Livros — Crítica a Sem Tréguas de Stephen King
Mais um ano, mais um livro, desta vez outra história do mundo de Holly Gibney.
Se já gostavam de mistérios que incluíam o ponto de vista do assassino, imaginem dois mistérios, dois assassinos, duas linhas narrativas e muitos pontos de vista.
Este novo livro de Stephen King volta a trazer-nos para o mundo de Holly Gibney, uma investigadora particular. A história começa quando alguém é morto na prisão. Um ex-colega de trabalho revela que essa pessoa nunca foi realmente culpada pelos crimes pelos quais foi presa, e que sabe isto porque foi ele que plantou as provas. Ao mesmo tempo, o chefe da polícia local recebe uma carta anónima em que o remetente diz que irá matar treze inocentes e um culpado pela morte desnecessária de um homem inocente.
Do outro lado dos Estados Unidos, Kate McKay, ativista dos direitos das mulheres, faz uma digressão para dar palestras por todo o país e, além de atrair fãs, atrai algumas pessoas que se opõem àquilo que defende. O problema surge quando a sua assistente é atacada na rua, tendo o atacante pensado que ela era Kate. A perseguição, no entanto, continua, e meras ameaças passam a atos que podem pôr em risco as vidas de ambas. Tudo isto faz com que queiram contratar um guarda-costas que, após várias tentativas, acaba por ser Holly.
Como podem ver, temos já, desde início, não só uma grande quantidade de personagens como duas histórias que, à primeira vista, não estão em nada relacionadas uma com a outra.
Durante todo o livro, vamos sendo divididos nestas duas narrativas principais, sendo que diria que, no final, entra até uma terceira. Apesar de não vermos grande ligação no início, existe um fio que as liga: Holly não está diretamente envolvida com a polícia, mas sabe da situação através de uma das detetives, Isabelle Jaynes, e tenta ajudá-la a perceber quem poderá ser o assassino quando começam a surgir cada vez mais corpos de inocentes, a pagar pelo que aconteceu no julgamento e na prisão.
O livro é um pouco denso, exatamente porque tem muitos, mas muitos, pontos de vista. Não diria que é uma daquelas leituras para levar para a praia e relaxar. Há sempre tanto a acontecer ao mesmo tempo e coisas que, inicialmente, estão desconectadas umas das outras, pelo que é preciso fazer algum esforço, pelo menos quando começamos a ler, para ligar as personagens e saber identificar as linhas narrativas de um capítulo para outro. Além de sentirmos que estamos dentro de várias histórias, somos confrontados com muitos temas diferentes, que incluem direitos das mulheres, especialmente relacionados com a lei do aborto, dependência de álcool e drogas, cultos religiosos, doenças mentais e o tal complexo de vingança que caracteriza o primeiro assassino.
É, portanto, um livro que dá muito que pensar, sempre ao estilo de suspense e mistério que conhecemos tão bem de Stephen King, com reviravoltas que nos fazem não querer largar o livro.
Não vou revelar o final, mas vou dizer que esperava um bocadinho mais de uma das personagens, no sentido em que achava que ia estar mais envolvida no desvendar de tudo o que acabou por acontecer. Mesmo assim, foi especialmente interessante a forma como tudo se ligou no final, como tantas personagens, pontos de vista e linhas narrativas se encontraram num só lugar. É um daqueles finais de que estamos à espera durante muito tempo e que, mesmo assim, não conseguimos adivinhar.
Sem Tréguas é um livro para aqueles que gostam de estar totalmente imersos num mistério (ou, neste caso, dois) e para os que gostam de ser surpreendidos no final, mesmo que passem 500 páginas a tentar adivinhar o que vai acontecer e nem cheguem perto de descobrir.
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Madalena Feliciano Santos
Madalena Feliciano Santos nasceu em 2001, em Lisboa. A partir do momento em que leu The Shining, nunca mais largou o terror, estreando-se como autora na antologia Sangue Novo, em 2021, com o conto «Sonhei com uma Linha Vermelha». Frequenta o Mestrado em Tradução da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a trabalhar, sobretudo, sobre a tradução de literatura de terror.