A Fábrica no «set» de «Na Hora de Pôr a Mesa, Éramos Cinco»
Assistimos às gravações do novo filme de Paulo A. M. Oliveira. Teve estreia nacional a 4 de março, no Fantasporto 2025.
O guião é da autoria da argumentista Anabela Gonçalves, que adaptou o poema homónimo de José Luís Peixoto, em A Criança em Ruínas.
Numa entrevista a Paulo Oliveira em 2022, falámos pela primeira vez deste projeto e do desafio de fazer um filme de época. A parceira de Paulo, Anabela Gonçalves, que já tinha assumido com ele a produção de Häuschen – A Herança, escreveu o guião para este novo filme, Na Hora de Pôr a Mesa, Éramos Cinco, a partir do poema homónimo de José Luís Peixoto, que integra a obra A Criança em Ruínas.
O que têm em comum a obra de Peixoto e filmes de época? Essa resposta vou deixar para os espectadores quando o virem em sala, caso tenham perdido a estreia nacional no Fantasporto 2025.
Quando cheguei ao local de filmagens (o belíssimo Solar dos Zagallos, em Almada) na manhã do primeiro dia de rodagem, havia no ar uma mistura saudável da calmaria antes da tempestade, com aquele nervoso miudinho que antecede as coisas boas. Fazer cinema independente em Portugal é sempre uma aventura. Enquanto ultimava detalhes com o assistente de realização, Rui Pacheco, Paulo mostrou-me o storyboard — uma belíssima ilustração de Paulo Costa que merece ser emoldurada e exposta.
Nesse dia, filmava-se na capela do solar, à luz das velas (mesmo que não sejam da área, conseguem imaginar o desafio? No final, compensa). O departamento de arte e figurinos, o diretor de fotografia e o realizador estavam numa azáfama para que tudo funcionasse como planeado, para que mais tarde a imagem passe para o ecrã exatamente como querem, mesmo que a cena finalizada só demore alguns minutos — o cinema é um jogo de paciência.
Nos intervalos das rodagens, há algum tempo para recuperar energias, mas pouco espaço para respirar fundo. A agitação é constante, todos os minutos estão contados, há margem para imprevistos, mas quase sempre reduzida. Em três dias, que quase sempre se prolongaram noite fora, o Na Hora de Pôr a Mesa, Éramos Cinco tinha de nascer.
Regressei ao Solar na tarde do último dia de gravações, quando preparavam aquela que será a última cena do filme. O nervoso miudinho tinha subido de intensidade, havia uma corrida contra o tempo (há sempre), mas achei tudo isso secundário assim que vi o décor: a mesa posta, os quadros na parede, o cuidado com as luzes (velas, claro). Não foi preciso muito esforço para ignorar o material técnico e ser transportada para a sala de jantar da família.
Desse último dia, que tive pena de não poder aproveitar até ao fim, tive o privilégio de estar na sala (nas cenas cruciais, e às vezes durante o filme todo, costuma seguir-se a regra de «fora do set quem não é do set») quando filmaram o ensaio da cena final. Quase ninguém respirava, o operador de câmara e o técnico de som faziam uma coreografia elaborada (e dezenas de vezes ensaiada) para seguir o protagonista, Adriano Carvalho, enquanto este dizia o texto. Estávamos todos suspensos naquelas palavras, mas Anabela Gonçalves estava visivelmente emocionada — o que escreveu no guião passou a ter vida, ganhou outro peso. Mais tarde, perguntei-lhe qual tinha sido a sensação: «A materialização do que sonhamos pode ser embriagante, deixar-nos exultantes e orgulhosos. Neste caso, foi tudo isso e mais um pouco. Foi a tentativa de deixar plasmado, em 15 minutos, uma pequena homenagem à nossa família, um pedaço de tempo que as nossas filhas [Marta e Áurea] talvez revisitem daqui a uns anos e, levadas pela mensagem, não nos deixem morrer. Afinal de contas, já desde a civilização egípcia que sabemos que morrer não é habitar a eternidade, mas sim habitar o esquecimento».
À data que escrevi a primeira versão deste artigo, o filme estava a entrar na fase de pós-produção. Mais tarde, perguntei a Paulo Oliveira o que nunca se deve perguntar a um artista: se está como ele o idealizou. A resposta não foi curta e simples, porque o caminho para fazer este filme também não o foi:
«A curta-metragem teve um processo longo de maturação e planeamento. Foram necessários dois anos até ser possível ouvir “ação!” dentro de uma sala caprichosamente decorada com muitas velas e uma arte de encher o olho. Um dos motivos que nos tomou tanto tempo foi conseguir precisamente os décors de época (séculos XVIII/XIX). Durante este período, foi possível investigar e investir ativamente na pré-produção com foco na adaptação ao ecrã do poema de José Luís Peixoto.
No dia em que entrámos no Solar dos Zagallos, em Almada, sabíamos exatamente o que queríamos e trazíamos na bagagem um conjunto de soluções para nos ajudar a contar a nossa narrativa. Em jeito de curiosidade, partilho convosco que um dos objetivos propostos por mim era recriar o ambiente do filme Barry Lyndon (1975), de Kubrick. Para tal, encomendámos várias caixas de velas com pavio duplo por forma a conseguir a intensidade de luz desejada para iluminar as salas, atores e figurantes apenas com a luz das velas. Um autêntico desafio. Acreditem.
Fazer cinema independente é saber que não existem dias fáceis e tranquilos, independentemente do planeamento que possa existir. E neste projeto não foi diferente. Todas as equipas, incluindo os atores e figurantes, foram constantemente postos à prova, dia após dia, revelando uma resiliência e um profissionalismo notáveis. Sei que parece um lugar-comum, mas a verdade é que sem estas pessoas teria sido impensável fazer este filme. Não tenho palavras para agradecer o esforço e o tempo de todos.
Não menos importante foi o facto de nos termos associado a parceiros que tornaram possível realizar as exigências deste filme e aos quais estamos profundamente agradecidos: SPA – Sociedade Portuguesa de Autores; equipa do Solar dos Zagallos; Planar; Cinemate; GAFFVisuals, tendo com estes últimos parceiros o prazer de dividir a produção. A todos eles um grande bem-haja.
Passados dois anos e meio, o filme está pronto para o mundo. Já se encontra disponível para iniciar a tour pelos festivais de cinema nacionais e internacionais.
Voltando à tua pergunta “Se o filme ficou como eu idealizei?”, durante todo o processo de um filme há sempre limitações que conduzem a cedências e decisões que têm forçosamente de acontecer para que o filme possa existir enquanto objeto fílmico. No entanto, e apesar das várias adaptações, sinto que o filme ficou melhor do que aquilo que idealizei e mais alinhado com a mensagem que tanto eu como a Anabela queríamos comunicar. Não fosse este um filme sobre um dos pilares mais importantes da nossa existência: a família.»
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Sandra Henriques
Sandra Henriques estreou-se na ficção especulativa em 2021, ano em que ganhou o prémio europeu no concurso de microcontos da EACWP com «A Encarregada». Desde aí, publicou contos em várias antologias de terror nacionais e internacionais e contribuiu com o artigo «Autoras de Terror Português» para a Enciclopédia do Terror Português, editada pela Verbi Gratia. Em 2022, cofundou a Fábrica do Terror, onde desempenha a função de editora-chefe.