Rota dos Crimes de Lisboa: onde o humor e o macabro se juntam
Sábado, 19 h 30, Praça do Comércio. Ponto de encontro: Arco da Rua Augusta. Uma figura de chapéu e casaco comprido, que parecia vinda de um policial do século xix, aborda o grupo de 20 pessoas. Apresenta-se como sendo Tiago Paixão, o guia que nos ia conduzir, pelas ruas sombrias de Lisboa, durante hora e meia. Propunha-se desvendar-nos os trágicos segredos da capital, se tivéssemos estômago para o acompanhar. Ouviram-se algumas risadas. O grupo estava nervoso, hesitante. Sem esperar para ver se havia desistências, o carismático contador de histórias remata, antes de dar início à caminhada: «vocês é que quiseram vir.» Seguimo-lo ainda assim, por nossa conta e risco.
A Rota dos Crimes de Lisboa inicia-se, no Terreiro do Paço, com o regicídio do rei D. Carlos I, episódio narrado de forma sugestiva — tal como todos os que fazem parte deste roteiro macabro — e que dá o mote a um universo de histórias terríveis, que aumentam de intensidade ao longo da noite. Entrando pela Baixa, passamos pela igreja da Madalena, onde ficamos a conhecer o Jesus dos Perdões, e pela Sé, invadida pela população lisboeta que assassinou o bispo D. Martinho, em 1383. Um pouco antes de nos dirigirmos para Alfama, Tiago Paixão revela-nos que a alma desse bispo ainda por ali anda, a tentar tocar os sinos da Sé. Coincidência ou não, naquele mesmo instante, tocaram os sinos.
Perto do Museu de Aljube, em Alfama, o nosso enigmático guia abre-nos o portão do Pátio do Carrasco. Nesse lugar mal iluminado, conhecemos a casa do último carrasco do país, um homem que não gostava de matar e que perdeu o emprego ao ser abolida a pena de morte em Portugal. Assim que o nosso anfitrião percebeu que sentíamos alguma empatia por este executor das sentenças de morte, transportou-nos para os crimes do Aqueduto das Águas Livres. Foi nesse local que Diogo Alves, um dos primeiros assassinos em série português, atirou cerca de 70 pessoas para a morte, na primeira metade do século xix. O guia confessa-nos, a título de curiosidade, que a cabeça de Diogo se encontra (alegadamente) preservada em formol, no Teatro Anatómico da Faculdade de Medicina de Lisboa. Até nos convida a irmos examiná-la um dia, mas esse passeio teria de ficar para uma outra oportunidade.
Não deixa de ser curioso que, numa rota com episódios violentos, Tiago Paixão nos leve ao mundo das lendas e da fantasia, contando-nos a história da fundação de Lisboa e a origem das famosas Sete Colinas, no Miradouro de Santa Luzia. Acredito que nos deixou desfrutar calmamente da belíssima paisagem deste miradouro, só para depois nos destabilizar com o regresso às atrocidades: «preparados para sangue a sério?». Preparados não estávamos, mas percebemos que as coisas iam aquecer.
Enveredamos, então, pela Rua das Damas e somos apresentados a três vítimas: Valentina, Maria João e Fernanda. Estávamos na década de 90 do século passado, e o protagonista era o Estripador de Lisboa. Depois dos pormenores sórdidos ali relatados, o silêncio instala-se no grupo. «E o Estripador nunca foi apanhado. Pode até ainda andar por aqui», alerta-nos o guia com ar solene. «Ou pode até estar entre nós, quem sabe?» E a olhar por cima do ombro, desconfiando uns dos outros, entramos no Miradouro Chão do Loureiro. Com vista para o Convento do Carmo, ouvimos falar do terramoto de 1755, do massacre dos Távora, e continuamos a descer até ao Rossio com mais uma dúvida instalada: seria Marquês de Pombal um vilão?
Esta viagem única — criada pelo ator e guionista Marco Pedrosa, em 2017, e conduzida neste dia pelo ator Tiago Paixão — chega ao fim com a Matança da Páscoa, sem deixar de fora as torturas e as execuções da Inquisição. A Rota dos Crimes de Lisboa pode parecer, inicialmente, um programa pesado, dado a temática em questão, mas a simpatia e o humor do guia ajudam a aligeirar o clima. Nem nos apercebemos da inclinação do terreno, com as várias paragens que nos permitem descansar e com a envolvência das histórias. É um passeio temático imperdível não só para os adeptos do turismo macabro, mas também para quem queira apenas fazer algo diferente numa sexta ou sábado à noite. Para saberem mais, sigam a página oficial dos Crimes de Lisboa no Instagram.
Tiago Paixão guia o grupo de 20 pessoas pelos locais dos crimes de Lisboa.
Fotografias: Marta Nazaré
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Marta Nazaré
Marta Nazaré, nascida em Lisboa, a 5 de março de 1981, é formada em Letras e Tradução de Inglês. Dedica-se a tempo inteiro à tradução de livros infantojuvenis e à legendagem de filmes e séries.
Descobriu o terror em tenra idade na papelaria do bairro que vendia a coleção «Arrepios», de R. L. Stine. Ainda hoje, o terror infantojuvenil é o seu género preferido.