produção trata disso. Mas eu penso: «bem, só para ter certeza». Por isso, sim, provavelmente sou um autor frustrado. Esse seria o meu passatempo na velhice, quando não puder andar pelos sets de filmagem: fazer bestsellers de aeroporto.