Entrevista ao realizador Carlos Calika

O seu novo filme, PUTTO, estreou no MOTELX 2024.

«Nunca vi um filme com um hitman anão, um filme que fosse dedicado a ele. Temos [filmes] com vários papéis de sidekick, de vilão, como nos filmes do James Bond, mas nunca é a personagem principal. Queria mostrar que as coisas podem ser diferentes.»

Só pelo trailer, desconfiámos que a nova curta-metragem de Carlos Calika seria o filme mais gore e sangrento do festival. E acertámos. Falei com o realizador sobre este novo trabalho que finalmente saiu da gaveta, os outros que um dia hão de sair, e os próximos festivais.

 

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Sandra Henriques

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Comparado com o filme que trouxeste ao MOTELX em 2023, Monstros, o PUTTO tem mais gore e sangue, e é uma história que estavas desejoso que visse a luz do dia.

Comecei a escrever o PUTTO em 2018. Depois, veio a pandemia, problemas de pós-produção, e o projeto ficou na gaveta, infelizmente. É a história de um assassino profissional, um hitman, que [foi contratado para] matar o filho de um oligarca que vende snuff films na dark web. E as coisas correm mal. Durante o trabalho, acaba por salvar a última vítima, e o filme desenrola-se a partir daí. E não quero revelar muito mais do filme. 

Se perderam o filme no MOTELX, esperemos que tenham oportunidade de o ver noutras salas ou festivais. Mas este filme tem uma particularidade que penso que podemos revelar, tendo em conta que o ator principal é bastante conhecido.

Quando comecei a escrever, já sabia que queria que a personagem principal fosse um anão. Geralmente, quando contava a história, as pessoas começavam imediatamente a rir-se. Porque, infelizmente, as pessoas com nanismo continuam a ser selecionadas para papéis onde geralmente são o comic relief, e o meu filme tem tudo menos isso. Esse aspeto afetou não só a maneira como escrevi o filme, para dar, obviamente, a credibilidade que merece, mas também a maneira como filmei.

E foi um filme verdadeiramente independente e de baixo orçamento, apesar de teres no papel principal um ator que tem no currículo a série Game of Thrones e os dois filmes mais recentes do Joker.

Sim, fui escritor, produtor, fiz a fotografia e depois a pós-produção, edição, mistura de som. Custou cerca de 2500 €, que não é absolutamente nada. Filmei-o quando estava a trabalhar ainda em Londres, num barracão, no meio de uma floresta nos arredores da cidade, com imenso frio. Inicialmente, a ideia seria fazer uma longa, mas não tínhamos dinheiro. E o Leigh [Gill], nessa altura, tinha já feito alguns papéis no Game of Thrones, algumas participações também na saga Harry Potter. Ele trabalhava em televisão como o sidekick de um apresentador num talk show, mas não era propriamente uma figura tão conhecida como depois de fazer o primeiro Joker.

Como é que chegas a esse casting?

Comecei à procura de atores anões numa agência fundada pelo Kenny Baker, o R2D2 da Guerra das Estrelas. Eu queria um look muito específico e, quando virem o filme, vão perceber isso. Queria um ator anão que não tivesse a fisionomia que habitualmente associamos a pessoas com nanismo, pelo menos na parte facial. E o Leigh, além de ator, já fez parte de bandas de punk rock onde tocava guitarra elétrica, e achei-o uma pessoa muito interessante. Mandei-lhe o guião e, para mim, tinha de ser ele. Ele adorou precisamente porque nunca ninguém tinha feito isto, ter um anão como o protagonista bad ass de um filme. Depois, apresentou-me ao melhor amigo dele, Stephen Sitkowski, e eu achei que seria o vilão perfeito. Depois, fui agregando outras pessoas ao projeto. 

Tiveste alguma sorte com o local das filmagens, também. Sem gastar muito dinheiro.

Foi filmado num barracão nos arredores de Londres, onde tinha feito um vídeo de promoção de uma Vila do Pai Natal. Já tinha andado à procura de sítio para filmar e obviamente era tudo caríssimo. E não estávamos a avançar com o filme precisamente por causa disso, porque era preciso muito dinheiro para cenários. Em termos de equipamento, estávamos safos, da minha parte. Durante as filmagens desse vídeo, fiquei amigo do dono e percebi que, antes da Vila do Pai Natal, tinham feito uma coisa semelhante para o Halloween, e tinham algumas coisas de Halloween lá perdidas nos barracões. Contei-lhe a história do filme que gostava de fazer, mas que não tinha espaço. E ele deixou-nos usar o armazém, que ia estar fechado durante uns dias. Filmámos intensivamente em dois fins de semana, porque a equipa trabalhava durante a semana e muitas vezes só podia ir à noite para trabalhar no PUTTO. Durante a semana, preparávamos tudo para, quando eles chegarem, já terem tudo arranjado e ser só filmar. E fizemos um filme. Depois, houve algumas peripécias, como perdermos o disco, e perdemos bastante material. 

Apesar de tudo, temos PUTTO.

O filme é, na realidade, um proof of concept para uma longa. Obviamente que, por questões monetárias, tempo e disponibilidade, ainda não avançámos com o filme, mas esse é o objetivo, que o PUTTO um dia cresça para o formato de longa metragem. As pessoas que já viram o filme veem algumas falhas, e eu sei que todos os filmes têm falhas, mas estou orgulhoso com o que fizemos, porque as pessoas querem saber mais das personagens, ou seja, seria possível contarmos a história toda.

E tens um filme com princípio, meio e fim. Com uma história muito clara.

Sim, é um filme de ação completo que poderias ver facilmente numa hora e meia, mas concentrado em 15 minutos. E agrada-me as pessoas quererem saber mais sobre as personagens, o background, saber o que é que aconteceu antes e depois.

Dava, portanto, para «esticar» e fazer a tal longa. 

Se tiver fundos, sim, sem dúvida. Mas este projeto, apesar de o PUTTO ser meu, não existiria sem o Leigh, que é um dos produtores do filme, e que se entregou também com a mesma paixão ao projeto, que deu o seu caráter à «criança».

No MOTELX 2023, tiveste o Monstros em competição e, por causa deste segundo filme, fazes oficialmente parte da turma dos repetentes. Pelo menos, no que diz respeito a participar em festivais.

Já fiz outras curtas, mas nunca mandei para festivais. Há sempre aquela coisa de pensarmos que não somos suficientemente bons, o tal self-sabotage. Mas cheguei a um ponto da minha vida em que já não tenho vergonha, porque fiz este filme com 2500 €. Quem me apontar erros consegue fazer igual com o mesmo orçamento? Em 2023, tive o apoio das companhias de teatro que queriam fazer o Monstros, mas o PUTTO tinha de sair porque merece ser visto. Obviamente, houve pequenas alterações, mesmo em termos de edição na narrativa. Como perdi algumas das imagens, em termos de montagem, e só tenho 15 minutos, tive de concentrar as coisas e acabei por cortar alguns diálogos. Não foi nada que tenha comprometido a história, e que pensasse que tive de abrir mão disto ou daquilo. Existia também uma certa urgência da minha parte, porque nunca vi um filme com um hitman anão, um filme que fosse dedicado a ele. Temos [filmes] com vários papéis de sidekick, de vilão, como nos filmes do James Bond, mas nunca é a personagem principal. Queria mostrar que as coisas podem ser diferentes.

O filme vai continuar a viajar pelos festivais?

Sim, foi selecionado para o Insólito, no Peru, o maior festival do género fantástico do país. Tenho mais alguns projetos na manga que ainda não quero revelar. 

Vais continuar a fazer filmes dentro deste género?

Quero fazer outras coisas, mas a verdade é que me sinto muito à vontade no horror. Mas gostava de experimentar outras coisas. Tenho, por exemplo, um projeto em desenvolvimento sobre a guerra colonial. Digamos que é o Apocalypse Now português. O tema da guerra colonial ainda não foi muito explorado. Obviamente que é um projeto caríssimo. É inspirado nas memórias do meu pai, que foi militar no Ultramar, e eu mesmo fui militar, então acabo por misturar um pouco as minhas experiências. Será uma coisa muito mais dramática.