«A Morte do Corvo»: Teatro Imersivo Focado na Transformação da Alma

Em cena até 31 de março de 2024.

Quando se entra no antigo Hospital Militar da Estrela, viaja-se no tempo por conta própria nos seus corredores sombrios, tendo assim cada visitante a liberdade de ir para onde quiser e viver acontecimentos passados.

Por José Maria Covas

 

Cada membro da audiência tem uma experiência diferente, pois, em vez de alas hospitalares modernas, o nevoeiro revela um mundo em que a realidade e a ficção se misturam.

A experiência começa quando nos é pedido para aguardar numa sala evocativa do convento beneditino, que aqui existia no século XVI, até sermos chamados a explorar mais de 25 espaços em apenas 100 minutos, para deslindarmos a história encenada pela equipa teatral de Nuno Moreira acerca da morte do famoso poeta português Fernando Pessoa.

Esta é orquestrada por outra grande figura literária: o escritor americano Edgar Allan Poe, que começa a ter inveja do sucesso de Pessoa após este traduzir o seu poema, «The Raven», e ser convidado a fazer parte da Ordem dos Corvos, que procura o segredo mágico da imortalidade.


A sede desta sociedade secreta, a funerária Nevermore, fundada em Lisboa no início do século XX, parece conter as respostas para as inúmeras perguntas dos participantes.


Em conversa com Hugo Nicolau, o ator que interpreta Poe na peça, foi-me dito que esta experiência interativa tem como inspiração «o estilo da live performance mundialmente conhecido da empresa teatral britânica Punchdrunk». De facto, a característica mais interessante da encenação é a de se poder começar num sítio como uma floresta iniciática, subir umas escadas e acabar no escritório de um poeta, ou num templo de devoção a forças assustadoramente incompreensíveis.

As múltiplas maneiras de terminar esta experiência de teatro imersivo tornam-na íntima ao ponto de, mesmo com a possibilidade de ouvir no Spotify a música composta por Jorge Queijo (o criador musical do espetáculo), querer voltar uma segunda vez para redescobrir o sentido oculto de cada composição. Ao mesmo tempo, tenta-se perceber o estado mental de personagens através da linguagem universal dos movimentos corporais e expressões faciais. Não havendo falas, qualquer pessoa pode rever-se nos artistas parcialmente iluminados por velas ao longo do caminho que cada um percorre. Pessoa e Poe conheciam os sinais esotéricos deste percurso e foi por isso que deixaram pistas nos seus contos e poemas, podendo estes ser consultados pelo público em diversos locais durante a encenação. Apenas assim se alcançará a Grande Obra, estando em sintonia com todas as almas, fundindo-se as dos vivos com as dos mortos, bons e maus, numa só.


«A Morte do Corvo» está em cena até ao final de março e aconselho qualquer pessoa que esteja em Lisboa a não perder esta chance de entrar num mundo de mistério, fantasia e transformação.


Se puder,  reserve os bilhetes da zona VIP, pois vale a pena tomar um café numa sala de jantar oitocentencista com mobiliário da época, antes de começar a atravessar criptas, passagens secretas para quartos e casas de chá, até chegar a um teatro burlesco onde presenciará o desfecho final — ou não — desta história.

Espetáculos de quarta a sábado, às 21 h, e aos domingos, às 17 h.

Bilhetes à venda nos sites Fever e Ticketline.

José Maria Covas

José Maria Covas, desde que nasceu a 26 de setembro de 1998, sempre tentou compreender a realidade em seu redor e contribuir para a sua evolução. Licenciou-se em Ciências Biomédicas na Universidade de Coventry e fez o mestrado de investigação em Medicina Regenerativa na Faculdade de Medicina e Veterinária da Universidade de Edimburgo. Os seus poemas, contos e guiões conjugam o mistério e o estranho da literatura e cinema com o ocultismo e surrealismo das suas viagens, criando, no processo, o seu próprio universo artístico, que eternamente explora a condição humana.