«Herege» (2024)
Um filme de Scott Beck e Bryan Woods.
Precisamos mesmo de discutir o que é e não é terror.
A Fábrica teve o privilégio de ser convidada para uma sessão do Herege, e alguns dos nossos seguidores tiveram a sorte de ser premiados no giveaway que foi tão generosamente orquestrado — espero que não tenha sido nenhum dos premiados que, na sessão de Lisboa, saiu da sala a dizer «isto não é terror».
Parece que temos de continuar a desmistificar que terror não é só o Terrifier, o Saw, o Cannibal Holocaust, Sexta-Feira 13 e outros semelhantes dentro do gore e do slasher. Permitam-me dizer que, por muito bons que alguns dos filmes desse género sejam (e um dos meus filmes preferidos é um slasher aqui não listado), a maioria deles será sempre o parente pobre do terror. Porque, como diz Stephen King, há três tipos de terror: o terror, o horror e o nojo — por ordem de sofisticação; o Terrifier tem movido muitas ondas ultimamente, mas tanto ele como outros não passam de uma tentativa de enojar o espectador, porque não o conseguiu aterrorizar nem horrorizar.
Agora, vocês perguntam: e o Herege aterrorizou? Eu diria que sim. De determinadas perspectivas, certamente consegue horrorizar o espectador, e isso é muito, muito bom.
Herege é um filme de Scott Beck e Bryan Woods, a dupla responsável por filmes como Um Lugar Silencioso, de 2018 (que aterroriza), e Haunt, de 2019 (que fica entre o horrorizar e o enojar). O filme segue duas missionárias mórmons (Sophie Tatcher e Chloe East) num dia de divulgação da sua crença religiosa até chegarem à casa de um curioso por diversas religiões (Hugh Grant).
Confesso que ainda só tinha visto Hugh Grant em papéis de comédia romântica (nos tempos em que via ditas ofensas à minha capacidade intelectual e visual) e que, quando Herege começou a ser publicitado com tanto entusiasmo, pensei: «isto vai ser uma desilusão» e «porque é que este senhor está num filme de terror?».
Pois, Hugh Grant está num filme de terror porque Hugh Grant nasceu para isto. Nasceu para ser o manipulador. Nasceu para ser o vilão. Nasceu para ser um verdadeiro pesadelo. Estou convertida. Solicito, por gentileza, mais disto por favor.
Herege cresce e estabelece-se à volta de um dos temas mais antigos da humanidade e sobre os quais se fizeram as coisas mais lindas e as coisas mais atrozes — a discussão sobre a existência, ou não, de Deus, e qual das imensas religiões é a «correta». Temos a resposta? Não, não temos. Este não é o objetivo de Herege, mas a discussão que surge entre as diversas personagens, num jogo altamente psicológico, é além de pertinente.
A derradeira reviravolta do filme não é Hugh Grant ser o «vilão», mas sim de que forma o é — a longa-metragem tem várias reviravoltas ao longo do seu percurso e consegue que sejam sempre verdadeiramente surpreendentes. A final é completamente inesperada.
O filme prospera numa atmosfera fechada, e tanto as personagens como o espectador são envolvidos pelo ambiente claustrofóbico e controlador.
Para aqueles que não gostaram, ou não gostarem, tenho apenas pena por não terem a satisfação que eu e muitas outras pessoas tiveram ao ver Herege, que posso com certeza afirmar que ficou na lista dos melhores filmes de 2024. Não é sem propósito que Herege está atualmente com uma pontuação superior a 7 no IMDB e avaliações equivalentes ou superiores noutras plataformas de classificação.
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Maria Varanda
Diz-se que nasceu em Portugal em 1994, pelo menos nesta reencarnação. Quando a terceira visão está alinhada, brotam ideias na sua mente que a inquietam e tem de as transcrever para o papel para sossegar o espírito. Chamam-lhe imaginação, mas se calhar as ideias vêm de outro lado, e Maria serve apenas de meio de transmissão. Procura-se quem queira ouvir a mensagem.