Crítica a «Those Who Remain»

Este foi, até ao momento, o meu videojogo português preferido.

Um videojogo em que as nossas emoções alteram o rumo da história.

Avatar photo
Martina Mendes

Those Who Remain é jogado através do ponto de vista de Edward, um homem casado, pai e com um passado que nos deixa curiosos logo no primeiro instante, não só pelo facto de ter traído a esposa, como por estar a traí-la na altura em que a devia apoiar. Claro que a «altura em que a devia apoiar» não é descoberta de imediato.

Edward encontra-se a caminho de Dormont, para o motel à saída da cidade onde tanta vezes se encontrou com a amante. É nesta noite que decide terminar o caso.

Estaciona e dirige-se ao motel. Na receção, o rádio toca. Toca à campainha, mas ninguém aparece. Tudo parece normal. Afinal, é tarde, e a amante escolheu aquele local exatamente por ser calmo. Dirige-se ao quarto de ambos. Na casa de banho, a água do chuveiro cai com força.

Enquanto descobrimos os comandos (eu cá faço-o logo que possível; se for preciso correr, é melhor saber como), o telefone toca. «Mantém-te na luz», informa uma voz feminina do outro lado da linha. Lindo. Claro que sim.

Manter-me na luz. Parece razoavelmente fácil.

Errado.

O nosso carro é roubado, deixando-nos a pé numa cidade que não conhecemos, durante a noite, quando a única indicação que temos é manter-nos na luz.

Da escuridão, uma multidão observa-nos. Os seus olhos brilham e parecem aguardar pelo erro de nos aproximarmos. Nas suas mãos, vemos machados, facas e foices, transportando-nos para uma era em que os nossos ideais nos podiam levar à perseguição e à morte. Mas eles não avançam. Mantém-se imóveis na escuridão, seguindo-nos sempre com o olhar.

Pouco a pouco, avançamos, sempre na luz até Dormont.

É então que conhecemos Annika. Uma jovem rapariga que nos guia para a segurança enquanto descobrimos quem são as personagens que nos observam: pessoas que foram julgadas pelos seus pecados. Pessoas que pertenciam à cidade de Dormont. Uma cidade que está agora deserta. Não porque os habitantes fugiram, mas porque desapareceram do nada. E Edward? Estará realmente vivo?

Os puzzles que vamos descodificando não só são criados para que descubramos como manter-nos seguros, mas também para obtermos pedaços do passado de Annika e do nosso protagonista. Um passado em que descobrimos que a sua filha morreu, provavelmente por um erro dele, mas sem pistas suficientes para ter certezas. Edward, entre passado e presente, avança pela cidade de Dormont. Uma cidade que também tem duas realidades — aquela em que nos encontramos, onde os objetos respeitam a gravidade e as incertezas nos perseguem, e o Upside Down (que tanto nos lembra Stranger Things), mas onde nos encontramos em segurança.
Esta dualidade de realidades baralha-nos e, ao mesmo tempo, complementa bem tudo o que Those Who Remain é: um mundo onde o certo nem sempre é o certo e o errado pode ser visto como um mero erro. Quem é que o decide afinal?

Deixamos então de ser meramente um homem com um passado duvidoso e passamos a ser o Executioner. Alguém que irá julgar os que cometeram erros.

São as nossas emoções que nos levarão a uma tomada de decisão em que o resultado é inocente ou culpado. Preto ou branco. Não há a hipótese de escolhermos no meio. Serão estas decisões que irão diferenciar a forma como terminamos o jogo.

Foi a parte mais difícil. O julgar, mesmo com provas, se alguém é ou não culpado.

Preto ou branco?

Inocente ou culpado?

Quem é sequer o Edward, ou eu, Martina, para julgar? Afinal, quem é que não comete erros? Deverei escolher «inocente», porque alguém cometeu um erro e estava a proteger outro? Ou «culpado», porque o erro levou à morte e à loucura de outros?

Não vou mentir. Matei alguns, protegi outros. Alguns com provas, outros sem nenhuma.

Those Who Remain não é só um videojogo de terror. Existe um um terror psicológico que me faz querer jogar tudo de novo e ver mais, conhecer mais. Perceber se podemos salvar todos ou se podemos crucificá-los sem piedade. O que me remete sempre à mesma questão: quem é Edward para o fazer, afinal? Quem irá julgá-lo se ele não mostra remorsos, quando ele próprio cometeu erros?


Este foi, até ao momento, o meu videojogo português preferido.
Só pela história. Nem sequer vou mentir.


A jogabilidade é boa, embora possamos interagir com demasiados objetos, sem necessidade. Não vou negar, no entanto, que fugi de um monstro e que, para trancar uma porta, coloquei uma cadeira atrás dela. Funcionou. Não sei se por causa da cadeira, honestamente, mas funcionou.


O design de todo o jogo é lindíssimo. Os monstros são horríveis, no bom sentido, e o porquê de ser como são alia-se tão bem com a história que não parece algo estranho ou descabido. O mesmo acontece com todos os detalhes que vamos encontrando pelo jogo, desde a ligação ao MOTELX como a outro jogo da Camel 101, Syndrome (que irei jogar futuramente), ou as obras de arte que apareciam na biblioteca.


Este é um jogo para ser explorado uma vez mais. Ainda não sei bem se fazendo o papel de anjo ou de demónio.

Those Who Remain pode ser jogado na PlayStation, PC, Xbox One e Nintendo Switch.


GOSTASTE? PARTILHA!


Avatar photo
Martina Mendes

Habituada ao terror desde nova, Martina via filmes assustadores para adormecer. Até hoje, não consegue terminá-los. É por isso que escreve sobre terror e que, mais recentemente, joga dentro do género. Com os jogos, definitivamente, não adormece!

Outros artigos do autor

Privacy Preference Center