MOTELX: Crítica a «Resurrection», de Andrew Semans
Sessão de encerramento
A Sala Manoel de Oliveira encheu-se para a sessão de encerramento do MOTELX.
Após os agradecimentos às entidades parceiras e à competente e incansável equipa do festival, a entrega dos prémios e o visionamento da curta portuguesa vencedora do Prémio SCML MOTELX, chega o tão aguardado Resurrection, de Andrew Semans.
Margaret (Rebecca Hall) é uma mãe solteira que oferece um modelo de mulher bem-sucedida, prática e independente. Tudo parece bem, gerível e controlado, até que Abbie (Grace Kaufman), sua filha, encontra um dente na carteira. Introduz-se aqui o primeiro elemento de estranheza que cedo fará aparecer em cena uma antiga relação amorosa de Margaret: David Moore (interpretado por Tim Roth). O filme, apenas pelo elenco, prometia. E cumpriu, em pleno, a sua promessa.
Percebemos facilmente que a relação em causa foi abusiva, embora só saibamos as profundezas desse abuso à medida que o filme avança. Posso seguramente dizer que nunca tinha visto este extremo de manipulação física e psicológica retratado em filme. É sempre refrescante ver conteúdo original.
O filme permeia-se sempre por uma certa ambiguidade, já que Margaret começa a exibir comportamentos erráticos, obsessivos e ansiosos, tentando minimizar o efeito do aparecimento de David na sua vida e na da filha. Não é, portanto, seguro afirmar se o que nos é mostrado é verídico, uma fabricação de Margaret ou uma mistura das duas hipóteses. O filme, parece-me, funciona precisamente por causa dessa constante alternância entre o que pode ou não ser real.
Assistimos, por isso, a uma descida gradual, mas incisiva, ao fundo do poço. A personagem de Margaret vive atormentada por uma culpa que parece impossível de expiar, levando-a a um retrocesso que se intensifica até culminar num final de gloriosa loucura.
Resurrection é um filme que retrata as consequências reais do trauma — passando pela ansiedade, pela sobreprotecção e pela incessante e insuficiente busca de controlo. Foi uma muito boa surpresa, considerando a roleta de filmes que sempre existe num festival, e uma excelente forma de fechar o MOTELX com chave de ouro, até que as portas se voltem a destrancar em 2023.
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Pedro Lucas Martins
Pedro Lucas Martins nasceu em 1983, em Lisboa. Desde aí, não se lembra de uma altura em que não gostasse de terror.
Com estes gostos, preocupou toda a gente à sua volta. Naturalmente, insistiu e venceu-os pelo cansaço.
Agora, entre outras coisas, escreve e edita ficção de terror, tendo sido esta reconhecida com o Prémio António de Macedo (2018) e com o Grande Prémio Adamastor da Literatura Fantástica Portuguesa (2020). Em março de 2022, cofundou a Fábrica do Terror, onde desempenha a função de editor literário.