Entrevista ao realizador de «Megalomaniac», Karim Ouelhaj
Filme vencedor de três prémios no Fantasporto 2023: Grande Prémio, Melhor Realização e Melhor Atriz
«Neste filme, queria ter total liberdade de expressão, tanto no conteúdo como na forma.»
Entrevistámos o realizador Karim Ouelhaj e a produtora Florence Saâdi ainda o Megalomaniac não nos tinha saído da cabeça. Foi um filme que dividiu opiniões na audiência, que fez com que membros do público saíssem da sala nas primeiras cenas violentas, mas reuniu o consenso do júri e ganhou três prémios: Grande Prémio, Melhor Realização e Melhor Atriz.
***
O que nos podes dizer sobre este filme, Megalomaniac?
Karim Ouelhaj: Complexo, é complexo. Como abordar este filme? Eu disse noutras entrevistas que, neste filme, queria ter total liberdade de expressão, tanto no conteúdo como na forma.
Florence Saâdi: E, a partir dessa perspetiva, tens de assumi-lo. E é por isso que funcionou tão bem, porque ele sabia muito bem o que estava a fazer.
E gostámos muito que ele tenha ido aos quintos dos infernos, nos tenha levado com ele e não tenha pedido desculpa por isso.
FS: Exatamente. Ele diz que queria ir ao Inferno e, quando lá vais, não ficas a meio caminho. Se vais descer ao Inferno, vais mesmo descer ao Inferno.
De onde vem esta história? Nós sabemos que o ponto de partida foi um assassínio em série que existiu em Mons, mas isso serve apenas de contexto, e tudo o resto foi imaginado por ti. Qual foi a tua inspiração?
KO: É como dizes, o ponto de partida foi um caso na Bélgica, que nunca foi resolvido [de mortes em série que pararam abruptamente]. A partir disso, comecei a imaginar o que poderia ter acontecido a esse assassino, porque não sabemos nada sobre ele. Comecei a pensar o que lhe poderia ter acontecido. Será que teve família? Daí, desenvolvi toda aquela loucura [que está no filme].
Sinto — e escrevi isso na crítica ao filme — que as personagens são monstros e vítimas ao mesmo tempo. E sinto — e Isto é a minha opinião — que o verdadeiro vilão é o pai. Dito isto, conseguiste criar personagens com quem simpatizamos, e há sempre um conflito entre vê-las como vítimas e aceitá-las como vilãs. Como é que foi esse processo de construção?
FS: É isso mesmo, compreendeste exatamente aquilo que ele queria transmitir. Era precisamente o objetivo do filme. Mas esta análise vem dos seus filmes anteriores, três longas-metragens sobre drama social através das quais ele analisa a sociedade e tenta compreender a natureza humana, a forma como alguém que é tão maltratado sobrevive a isso. Como é que se sobrevive a essa herança maléfica, de certa forma.
KO: Para a Martha, é a esquizofrenia que lhe permite proteger-se desse mal. Subconscientemente, ela cria esta outra personalidade como ato de autopreservação, e é isso que, de algum modo, lhe permite sobreviver.
Quando a única coisa que conheces são maus-tratos e violência, isso acaba por ser a norma.
KO: Sim, precisamente.
FS: E o filme tem dois temas principais. O primeiro é como é que lidas com a herança do mal, começada pelo pai. Será que ele está vivo, morto? Não sabemos. [risos] Mas é ele que coordena tudo. E o tema maior é definitivamente como é que uma vítima se transforma no monstro. Para o Karim, também era importante castigar o tipo que não faz nada, da mesma forma que os que a maltrataram foram castigados. Para ele, isto era muito importante.
Porque, no início, o patrão parece intervir a favor dela. No entanto, no final, acaba por deixar que a violência aconteça. Ele é tão mau como os outros.
KO: O Jérôme representa exatamente a sociedade.
FS: A sequência em que o Jérôme está petrificado na casa-de-banho e não reage, para o Karim, é a representação perfeita do estado atual do mundo. Porque é ele quem manda, é a pessoa responsável, mas prefere olhar para o lado. As pessoas na base da pirâmide escondem as coisas e protegem-se umas às outras, enquanto o tipo no topo da cadeia observa de cima. É essa a ideia.
Acho que o desempenho dos atores foi fantástico e penso que é pela forma como realizaste o filme. Como foi trabalhar com eles, levá-los até àquele estado de espírito? Porque há cenas muito fortes no filme.
FS: A atriz principal, Eline Schumacher, é excelente, também porque teve muito apoio de todos os outros atores. E o Karim é muito bom a escolher as pessoas. Ele já tinha trabalhado com a maioria deles, por isso sabia o que conseguia deles. Tudo aquilo que está no filme foi possível porque existe esse grau de confiança entre realizador e atores. Além disso, todos eles perceberam muito bem a dualidade das personagens e estavam muito conscientes da natureza humana.
O que sentes por ser um realizador de terror? Não sei como é na Bélgica, mas, em Portugal, a maioria das pessoas tem medo de dizer que faz terror, geralmente dizem que é cinema fantástico.
KO: Porquê?
Porque sentem que é um género menor e que não vão ser levados a sério. Sentes isso como realizador de terror?
KO: Não me considero como um realizador de fantástico ou de terror. Considero-me apenas um realizador. E não tenho qualquer problema em passar de um género para outro, porque quero ter essa liberdade de viajar entre temas. Eu uso o género que conta aquela história em particular.
És guiado pela história e não pelo formato?
KO: Sim, pela história e por aquilo que quero dizer. Especialmente com filmes como o Megalomaniac, o terror permite-me dizer coisas de certas formas que não conseguiria dizer com outros géneros. Aqui, posso ir mais longe, e ainda me permitem que vá mais longe.
FS: E é isto, também, que ele gosta no género. Poder ir mais longe. Porque nos outros géneros ainda há tanta censura, tanta coisa que não podes mostrar e contar. Por exemplo, se mostras violência, parece que estás a dizer que apoias e não que a denuncias. No terror, ainda te é permitido fazer isso.
E o que nos podes dizer sobre projetos futuros?
KO: Estamos na fase de pós-produção do próximo filme, um thriller fantástico, com algum terror, chamado Hit of Madness. É inspirado no Dante, mas completamente fodido. [risos] Mas muito bonito e muito religioso.
FS: Sim, mas ao estilo Megalomaniac, de certo modo. Há muito simbolismo religioso, porque ele gosta muito disso.
GOSTASTE? PARTILHA!
Cláudio André Redondo
Apaixonado pelos livros desde os oito anos. Desde essa idade que sempre se aventurou pela escrita e foi acumulando histórias na gaveta, mas só recentemente começou a contar histórias de terror. É nesse género que encontra, atualmente, o maior prazer de escrever, sentindo por vezes que abriu uma porta para um lugar sombrio de onde figuras negras procuram sair. A gaveta abriu-se, resta saber o que de lá vem.