Entrevista a Carolina Aguiar

Realizadora de Parem de Olhar para Mim.

«Parem de Olhar para Mim é uma homenagem ao terror genuíno. Mas, ao mesmo tempo, também estou a criticá-lo, no sentido em que esse terror genuíno usa muito a mulher, explora muito a mulher, magoa, maltrata. É quase uma vingança da mulher.»

Avatar photo
Sandra Henriques

Ao segundo filme selecionado, Carolina Aguiar entrou oficialmente para o grupo de «realizadores repetentes» do MOTELX. Facto que, como ela confessa durante a nossa conversa, não lhe trouxe menos ansiedade nem mais confiança. Continuará, contudo, a fazer terror sempre que possa, e isso, para nós, é sempre uma boa notícia.

***

Profissionalmente, vens de uma área diferente, licenciaste-te em Economia. Como foi o teu percurso até ao cinema?

Eu própria nem sei bem explicar. [risos] Porque é uma coisa muito estranha, até para mim, mas sempre adorei cinema. Sempre foi um interesse, mas nunca foi algo que sequer pusesse como hipótese de carreira. Talvez porque é o que a própria sociedade também nos impõe: vamos para a faculdade tirar um curso «normal», seja o que for que isso signifique. Gostava muito de Matemática, mas não gostava de Ciências; então, o que fazia sentido na minha cabeça era Economia. Durante a licenciatura, comecei a duvidar das minhas escolhas, não porque não gostasse de estar a estudar [nessa área], mas não me imaginava a fazer isso o resto da minha vida. Sempre tive uma veia artística, mais ligada à escrita, e um dia estava a queixar-me ao meu namorado [Miguel Nunes, diretor de fotografia] que não sabia o que havia de fazer com o meu futuro e que gostava de me dedicar a algo mais artístico, mas sentia que era demasiado velha. Isto quando tinha 20 anos. [risos] Ele é diretor de fotografia e desafiou-me a escrever alguma coisa, mas em formato guião. E começou assim. O primeiro guião que escrevi é da minha segunda curta-metragem, o drama Só Nós Dois. Quando começámos a pré-produção, tive tão bom feedback do guião que senti que, se calhar, havia algo para lá do que eu achava e decidi ter uma experiência de set antes desse filme. E, muito espontaneamente, escrevi terror, porque acho que o terror pode puxar muito pela fantasia e é um género que adoro. A história de Uma Piscina surge sobretudo pela localização, a piscina da casa dos pais do meu namorado, com um ambiente muito misterioso. Decidimos submeter ao MOTELX [em 2022] e fomos selecionados, mas não estávamos nada à espera. Depois, fiz o Só Nós Dois, mas o Uma Piscina deixou-me incompleta, sentia que queria ter contado mais, mas não tive tempo nem tinha experiência. Mais tarde, pensei em escrever o lado da outra irmã e contar a mesma história de pontos de vista diferentes. Foi assim que surgiu o Parem de Olhar para Mim.

É interessante que digas que o terror dá para esticar para tudo aquilo que quiseres. E, de facto, quem já viu A Piscina, vai perceber as semelhanças de estilo entre os dois filmes. Apesar da curta duração, são filmes que tens de ver mais do que uma vez, para apanhar detalhes que te escaparam à primeira. Tens essa noção?

Acho que sim, porque só no fim do Parem de Olhar para Mim é que percebes que é o início [de Uma Piscina]. Quando estás a ver o início pela primeira vez, se não tens o contexto final, julgo que não se entende o que se está a passar. E acho que é um filme que muito facilmente pode ser posto de parte por parecer que as coisas não têm nexo.

Tudo tem um objetivo, e tudo o que acontece tem de acontecer por uma razão, nada foi feito à toa, ou para ser poético, ou porque um plano é bonito. Tudo está feito e pensado para chegar ao objetivo final.


Em 2024, passaste a fazer oficialmente parte de uma turma de «repetentes» do MOTELX. Um grupo de realizadores que voltam com um segundo ou terceiro filme. Sentiste um peso maior? Ou foi uma experiência mais tranquila?

[risos] Senti-me como há dois anos, ou seja, super inexperiente na mesma, nervosa, não me senti de todo uma sénior do MOTELX. Continuo a sentir que tenho muito para aprender. Por um lado, gosto e estou muito feliz, mas, por outro lado, esta parte de dar a cara e falar deixa-me muito nervosa. Nos dias antes, estou sempre com muita ansiedade. Acho que isso não ajuda a ter aquela confiança.

Se isto te trouxer mais tranquilidade, posso dizer-te que isso acontece com todos os realizadores, seja a primeira ou a décima vez. A tua experiência profissional fora da realização provavelmente até te traz alguma flexibilidade, outras perspetivas.

Sinto que dou mais valor, talvez. Ou seja, se calhar, quem passa pela escola de cinema tem logo oportunidades de estágios, de entrar em produções. É quase garantido e expectável. Para mim, é sempre um privilégio, e dou muito valor, porque gostava que fosse a minha carreira principal e ainda não é. Continuo na área de Economia, e todos os momentos que tenho livres são dedicados ao cinema. Espero que, um dia, seja a minha carreira, que seja feliz e que lhe dê valor na mesma, mas talvez não desse tanto se não tivesse este esforço extra. 

E vês-te mais a fazer terror ou outros géneros? Quando escreves, é a história que te puxa para o género ou o oposto? Até agora, todos os teus filmes têm sido escritos por ti.

Nem sequer consigo imaginar-me a realizar algo que não venha de mim. Nunca tinha pensado nisso, mas acho que puxo para o terror ou para o drama, às vezes. Penso que para explorar o que está em mim. Por exemplo, Uma Piscina começou com a ansiedade social, de me sentir observada. Depois, vi o Caché, do Michael Haneke, que, para mim, representou exatamente o que sinto, como se estivesse a ser filmada por uma câmara. Portanto, aquela história tinha de ser terror. O Parem de Olhar para Mim é uma homenagem ao terror genuíno. Mas, ao mesmo tempo, também estou a criticá-lo, no sentido em que esse terror genuíno usa muito a mulher, explora muito a mulher, magoa, maltrata. É quase uma vingança da mulher. Esta é a mensagem principal, mas parte de um amor muito forte por esse sentimento de estar a ver algo e estarmos assustados. E eu tenho medo de filmes de terror! [risos] Como realizadora de filmes de terror, sou mesmo medricas.

Já vês o filme todo na tua cabeça antes de passar para o papel?

Isso foi algo que aprendi depois de fazer o meu primeiro e segundo filmes. O novo, que está em pré-produção, já escrevi a pensar em planos, mas o primeiro de todos escrevi só a história, não tinha pensado em planos e imagem porque nunca tinha realizado nem estado num set. Nunca tinha visto uma pré-produção, não era a minha área, e isso foi muito complicado quando chegou a altura das filmagens. A minha sorte é o diretor de fotografia ser o meu namorado, e eu estar à vontade para dizer «não sei». Precisava que alguém me guiasse em tudo. Acho que isso se nota, não para a pessoa comum que está a ver, mas para quem está dentro da área. Noto bastante diferença dos meus primeiros trabalhos para agora, porque já há esse planeamento. Quando escrevo, já estou a pensar no plano, já tenho alguma maturidade também.

Isso até é uma confissão interessante, porque não deixas de fazer filmes de terror apesar de sentires medo.

Acho que até é bom, porque assim consigo que seja mesmo terror.

No futuro, vais ter de fazer um terceiro filme para completar a trilogia de Uma Piscina e Parem de Olhar para Mim. Seria o que «faz sentido», mas está nos teus planos?

Parece-me complicado fazer outra vez uma curta e manter-me abaixo dos 15 minutos. E não sei se não fazia sentido, já que tive tantas ideias: fazer uma longa, por exemplo. Acho que vai haver uma trilogia, não para já, mas no futuro. Neste momento, estou com uma curta em pré-produção que espero começar a rodar em 2025. Tenho vontade de fazer algo mais longo, ou uma longa-metragem ou uma série.