Mitos urbanos: Bárbara Prazeres
«Ainda hoje, quando a noite cai, se ouve o seu riso no Arco do Teles»
Bárbara Vicente de Urpia é a prova morta de como o povo Português é generoso, pelo menos no que toca a exportar terror. Mas quem foi afinal esta portuguesa encantadora? Existem duas versões distintas sobre a sua história.
De Liliana Duarte Pereira
Imagens: Sailko
A primeira dá conta de que Bárbara envenenou a irmã e, com o objetivo de desviar de si as atenções, se exilou no Brasil. A segunda versão refere que Bárbara foi amante de Dom João VI, casado com a infanta Dona Carlota Joaquina de Espanha. De forma a evitar escândalos, Bárbara terá sido encaminhada para se casar com António de Urpia, um fidalgo viúvo. Por volta de 1790, desembarcaram no Brasil, onde este viria a assumir um cargo importante no vice-reinado do conde de Resende. De imediato, tornaram-se participantes assíduos dos salões da cidade do Rio de Janeiro e, cerca de um ano após a chegada, Bárbara apaixonou-se por um nativo. Na sequência disso, assassinou o seu marido durante o sono, utilizando um punhal que lhe cravou na nuca.
Apesar do rebuliço causado por esta morte, Bárbara não foi considerada culpada. Contudo, a sua reputação ficou abalada na esfera da nobreza. Mais tarde, viria também a assassinar o homem por quem se tinha apaixonado, apunhalando-o tal como fez ao marido. Ambos os crimes foram imputados a outras pessoas, levantando a suspeita de que era protegida por alguém influente.
Bárbara permaneceu em liberdade, mas sem fonte de sustento, pelo que utilizou a sua beleza para chamar a atenção de homens poderosos que já conhecia das festas que frequentara. Com estas visitas clandestinas, ganhou muito dinheiro, mas gastou-o de forma ávida. Acabou por padecer de doenças infectocontagiosas, que aos poucos a foram degradando.
O número de clientes da alta sociedade foi diminuindo, pelo que passou a prostituir-se no Arco do Teles, juntamente com outras mulheres.
Foi nesta altura que ficou conhecida como Bárbara dos Prazeres, e, não, este cognome não está associado ao facto de vender prazeres.
Espantem-se, existia no Arco do Teles um nicho com uma imagem de Nossa Senhora dos Prazeres, que Bárbara assumiu como sua protetora. Devido ao feitio peculiar e à sua ânsia predatória, era também chamada de Bárbara «onça» ou bruxa macabra.
Conta-se que, zangada pela preferência dos homens pelas prostitutas mais novas, Bárbara terá recorrido a feiticeiros, com o objetivo de descobrir a receita para a juventude eterna. Foi instruída a açoitar-se com molhos de erva-das-sete-sangrias e a banhar-se com sangue humano fresco, de preferência de crianças.
Consta que, nessa altura, muitos filhos de mendigos e de escravos desapareceram. Para além de se suspeitar do envolvimento de Bárbara nestes desaparecimentos, acredita-se que vigiava também as rodas dos expostos para roubar bebés indesejados, que depois amarrava de cabeça para baixo, para os degolar. Era desta forma que recolhia o sangue, que esfregava na pele como elixir.
Diziam ainda que, não satisfeita, passou a incluir no ritual o sangue de vários animais. Convenceu-se de que iria viver para sempre, preservando a juventude e beleza.
Apesar de cumpridora destas mezinhas hediondas, alegadamente, com cerca de 40 anos, Bárbara aparentava ter mais do dobro da idade, era esquelética e de aspeto asqueroso e que apenas a sua voz soava jovem, como uma bela melodia.
Não existem certezas sobre como foram descobertas as atrocidades de Bárbara. Há quem diga que, num episódio em que estava alcoolizada, terá revelado todos os crimes a outra prostituta, que a denunciou às autoridades. Outros afirmam que foi apanhada em flagrante delito, a roubar uma criança da roda dos expostos.
Com cerca de 60 anos, era uma das criminosas mais procuradas da cidade, tendo sempre conseguido fugir e esconder-se.
No ano de 1830, foi encontrado um corpo a boiar num lago. Não foi possível reconhecer o rosto, mas as descrições faziam crer que se tratava de Bárbara Vicente de Urpia. Esta informação, porém, nunca foi confirmada.
Não é conhecido o grau de veracidade da lenda desta bruxa, mas a mesma tem perdurado no tempo. Muitos acreditam que os rituais que Bárbara praticava a mantiveram viva, e que ainda hoje, quando a noite cai, se ouve o seu riso no Arco do Teles.
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Liliana Duarte Pereira
Liliana Duarte Pereira, nascida a 30 de junho de 1986, é licenciada em Política Social através do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Sempre quis preparar os mortos para os seus funerais, mas não vingou. Tem fobia a pessoas falecidas e a portas entreabertas. Gosta de animais, de fazer doces, de rir de coisas mórbidas e de escrever.
Integrou as antologias «Sangue Novo» (2021), «Rua Bruxedo» (2022) e «Sangue» (2022). Venceu o Prémio Adamastor de Ficção Fantástica em Conto (2022) com «O Manicómio das Mães», da antologia «Sangue Novo».