O Sangue Novo no Luxemburgo
Terror e sexo: dois tabus discutidos por escritores no Festival das Migrações 2022
O Sangue Novo viajou até ao festival das migrações no dia 8 de maio [de 2022] no Luxemburgo.
De Sandra Amado
Este evento, organizado pela Livraria Pessoa, contou com a participação de vários autores, incluindo eu, a Cintia Ertel e o Nuno Gomes. O primeiro encontro concentrou-se na importância de escrever em português no estrangeiro, e o segundo sobre o sexo em português e seus possíveis tabus?
Conceição Gonçalves, autora e poetisa, articulou a importância do multiculturalismo com a escrita na língua materna, entrevistando depois os autores portugueses.
Apresentei a antologia Sangue Novo, de 15 autores, editada por Pedro Lucas Martins. Expliquei que o convite surgiu da participação num atelier de escrita de terror e acrescentei que o meu conto, «A Mais Bela Profissão», surgiu numa saída à noite nas ruas de Lisboa, e que o tema era sobre um contrato.
Abordei a minha experiência na escrita e o meu percurso. Observei o apelo que senti quando emigrei, e que começou com a escrita em francês. Depois, durante o confinamento, em português, com a Escrever Escrever.
Fiz muitos cursos e depois apaixonei-me pela escrita de terror. Penso que o facto de ter vivido um momento difícil — um cancro e uma amputação do meu marido — me aproximou deste tipo de escrita. É claro que fui questionada por isto; tendo-me sido sugerida a poesia como forma de libertação deste quadro tão difícil.
Ao inverso do que se possa pensar, esta escrita permitiu-me compreender o que estava a sentir — o medo, a raiva, a angústia e o desespero. Transferi estes medos e sensações para os meus personagens, e com eles compreendi aquilo que estava a passar. Dei-lhes vida com sentimentos reais, o que me ajudou a sair da negação.
A escrita de terror trata disto — das fobias, do vazio, do medo da morte. Prepara-nos para a vida. Alguns estudos falam disto. Quanto mais expostos estivermos a uma fobia, maior é a capacidade de ultrapassá-la e de reagir — isso passou-se comigo.
Escrever estas emoções no papel revelou-se catártico. Projetar-me em realidades violentas como o Grand Guignol — abordadas nas sessões do Pedro Lucas Martins — transportou-me para um universo diferente do meu. Era isto que estava à procura!
O primeiro encontro no festival («Escrever em Português») proporcionou um momento muito emocionante e tenso, que terminou com alguns autógrafos e agradecimentos da partilha da minha experiência. Espero que a minha escrita possa ajudar leitores em situações semelhantes.
O segundo encontro, coordenado por José Luís Correia, jornalista e autor do livro Os Cadernos de Gaspar, trouxe à conversa o tema «Sexo em Português: Ainda há tabus?».
Este debate também contou com a presença de Nunes Gomes Garcia, autor do livro O Homem Domesticado, onde se apresenta uma sociedade governada por mulheres.
Os Cadernos de Gaspar, no género erótico, e O Homem Domesticado trouxeram à luz os preconceitos da expressão sexual da mulher e os tabus associados ao sexo.
Tal como o terror, este género, alvo de preconceitos — considerado escrita menor ou vulgar —, é herança de uma sociedade conservadora e patriarcal, sendo na poesia que encontra maior aceitação.
Em suma, a nossa língua é uma forma de integração, e a escrita é um instrumento de expressão de uma comunidade no estrangeiro.
O terror e o erotismo, temas que se tocam, surgem para dar a palavra ao não dito — os medos, as angústias, o vazio e o desespero, preconceitos de uma sociedade temerosa da morte e receosa do sexo.
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Sandra Amado nasceu em Lisboa, em 1972 e vive no Luxemburgo desde 2011.
Iniciou-se na escrita criativa em francês e, mais tarde, durante o confinamento inscreveu-se nos cursos de Terror da Escrever Escrever e nunca mais largou a caneta. Licenciou-se em Sociologia, mas desde cedo que é apaixonada pelo fantástico e pela caracterização.