Fantasporto 2023: «Once Upon a Time in the Future: 2121», de Serpil Altin
Filme selecionado para a sessão de encerramento
«No futuro, a terra é inabitável devido às alterações climáticas. De acordo com a Lei da Escassez, a água, a comida e todos os aspetos da vida são vigiados pelo sistema. Uma família espera um filho e, para que ele viva, é preciso que a antiga geração morra.»
A realizadora turca, Serpil Altin, estreia-se nas longas-metragens e é a primeira mulher a abordar a ficção científica no seu país. Isto seria o suficiente para rotular o filme, mas Once Upon a Time in the Future: 2121 é feito de várias camadas. Ou, se quisermos, de várias maçãs — o fruto proibido que abre e fecha o filme, com propósitos bastante distintos.
Considerado uma adaptação livre de 1984, de George Orwell, os elementos de distopia a que nos habituámos a ver estão todos lá. O que salta à vista, contudo, é a fotografia: para quem está à espera dos previsíveis ambientes depurados e assépticos, tons neutros e branco sobre branco vai ficar surpreendido com o (aparente) conforto quente e acolhedor em que a história se desenrola. Mas isso é um pormenor.
São as personagens femininas que fazem a história avançar, num confronto constante entre gerações, em que a filha (a geração mais nova, venerada naquela sociedade distópica) é um ser petulante e mimado que quase faz o espectador não aceitar o seu direito à redenção. A avó, ex-revolucionária que derrubou o antigo regime e ajudou a construir o atual quando tinha 19 anos, oscila entre o arrependimento, o ódio e a realização de que ainda não é tarde demais (para quem já não tem nada a perder). E a mãe, a braços com uma gravidez que ela e o marido não planearam (e o desequilíbrio que isso provoca), a favor do sistema por falta de alternativa, até remexer na sua consciência em busca de formas de o manipular por dentro. Como um bicho da fruta, que fura maçãs.