Entrevista ao escritor Tiago Matos

Vencedor do 1.º Prémio MOTELX GUIÕES.

«[…] O terror representa sempre mais qualquer coisa do que aquilo que estamos a ver. Quis jogar com esse conceito e por isso é que o Trauma é uma história de terror psicológico. As pessoas podem vê-la de formas completamente distintas.»

Sandra Henriques

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Foi o «tempo livre» depois de ter saído da agência onde tinha trabalhado durante quase uma década, e a descoberta, por acaso, do Prémio MOTELX GUIÕES que lhe deram o impulso de escrever a sua primeira longa-metragem e tentar a sorte na primeira edição deste prémio.

Tiago Matos, um escritor que, até agora, não era da área do cinema, foi o grande vencedor. Fã de terror e com uma ideia muito clara das histórias que quer continuar a escrever, esperamos que o desenvolvimento de Trauma chegue em bom porto e que, em breve, estejamos a assistir à sua estreia nacional no MOTELX.

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Antes de mais, parabéns por esta vitória. Para quem nos lê e não pôde assistir à sessão de pitch, fala-nos de Trauma.

É uma história de terror psicológico, embora tenha também alguns elementos de coming of age. É a história de uma jovem profundamente insatisfeita com a vida que leva, sente-se sufocada pelas vontades da família, dos amigos, pelas perspetivas limitadas de carreira, pelas expetativas sociais e por uma tragédia do seu passado que teima em continuar a assombrá-la. Decide que quer mudar radicalmente de vida e que a melhor forma de o conseguir é através de uma relação amorosa. Ou seja, procura uma espécie de «príncipe encantado» para a salvar. O que não podia estar mais errado, porque não devemos procurar nos outros a felicidade que não encontramos em nós. Ainda assim, é o que ela faz. Conhece um homem mais velho online, marca um encontro, dão-se bem, vão para casa dele. Está tudo a correr na perfeição, só que, quando se veem a sós, ela começa a ficar com a sensação de que há qualquer coisa estranha, não se sente bem ali, e começa a suspeitar que o seu príncipe encantado pode não passar de um monstro. Nós, espectadores, começamos a suspeitar que o encontro entre eles não vai correr nada bem.

Da esquerda para a direita: Daniel Bandeira, Tiago Matos, António Grassi

Há aqui muitas camadas que podemos descobrir: da pressão social, das expectativas. É uma personagem feminina que a sociedade pressiona para ter um certo padrão de vida. Como é que foi escrever este guião? Escreveste sozinho?

Escrevi e pensei tudo sozinho. Desde logo, tive uma questão complicada, que foi a de ter de me colocar no lugar de uma mulher. Compreendo que não seja a situação ideal, mas acho que consegui, porque há problemas que são transversais. Pode haver muitos que são específicos das mulheres e sobretudo das jovens (a minha protagonista tem 18 anos), mas acho que muitos jovens passam pelas mesmas coisas. Muitas pessoas a partir de uma certa altura na vida também se ressentem desses traumas não resolvidos, e acho que consegui transmitir isso.

Deves ter conseguido, com certeza, porque foste o vencedor entre cinco finalistas. Acho muito interessante essa universalidade e transversalidade do terror, que estavam presentes nos guiões a concurso. Que expectativas tens para este filme?

Este é o meu primeiro guião, não foi só a minha primeira longa-metragem. Foi o meu primeiro pedaço de ficção. Trabalhava há muitos anos como redator, editor e revisor, mas escrevia para marcas, fazia revistas e blogs, coordenei a revista Estante da FNAC durante muitos anos, portanto é um mundo completamente diferente. Agora, tenho um guião vencedor na mão e vou ter de procurar produtoras.

Sei que é um processo que demora algum tempo, claro, o de encontrar produtores para a longa-metragem que escreveste, mas a história pareceu-me ser bastante flexível e fácil de adaptar. E espero ver a estreia do filme, em breve, aqui no MOTELX.

Isso fazia todo o sentido, [estrear aqui] claro. Deixei tudo muito em aberto, o guião tem certas características que fazia sentido manter, nomeadamente ser uma protagonista mulher, jovem. Mas tudo o resto é mais ou menos maleável, mesmo que a própria história não tenha de se concentrar num país ou numa zona específica do país. É muito geral, muito transversal nesse campo.

Isso é muito importante para aquilo de que se fala muito agora, da internacionalização do cinema português.

É sempre isso que quero fazer em todas as minhas histórias, gosto de partir de uma ideia mais geral, que pode ser situada em qualquer lugar e que também pode ser alvo de identificação pela maior parte das pessoas.

Passar uma mensagem e não fazer apenas mais um filme de terror, não ser só mais um filme de um assassino a correr atrás das vítimas com uma faca.

Sim, é isso. Gosto muito desses filmes, mas também gosto muito daquilo a que chamam de «terror elevado». É uma terminologia à qual torço um pouco o nariz, porque parece que o terror não era um género elevado até agora, mas, de qualquer modo, concordo com a ideia-base de que o terror representa sempre mais qualquer coisa do que aquilo que estamos a ver. Quis jogar com esse conceito e por isso é que o Trauma é uma história de terror psicológico. As pessoas podem vê-la de formas completamente distintas.

A minha última pergunta é um desafio: a partir de agora, vais continuar a escrever mais guiões de terror?

Sem dúvida. Adoro terror. Sempre que conseguir escrever terror, vou fazê-lo. Também gosto de outros géneros, claro. E também gosto daquelas misturas de géneros que há hoje em dia, acho que isso até faz mais sentido do que qualquer outra coisa. Por isso é que digo que a minha história, Trauma, é terror, mas também é coming of age, porque estamos a acompanhar o crescimento emocional de uma personagem. Gosto de fundir géneros, gosto de fazer coisas surpreendentes, porque acho que faz falta. Especificamente no cinema português. Nos últimos anos, temos dado passos muito importantes do ponto de vista da produção. Os filmes estão com «boa cara», estão a ficar com bom som (que era uma coisa que me apoquentava imenso no cinema português), mas os textos ainda podem ser melhores. Não estou, com isto, a querer dizer que o meu texto está perfeito. [risos] Este tipo de prémios [como o Festival Guiões] são importantes também por causa disso, porque podem incentivar mais pessoas a escrever. No meu caso, não conhecia este festival, mas este ano deixei a agência com a qual trabalhava há 9 anos, vi-me com tempo e, por mera sorte, deparei-me com o anúncio. Por isso, pensei «isto é perfeito, eu adoro terror, e quero tentar escrever uma longa-metragem. Nunca escrevi, vamos lá tentar». Se não houvesse uma destas iniciativas, provavelmente nunca teria dado este passo.

Da esquerda para a direita: Tiago Matos, Daniel Bandeira, Isabél Zuaa, António Grassi