Fantasporto 2023: «Megalomaniac», de Karim Ouelhaj

Secção Cinema Fantástico

«Os irmãos Martha e Felix vivem numa casa grande e velha que lhes foi deixada pelo pai, o notório Carniceiro de Mons. Além desta herança, Martha tenta proteger o irmão, que é, como o pai, um serial killer. Abusada no trabalho, Martha tem de encontrar o equilíbrio entre a violência de Felix e os traumas na sua própria vida. Filme vencedor do importante Prémio Cheval Noir no Festival Fantasia (Canadá), é mais um bom exemplo do moderno cinema belga de horror. Excelente interpretação de Eline Schumacher, no seu primeiro papel no cinema.»

Cláudio André Redondo

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Megalomaniac, de Karim Ouelhaj, é um filme que se inspira na história real do carniceiro de Mons e imagina uma história à volta de quem ele poderia ter sido. Neste caso, o filme mostra aquilo que seria a vida dos filhos do assassino, caso ele os tivesse tido. Felix, o filho mais velho, torna-se uma cópia do pai, que começa a seguir os seus passos e copia os métodos do mesmo para matar as suas vítimas. A filha, Martha, torna-se uma mulher submissa, cheia de demónios, a quem foi ensinado como se comportar e a agir corretamente.
Megalomaniac é um filme que incomoda. Um filme que começa forte e que mostra desde o primeiro minuto que não tem problemas em incomodar. Mas é um filme que incomoda de todas as formas boas para um filme de terror. As cenas mais violentas, algumas muito fortes, são apresentadas com aquilo que só posso considerar como bom gosto. Trazem sempre algo à história, ajudam a torná-la melhor, mais impactante, sem nunca darem a sensação de que estão lá apenas com o objetivo de chocar.


Mas Megalomaniac não é um filme que incomoda só pela parte técnica. Sim, a fotografia está excelente, a banda sonora está no ponto e a forma como o realizador brinca sem medos com certos planos é simplesmente brilhante. No entanto, é um filme que incomoda sobretudo pela história.


Contando com a ajuda dos excelentes desempenhos de todos os atores, Karim Ouelhaj conta-nos uma história em que conseguimos odiar as personagens e ao mesmo tempo empatizar com elas, chegando a ter pena das mesmas. Odiamo-las por aquilo que fazem, pelos monstros que  são e pela facilidade com que agem como tal, mas temos pena porque, ao mesmo tempo, são provavelmente as maiores vítimas de toda a história.

A forma como o realizador nos vai apresentando essa visão de forma subtil, levando-nos muitas vezes em direções completamente diferentes, é simplesmente maravilhosa. Houve vários momentos em que pensei que sabia para onde a história estava a ir. Até cheguei a acreditar que sabia como o filme ia acabar, para rapidamente perceber que estava muito enganado.

Não quero entrar em pormenores para não correr o risco de revelar demasiado da história. Quero apenas dizer que, quanto mais tempo passa desde que vi o filme, mais me apercebo das várias camadas que o mesmo possui, e de como nos faz pensar muito para lá da sua história. Quem é verdadeiramente o protagonista de todos os acontecimentos? Quem são as vítimas, os monstros? Quem controla as nossas ações? Somos só nós? Ou os outros que nos rodeiam têm mais poder do que pensamos? Afinal, se apenas conhecemos uma realidade, a nossa, até que ponto conseguimos perceber se o que fazemos foi verdadeiramente decidido por nós? Se é certo ou errado?


Até ao momento, para mim, este filme foi a grande surpresa do festival. Não só pela qualidade geral do mesmo, mas também pela história original, contada de forma diferente, sem medo de chocar ou de arriscar. Será, sem dúvida, uma história em que continuarei a pensar, muito para lá do momento em que os créditos rolaram e o público aplaudiu, com entusiasmo, o que tinha acabado de ver.