Entrevista ao autor Afonso Cruz

«O principal factor para construir um escritor é a leitura»

Afonso Cruz, conceituado escritor português, é autor de obras premiadas como Para Onde Vão os Guarda-Chuvas ou Jesus Cristo Bebia Cerveja. Em 2015, integrou a antologia de terror MOTELX — Histórias de Terror, lançada pelo festival de cinema de Terror MOTELX. Mais tarde, incluiu esse conto (e desenvolveu a história do mesmo) no seu livro Nem Todas as Baleias Voam

Numa conversa descontraída, Afonso Cruz falou-nos da sua incursão na escrita de terror, do estado da literatura de terror em Portugal, do seu processo de escrita e ainda deixou (excelentes) conselhos para futuros escritores.

Fiquem a conhecer melhor o premiado escritor português e a sua relação com o género do terror.

Telma Cebola

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A primeira pergunta, tendo em conta o teor desta conversa, tinha de ser: gosta do género terror? Se sim, quais os seus autores preferidos (literatura, cinema, …)?

Gosto, sim. A determinada altura da minha vida, via [filmes] com mais frequência do que agora. Na adolescência, e quando tinha 20 e tal anos, via com mais frequência e estava mais próximo do género. Na literatura, comecei com aqueles clássicos do Hoffmann. Talvez a coisa mais parecida que tenha lido recentemente tenha sido A Canção de Kali, de ficção científica, do Dan Simmons, e que é um bom livro. Mas não tenho de facto uma proximidade muito grande. Aliás, até é mais ou menos raro, porque eu gosto muito de, por exemplo, ficção científica.

 

Como foi receber o convite do MOTELX para integrar uma antologia de terror?

Com alguma naturalidade, ainda que não seja um estilo a que esteja habituado. Mas foi um bom desafio. O conto que escrevi nessa altura acabou por fazer parte de um romance, Nem Todas as Baleias Voam. E pude compor essa personagem precisamente a partir dessa história curta de terror.

 

Foi a sua primeira incursão escrita dentro deste género?

Sim.

 

Como vê o panorama literário do género de terror em Portugal? Sente que ainda há muito para escrever ou é mais uma questão de (falta de) divulgação?

Eu conheço muito pouco, nem sei se conheço escritores de terror portugueses. [pausa] Conheço David Soares, por acaso. Já li A Conspiração dos Antepassados. Por vezes, não nos lembramos! E, de facto, o que acontece com um país pequeno, com um mercado pequeno, é que os nichos muitas vezes nem sequer aparecem, acabam por não surgir. São pequenos demais para que esse nicho tenha alguma relevância, o que acontece não só com o terror, mas [com] a ficção científica. Ainda que existam alguns autores portugueses de ficção científica. Mas são também muito poucos, e não há propriamente um grande investimento nesse estilo. Isso deve-se, creio, mais do que a outra coisa qualquer, ao tamanho do país, à escala que temos.

 

Vê-se a escrever um romance de terror num futuro próximo? 

Nunca pensei nisso, mas isso também só tem que ver com a ideia. Ou seja, se eu tiver uma ideia qualquer que se adeqúe a determinado estilo ou a determinada forma, uso essa ideia.


Aliás, a ideia é que usa depois a forma para se expressar da maneira mais eficaz, e portanto sou um pouco escravo do conceito.


Quando tenho determinada ideia, imagino que ela pode ser mais bem executada se for, por exemplo, ilustrada, ou se for uma história de ficção científica, ou se for uma história de outra coisa qualquer. Por isso, depende muito. Por exemplo, quando escrevi Vamos Comprar um Poeta, não estava a pensar em escrever na área das distopias, mas foi exatamente o que aconteceu. Precisamente porque isso servia a ideia que era o conceito de comprar um poeta, e portanto pode acontecer que escreva um livro de terror, se por acaso tiver uma ideia que se adeqúe ao estilo.

 

Não está de todo fora de questão?

Não, eu não tenho preconceitos com nenhum género ou subgénero literário, e por isso mesmo estou perfeitamente à vontade com isso. Só depende da ideia.

 

Por fim, gostaria de lhe pedir algumas palavras de incentivo, ou conselhos, para os futuros escritores que nos leem.

Acho que, neste caso, é preciso alguma mestria para dominar as emoções e fazer o leitor senti-las, porque é essencial para a história — ou para a leitura, se quisermos. E acho também, e é um conselho genérico que tem que ver com a escrita, que o principal fator para construir um escritor — excluindo algumas exceções que são casos normalmente extraordinários, ou acasos, ou há sorte envolvida — é a leitura. É preciso ler. Neste caso específico, para quem queira ingressar no mundo do terror, então é ler livros de terror. Comprá-los, lê-los. Se não existem traduções, tentar lê-los noutras línguas que sejam acessíveis, mas basicamente é isso. É a despensa do escritor, é aí que nós guardamos os nossos ingredientes, para depois poder cozinhar alguma coisa. É talvez a prática fundamental. Aliás, digo muitas vezes, quando me perguntam o que faço durante o dia, que leio.


A minha principal atividade, é ser leitor. Depois, a escrita é uma consequência da leitura.


Depois de ler, ou enquanto estou a ler, combino esses elementos que surgem da leitura, recombino-os de uma maneira, em princípio, nova e original. Se o conseguir fazer, a partir daí nasce a escrita.