Luísa de Jesus: a primeira assassina em série portuguesa

Não seria infortúnio suficiente ser abandonado na chamada roda dos expostos ou roda dos enjeitados? Este mecanismo giratório, em forma de tambor, era instalado sobretudo em conventos e hospitais. Ficava embutido na parede, permitindo a quem deixava o recém-nascido não ser visto por quem o recolhia. Antes de partir, a pessoa tocava a sineta para alertar que se encontrava um bebé na roda. Este era depois retirado pelas religiosas ou enfermeiras que se encontrassem no local.

Luísa de Jesus nasceu a 10 de dezembro de 1748 em Figueira de Lorvão, município de Penacova. Era uma mulher de classe baixa, que tinha como ofício transportar mercadorias. Acredita-se que foi esse trabalho que lhe permitiu recolher, em seu nome e também em nome de outras pessoas, cerca de 33 crianças, abandonadas na Casa da Roda de Coimbra. Seria Luísa uma alma generosa ou uma colecionadora de seres indefesos?

Naquele tempo, as famílias que adotavam recebiam uma quantia de cerca de 600 réis (hoje em dia, menos de cinco cêntimos), um enxoval e meio metro de um tecido grosso de algodão. Luísa recolhia os bebés, recebendo em troca a contrapartida definida. Depois de sair, asfixiava-as e enterrava os seus pequenos corpos.

Não é conhecido o motivo que levou Luísa a cometer tais crimes. Especula-se, contudo, que era movida unicamente pela compensação financeira.

O esquema montado por Luísa poderia ter perdurado, mas, em abril de 1772, os crimes foram descobertos, quando a freira Angélica Maria, no Monte-Arroio, tropeçou num dos corpos, enterrado à superfície, talvez por pressa ou descuido. Foram levadas a cabo escavações e encontrados mais dois corpos que evidenciavam sinais de estrangulamento. Luísa foi de imediato considerada suspeita, acabando por confessar o assassinato dos três bebés encontrados.

Foi dada continuidade à investigação, que determinou que Luísa cedia moradas e nomes falsos, e que nenhuma das crianças que recolheu tinha de facto sido entregue às famílias. Os crimes foram facilitados pelo laço de confiança que tinha com a ama Margarida Joaquina e com a diretora da Casa da Roda, Leocádia Maria da Conceição, que fez com que nunca confirmassem as informações cedidas por Luísa. Ambas foram detidas pelo que, nos dias de hoje, seria considerada «negligência criminosa». No entanto, foram posteriormente libertadas. Detido foi também o advogado Pascoal Luís Ferreira da Silva, responsável por registar as certidões dos recém-nascidos no cartório, e que nunca confirmou a veracidade dos dados fornecidos por Luísa. Todavia, apesar da acusação, nunca foi provado o seu envolvimento nos crimes, tendo sido absolvido.

Nas escavações no Monte-Arroio, foram descobertos mais 12 corpos. As buscas avançaram para a habitação de Luísa, onde foram recuperados mais 18 cadáveres de recém-nascidos, dez deles enterrados e oito desmembrados e em potes. No total, foram resgatados 33 corpos, contudo, nos registos da Casa da Roda de Coimbra, consta a informação de que foram adotados por Luísa 34 bebés. Esta última criança nunca foi encontrada.

Luísa de Jesus declarou-se culpada pelo assassinato de 28 crianças e, a 1 de julho de 1772, foi condenada a percorrer as ruas com uma corda ao pescoço, enquanto os seus crimes eram lidos em voz alta, para que toda a multidão ouvisse. Foi queimada com uma tenaz em brasa, e as suas mãos foram amputadas. Antes de ser queimada em sede de execução pública, foi garroteada. Tinha apenas 23 anos.

Considerada a primeira assassina em série portuguesa, foi também a última mulher a ser executada em Portugal. Os seus crimes deram origem a um romance (A Assassina da Roda, de Rute de Carvalho Serra) e à peça de teatro Luiza de Jesus – A Assassina da Roda, que esteve em cena no Teatro da Trindade em 2021. Infelizes aqueles cujo destino se cruzou com Luísa de Jesus.