Entrevista ao realizador Bernardo Cabral

«A minha filosofia é a de que os filmes são para serem vistos»

Muito antes de saber da existência de Hotel da Noiva (agora conhecido como o primeiro filme de terror açoriano e exibido no MOTELX de 2022, 15 anos após a sua estreia), já me tinha cruzado com dois documentários realizados pelo Bernardo Cabral, curiosamente sobre a minha ilha natal (Flores). Um deles, a curta-metragem À Beira da Europa, foi nomeada para os Prémios Sophia em 2015.

Assim que soube da exibição deste filme, recorri a conhecidos em comum para chegar ao contacto com o Bernardo (já é tarde para insistir que os açorianos não se conhecem todos uns aos outros?). Foi uma boa surpresa quando ele aceitou, sem reservas, conversar comigo.

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Sandra Henriques

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Eu desconhecia que existia este filme de terror açoriano, Hotel da Noiva. O primeiro filme de terror açoriano, que pode vir a ser considerado um filme de culto. 

É o primeiro filme de terror açoriano. Eu desconhecia que era um filme de culto até agora. [risos]

Como é que surge a ideia para este filme?

Sou professor e, na altura, estava no ensino profissional. Era professor e diretor do curso de audiovisuais, e os meus alunos estavam a fazer as suas PAP, as provas de aptidão profissional. A escola impunha que tinha de ir sempre [um professor] por causa dos equipamentos e, por isso, tive de os acompanhar aos sítios mais disparatados: às duas da manhã, no meio de um pasto; às três da manhã, na praia, com filmagens feitas com luzes de jipes. Esse tipo de coisas que, quando somos novos, fazemos e ainda bem que as fazemos. Um deles teve uma PAP no Hotel das Sete Cidades. O pai era encarregado da segurança do hotel, e ele fez lá a sua PAP.

O hotel já estava abandonado, nessa altura?

Estava já fechado. Não estava abandonado. Tinha segurança 24 horas por dia. E aquilo foi uma coisa de uma noite. Começámos a conversar, eu e uma outra professora, e a ideia surgiu, mas depois ela desvinculou-se do projeto. Eu resolvi continuar e escrevi o guião. Estivemos lá em março/abril, e em julho estávamos a rodar. Ou seja, de março/abril até julho, escrevi o guião, tratámos de toda a pré-produção, do elenco, de tudo. Foi uma loucura. Na semana anterior a começar o filme, ainda não tinha o casting completo, ainda me faltavam pessoas. Foi mesmo uma loucura completa. No fundo, foi uma coisa feita à pressa, em cima do joelho. O filme denota um bocado isso.

Se fizesses o filme hoje em dia, mudavas alguma coisa?

Eu acho que qualquer realizador nunca está satisfeito e mudaria coisas nos seus filmes. Sim, mudava muita coisa. Se calhar, começando por não fazer o filme. [risos] Porque o sofrimento foi tão grande… Aquilo foi divertido, mas, ao mesmo tempo, foi um sofrimento muito grande. Depois, passavam coisas por mim, como por exemplo discutir o menu do que se ia comer naquele dia, e perguntavam-me: «o que é que eu compro agora? Já comeram isto, já comeram aquilo». [risos] Eu costumo dizer que o verdadeiro filme de terror não é o que está no ecrã. O verdadeiro filme de terror foi a parte da produção propriamente dita. Acho que também posso dizer aqui que a escola que estava a apoiar com os equipamentos, às tantas — não sei porquê, não sei se houve pressões —, resolveu tirar o apoio. Eu não cedi, levei com um processo disciplinar em cima, portanto o verdadeiro filme de terror foi fora do ecrã. Mas tive sorte com a equipa, eram todos meus alunos e colaboraram muito bem. O Carlos Melo e o Paulo Medeiros foram os pilares, o filme não acontecia sem esses dois. Foram os pilares que mantiveram a coisa até ao fim, quando eu já estava completamente farto e gagá. [risos] Havia momentos de exaustão e eles seguraram as pontas, e o elenco também. Comecei a rodar o filme numa segunda-feira e, no domingo anterior, ainda não tinha a certeza se tinha todos os elementos, porque ainda me faltavam algumas confirmações. Foi um elenco de última hora.

Isso é um bocadinho o que acontece com fazer cinema em Portugal.

Eu penso que sim. O cinema low budget é sempre um desafio. O cinema no budget é um desafio muito maior, que foi o caso deste filme.

O filme chegou a ser exibido em 2007?

Sim, teve uma estreia estrondosa no Teatro Micaelense. Esteve também, uma ou duas semanas depois, no Teatro Ribeiragrandense e também foi um sucesso, à dimensão da Ribeira Grande. Penso que passou na RTP Açores, não tenho bem a certeza, mas penso que sim. Esteve no Festival de Cinema de Avanca como projeto de risco, não foi a competição. Como aqui, no MOTELX, até porque não considero que seja um filme que possa ir a competição. E depois, ficou guardado. Em termos de continuidade, teve só aquele momento.

Como é que foi a receção do filme na altura?

Eu tenho medo de filmes de terror, enquanto espectador. [risos] De maneira que este foi um filme de terror feito à minha medida, não é muito aterrorizador. [risos] Procurei fugir para o lado do spoof, de brincar com a história, de fazer um pouco de humor pelo meio. A piada toda é que nas duas exibições que houve, as pessoas realmente riram, mas não riram nos sítios que eu pensava que era para rir, que tinha lá posto de propósito. Cada um tem a sua interpretação do humor. Foi engraçado por essa razão. Passei um mês e meio a dormir três horas por noite. Adormecia durante as filmagens. Uma frase que ficou célebre entre a equipa e toda a gente foi: «está bom, mas vamos repetir», porque eu tinha adormecido durante a cena. [risos]

Que vida é que achas que o filme vai ter agora, a partir daqui? 

Não faço ideia. Não sou grande fã de filmes comerciais, apesar de serem muito bem feitos. Um filme comercial tem de ser muito bem feito para justificar o dinheiro e encontrar o seu lugar no meio de toda aquela competição feroz. Enquanto espectador, da mesma maneira que tenho medo dos filmes de terror, também não sou assim grande fã do cinema demasiado comercial. Mas também já não sou fã dos filmes feitos para o umbigo do realizador e seus amigos. A minha filosofia é a de que os filmes são para serem vistos. E se queremos que eles sejam vistos, temos de ter respeito pelo espectador. Não podemos dizer, como o Marcel Duchamp dizia, que o importante no cinema é esvaziar as salas. Não, tem de ser oposto. Claro que estávamos no âmbito do surrealismo, mas tem de ser outra coisa. Se esse filme [Hotel da Noiva] encontrar um caminho e tiver mais pessoas que o vejam, se vocês conseguirem fazer com que mais pessoas o vejam, eu fico muito satisfeito.

Eu acho que tem tudo para ser um filme de culto. Não sei se era isso que querias, mas acho que é isso que vai acontecer.