Entrevista ao realizador Alessandro Novelli
De Imperio é exibido dia 16, às 00 h 30, e dia 17, às 14 h.
«Há pessoas que baixam a cabeça e seguem, há pessoas que trabalham com o poder e há pessoas que se querem opor ao poder. O filme fala sobre isso. Não quero tomar nenhuma posição, sobre se é bom ou não é bom, se devemos fazer uma coisa ou outra. Propõe uma solução que te deixa, acho, com muitas possibilidades de interpretação.»
De Imperio teve a sua estreia mundial em Locarno e é a única curta de animação dos doze filmes a concurso para o Prémio MOTELX – Melhor Curta de Terror Portuguesa. O seu realizador, Alessandro Novelli, conta-nos como foi essa experiência num dos maiores festivais de cinema do mundo, a seleção para o MOTELX, os projetos futuros e as outras duas curtas-metragens que, em conjunto com De Imperio, completam a trilogia sobre a condição humana Deconstruction.
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Para quem ainda não te conhece, como tem sido o teu percurso profissional e o teu trabalho até aqui?
Trabalho muito em publicidade e, em 2015, comecei a trabalhar em curtas-metragens. Quando comecei, não tinha ainda ideia de que havia mercado e que poderia ter o apoio de instituições como o ICA. Então, comecei exclusivamente a trabalhar em obras [mais autorais], que fossem um reflexo das minhas ideias.
Só começaste a trabalhar em curtas-metragens já em Portugal?
Vivi em diferentes sítios e, depois de ter conhecido a minha namorada (a realizadora e produtora Laura Gonçalves) em Annecy, em 2018, mudei-me de Espanha para Portugal. E tenho trabalhado sempre em animação.
Este filme, De Imperio, que vais apresentar no MOTELX, teve estreia mundial no festival de Locarno. Como é que foi essa experiência?
O festival é muito maior do que imaginávamos e não foca tanto a atenção em pessoas que são do cinema, nas estrelas, como em outros festivais. Estão muito mais focados nos filmes. Além disso, fomos muito bem tratados pela organização. A seleção faz a separação entre curtas e longas e está organizada por categorias: cineastas emergentes (para a qual o De Imperio foi selecionado), cineastas já estabelecidos, que pode incluir realizadores já conhecidos que vão fazendo curtas pelo meio das longas-metragens, e uma para filmes suíços. Mas as sessões incluem filmes das várias categorias, por isso, numa sessão, podes ver documentários, filmes de animação, uma curta-metragem autoral de alguém que já fez grandes filmes e é conhecido. É muito mais heterogéneo.
Sentiste isso, que o foco é no filme e não na pessoa? Estavas lá pelo teu trabalho, e o público vai para descobrir filmes, sobretudo, e não tanto pelos realizadores conhecidos.
Sim. Perguntei ao festival os critérios de seleção do De Imperio, porque geralmente os festivais grandes [quando não selecionam o nosso filme] informam-nos de que chegámos à fase final de seleção, dizem-nos que gostaram muito do filme, mas [não passámos à fase seguinte, e nunca nos explicam os motivos]. Acho que o filme pode não ser tão acessível como outros filmes de animação mais recentes. É bastante simbólico, críptico, e estilisticamente não tem personagens humanas, é meio abstrato e figurativo. Então, termos sido selecionados para Locarno, que é um festival tão grande e tão competitivo, com um filme tão peculiar, foi incrível para todos nós.
E como é que o público reagiu ao filme?
As curtas são exibidas em salas diferentes durante três dias. O primeiro dia é a apresentação oficial do filme, em conjunto com os outros realizadores, numa sala enorme, com um Q&A no final, mediado pelos selecionadores dos filmes. Depois dessa primeira projeção e do Q&A, havia um espaço mais informal onde as pessoas podiam interagir com os realizadores, e o feedback foi muito positivo.
De Imperio é o terceiro filme de uma trilogia sobre a condição humana chamada Deconstruction (os outros dois filmes são The Guardian e Contact), mas a história vive de forma independente?
O primeiro filme [The Guardian], de 2015, é uma interpretação pessoal de um conto de Kafka. Não gosto nada de Kafka, mas gosto muito deste conto que faz parte d’O Processo. [risos] Depois desse filme, pensei que fosse interessante desenvolver mais tópicos e, sim, é uma trilogia, mas cada um dos episódios analisa uma temática maior. A primeira questiona como nós somos os nossos próprios limites, e a última é sobre a observação das dinâmicas entre as pessoas e o poder, é mais global. As três têm uma estética parecida, são a preto e branco, mas com técnicas diferentes. A primeira [mistura] 2D e 3D; a segunda é 2D, 3D e filmagens de arquivo; a terceira é principalmente 2D (com pequenas coisas em 3D que não se veem) com imagens a cor (é a primeira vez que uso cor numa curta autoral) pintadas com tinta acrílica sobre papel. Os três temas são cíclicos e podem ser vistos como um loop.
Esta curta é geralmente descrita como uma distopia. Foi uma surpresa ter sido selecionada para um festival de terror, como o MOTELX?
Os filmes selecionados passam pelas mãos de muita gente que toma essa decisão e, no final, será o júri [a decidir]. Por isso, é tudo muito subjetivo. Pessoalmente, nunca pensei [no filme] como uma curta de terror e, quando soube que a estreia nacional do De Imperio ia ser num dos maiores festivais de cinema de terror, fiquei contente e surpreendido ao mesmo tempo. [risos] Imagino que o comité de seleção tenha visto algumas coisas que são de terror, eu também as vejo, mas pensei na curta como tendo mais elementos de suspense, de uma narrativa particular. Criar terror, como género, é extremamente complexo. É por isso que não há muitas curtas de animação que sejam especificamente de terror. É muito difícil criar uma coisa boa em tão pouco tempo.
Sei que esta é uma pergunta difícil, mas como descreverias o De Imperio sem revelar muito da história, para que o público fique com alguma curiosidade em ver o filme?
O filme é uma metáfora de relações entre poder e pessoas. Há pessoas que baixam a cabeça e seguem, há pessoas que trabalham com o poder e há pessoas que se querem opor ao poder. O filme fala sobre isso. Não quero tomar nenhuma posição, sobre se é bom ou não é bom, se devemos fazer uma coisa ou outra. Propõe uma solução que te deixa, acho, com muitas possibilidades de interpretação. Depois, podes abstrair-te do filme e aplicar isso ao mundo real, e eu acho que o terror está aí.
Qual é o teu próximo projeto? Estás já a trabalhar em mais algum filme de ficção, de animação?
Sim, sempre em colaboração com o BAP. Ainda estamos à espera [dos resultados das candidaturas] ao ICA. É um filme completamente diferente. Chama-se Birds and Shells (Pássaros e Conchas), é um filme a cores (que não uso muito), muito mais acessível. Está feito com imagens facilmente reconhecíveis pelas pessoas, e a história é mais linear. Fala um pouco sobre o tema da imigração, mas como uma extremização da minha experiência como imigrante. Vivi nos Estados Unidos, em Espanha, e agora em Portugal. Vais tendo sempre saudade de um país onde gostarias de voltar, mas não podes. No meu caso, é por motivos económicos. Não quero que a curta seja sobre «olha como é difícil trabalhar como imigrante, olha como é difícil a integração», é mais uma reflexão sobre essa desconexão com a tua identidade. Quando há temáticas mais emocionais, mais coletivas, pode ser que o filme tenha mais oportunidades do que um filme [meramente de] reflexão, ou sobre questões mais políticas, como é o caso do De Imperio.
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Sandra Henriques
Autora de guias de viagens da Lonely Planet, estreou-se na ficção em 2021, ano em que ganhou o prémio europeu no concurso de microcontos da EACWP com «A Encarregada», uma história de terror contada em 100 palavras. Integrou as antologias Sangue Novo (2021), Sangue (2022) e Dead Letters: Episodes of Epistolary Horror (2023). Em setembro de 2023, contribuiu com o artigo «Autoras de Terror Português» para a Enciclopédia do Terror Português, editada pela Verbi Gratia. Em março de 2022, cofundou a Fábrica do Terror, onde desempenha a função de editora-chefe.