Entrevista à equipa de «A Volta no Caixão»

Com o autor Pedro Lucas Martins, o designer Ricardo Alfaia e o fundador da Barca, Nuno Gonçalves.

«[…] acaba por ser um empurrão muito grande para o projeto termos o nome do Pedro associado como primeiro autor português publicado.»

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Sandra Henriques

A Barca começou devagarinho em 2024, com dois livros lançados — Carmilla, de Sheridan Le Fanu, e A Volta no Caixão, de Pedro Lucas Martins — mas, a partir de 2025, não vai tirar o pé do acelerador.
Conversei com o editor e autor Nuno Gonçalves, o autor Pedro Lucas Martins e o designer Ricardo Alfaia sobre como foi dar vida a esta coleção de contos e os projetos que (ainda) estão na gaveta.

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Nuno, começo por ti. Em setembro de 2024, a Barca lançou a coletânea de contos A Volta no Caixão, de Pedro Lucas Martins, o primeiro autor português publicado por esta chancela. Porquê este autor?

Nuno Gonçalves: [O Pedro] era mesmo o primeiro autor português que quereria publicar na Barca, mesmo antes de ele ter enviado o livro. Mas, na altura, ainda não tinha noção daquilo que estávamos a criar, porque ainda só tínhamos publicado o Carmilla, e eu não me sentia ainda com um projeto sólido o suficiente para ir em busca de autores. Mas estas coisas são assim, não começam sólidas e vão-se tornando à medida que as coisas aparecem, e os alicerces vêm depois, acho eu, ao contrário das casas. Por isso, quando surgiu a oportunidade de publicar o Pedro, eu apanhei um susto. [risos] Não sabia se estávamos preparados para isto. A Diana ficou felicíssima, porque o problema era mais meu do que dela, acho que por isso. [risos] Mas acaba por ser um empurrão muito grande para o projeto termos o nome do Pedro associado como primeiro autor português publicado. E também esperamos que tenha sido uma boa oportunidade para o Pedro publicar connosco. 

Pedro, não publicavas em nome próprio desde 2018. Porquê este interregno até 2024?

Pedro Lucas Martins: Na verdade, durante todo este tempo, tenho vindo a publicar, só que foram contos, submissões que fiz a diversas antologias. Escrevi muito durante esse tempo, portanto, não fiquei parado a receber os louros da minha última publicação. [risos] Mas ainda não tinha olhado para as coisas que tinha escrito, pelo menos em termos de contos, como um projeto. Eram só coisas soltas. E, quando surgiu a Barca, e percebi que o Nuno estava associado ao projeto, curiosamente, senti-me pressionado a fazer qualquer coisa com o que já tinha escrito. 

Portanto, o que funciona é assustar as pessoas e as coisas acontecem. O Ricardo Alfaia, além de ser o responsável pela imagem da Fábrica do Terror e pela imagem de todos os livros que temos publicado até agora, e os futuros, também criou a capa para esta coletânea de contos. Como é que foi o processo criativo? 

Ricardo Alfaia: Tento sempre não ser óbvio naquilo que faço, seja em que ramo for. Para A Volta no Caixão, sei que o Pedro e o Nuno estavam à espera de uma coisa diferente. Houve um briefing curto e falou-se em formas de caixão, pretos e lutos. Fiquei com aquilo na ideia e foi exatamente isso que não fiz [risos], porque achei muito óbvio. E quis fazer algo relacionado com a morte, com o caixão, mas que não fosse negativo demais. Por isso, resolvi fazer um design com flores e elementos de um caixão. Quando nós olhamos para as flores, metade delas são vivas e as outras estão em forma negativa, exatamente para mostrar vida e morte. A Volta no Caixão são histórias sobre a morte, mas, sem a vida, não há morte, não é? Houve uma vida e há muita vida naqueles textos. Queria seguir os meus princípios de design e sair fora dos clichês. Foi engraçado porque, quando apresentei o livro, acho que tanto o Nuno como o Pedro ficaram estupefactos, um bocadinho sem palavras. Mas gostaram logo, pelo menos foi o que eles disseram. Foi um trabalho muito rápido, não houve grandes alterações aqui ou ali. Ao princípio, acharam talvez um pouco estranho ser assim, mas rapidamente disseram «é isto». Foi um projeto que gostei muito de fazer, gostei muito de trabalhar com a Barca. 

O que o Ricardo faz é uma interpretação quase filosófica do livro. Porque obviamente que era muito mais fácil agarrar neste livro chamado A Volta no Caixão e fazer uma imagem de um caixão ou de um funeral. Mas o livro não é só isso.

RA: Sim, o livro não é só isso. Se há aquela aproximação filosófica? Talvez seja um pouco demais, mas, para mim, tudo tem de ter uma razão no design. Não há nada que seja feito só para ficar bonito, porque isso não existe. Tudo tem de ter uma razão: porquê este tipo de letra? Esta imagem? Porquê fazer assim? Sempre trabalhei assim e é, para mim, também uma maneira muito prática de trabalhar, porque, sabendo o significado das coisas, temos sempre resposta quando nos perguntam «porquê assim?». 

Pedro, sei que tens muitos contos na gaveta. Estes já estavam na gaveta há algum tempo, vamos dizer há mais de um ano. Tens estas coleções guardadas no teu computador por tema? 

PLM: Acho que não estão guardadas por temas tão concretos, mas estão guardadas. Para esta, sabia que todos os textos se adequavam ao tema da morte. Agora, devo ter duas ou três antologias em que vou inserindo contos: uma antologia de contos mais impactantes, uma antologia que se associa mais ao tema religioso/demoníaco… Vou fazendo essas distinções para poder categorizar os contos e as coleções, mas tudo o que escrevo — e isto faz parte de uma metodologia que adotei há uns tempos porque já tinha muita coisa escrita — insiro numa tabela Excel com a temática e o número de palavras. Isto ajuda-me a saber, quando vem uma chamada de submissões, se tenho qualquer coisa adequada. E ajuda-me também a organizar estas futuras antologias.

Continuamos à espera do segundo romance. Não sei se temos de esperar mais cinco anos, não sei como é o teu processo. 

PLM: Neste momento, tenho duas coletâneas prontas e um romance fechado. E estou a tentar por tudo terminar outro, mas ainda não posso revelar o que vai acontecer com estes projetos. É o que está na gaveta semiconcluído.

Nuno, a Barca não tem propriamente a porta fechada a quem queira tentar publicar convosco.
NG: [As submissões estiveram] abertas de forma não-oficiosa, mas publicamente abrimos a janela de submissões entre duas sextas-feiras 13, entre 13 de dezembro [de 2024] e 13 de junho [de 2025]. Ainda não temos possibilidade de publicar muitos novos autores por ano. Estou a apontar para um autor novo por ano. Provavelmente, vamos ter de rejeitar coisas boas, infelizmente. [Em 2025], também planeamos lançar um novo autor português. É um livro que já está a ser trabalhado.

Não é segredo que o Ricardo é fã de Pedro Lucas Martins, apesar de dizer que não é fã de terror.

RA: Gosto imenso da escrita do Pedro.

É mais fácil ou mais difícil criar a capa de um livro de um autor que se admira ou que está habituado a ler? Essa proximidade emocional facilita ou dificulta o processo? 

RA: Primeiro que tudo, sinto-me honrado de fazer esse trabalho para um autor que gosto e admiro. Claro que, quando estamos a fazer um design para uma coisa que nós próprios gostamos, é sempre mais agradável. O que não quer dizer que se torne mais fácil. Os projetos são todos diferentes. Portanto, vendo bem, não faz assim grande diferença. Temos um produto [para o qual] temos de fazer o design. Neste caso, é um livro para fazer a paginação do produto o melhor que conseguimos, segundo as nossas ideias e, claro, quando podemos trabalhar com uma pessoa que já admiramos como autor é sempre muito mais agradável. Principalmente quando ele diz que gosta. É sempre mais agradável, mas não mais difícil ou mais fácil. 

À data em que estamos a gravar esta entrevista, Nuno, ainda não podes revelar o próximo autor português a publicar. E autores estrangeiros? 

NG: O próximo lançamento vai ser o Cadáver Exquisito, da Agustina Bazterrica, traduzido para Cadáver Requintado, na nossa versão. O Henriqueta está concluído. Agora, estamos só na parte da discussão com a gráfica, porque, se conhecem o Carmilla, são projetos um bocadinho ambiciosos, que têm folhas transparentes e folhas pretas. Temos outros autores contemporâneos estrangeiros que vamos estar a trabalhar. Já posso revelar o Linghun, da Ai Jiang. É um livro que vale mesmo a pena estar cá. Irá seguir-se o Hell Followed with Us, de Andrew Joseph White, um livro de terror trans e que vai ter um filme de animação realizado por uma das irmãs que realizaram o Matrix [Lilly Wachowski]. Temos outros projetos comprados também para o próximo ano [2025] e para o ano seguinte [2026].