Entrevista ao realizador Francisco Neves

15’ é exibido dia 13, às 21 h 15, e dia 16, às 14 h.

«Neste caso, o terror que existe não é fantástico nem sobrenatural. É um terror mais ligado à realidade dos media. Se há algum monstro neste filme, podemos dizer que são os media.» 

Sandra Henriques

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Depois de TURP, um filme de escola correalizado com Liliana Gonçalves e vencedor do Festival Over & Out, Francisco Neves trabalhou em vários projetos, incluindo o de realizar uma série para a RTP, Menos Um. A relação das pessoas com a realidade e a ficção, e como ambas parecem, por vezes, não ter fronteiras entre si, é um tema recorrente nos seus filmes. A sua curta, 15’, aborda essa relação, da perspetiva do terror social que pode ser a ligação das pessoas aos diferentes media, incluindo as redes sociais e a televisão.

 

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O teu primeiro filme, TURP, é um filme de escola, que passou pelo Fantasporto em 2016. Como é que tem sido o teu percurso profissional desde então?

Sim, foi o meu primeiro filme, [quando estudava Cinema na Lusófona]. Foi uma das curtas de final de curso selecionadas para serem produzidas e exibidas (no Cinema São Jorge) no Festival Over & Out da Universidade Lusófona. Tive o prazer de realizar esta curta em parceria com a Liliana Gonçalves e esse foi realmente o primeiro filme, com dinheiro, digamos, [com orçamento] da faculdade e em parceria com o ICA. O filme ganhou o prémio de Melhor Curta no Over & Out e ainda conseguiu fazer um grande percurso em festivais, em Portugal e no estrangeiro. Depois de acabar o curso, juntei-me a um grupo chamado Comicalate, onde tive a oportunidade de trabalhar em diversos projetos de ficção de produção própria, desde a ideia inicial à exibição final, passando por todas as fases de produção. Alguns projetos tiveram apoio e financiamento externo, mas a maior parte foi financiada por nós, e aprendemos muito com isso. Também é uma escola, filmar sem dinheiro. [risos] O conceito do Comicalate foi muito ligado às novas tecnologias; o que fazíamos era, em grande parte, para a Internet, quer fosse partilhado no YouTube, nas nossas redes sociais ou no nosso site. Fizemos também algumas exibições públicas e passámos um pouco por todos os processos: fizemos sketches, curtas, uma longa, várias webséries e ainda participámos em competições como o 48 Hour Film Project. Esse trabalho depois culminou numa parceria com a RTP em 2018, [no âmbito da qual] fizemos três séries (Bad and Breakfast, Frágil e Menos Um, esta última realizada por mim) para a RTP Lab. Por esta altura, já tinha desenvolvido o conceito do 15’ e escrito a primeira versão do guião, e isso ajudou-me também a querer realizar esta série. Ela também abordava alguns dos temas retratados no 15’, como a fama, os media e até, em certa parte, a forma como misturava a realidade e a ficção. A série Menos Um conta com a participação dos artistas musicais PZ (que também compôs um álbum para a série), Cláudia Pascoal, Samuel Úria e Pedro Mafama. Todos eles fazem deles próprios, mesmo estando inseridos num universo fictício. Tal como acontece no 15’, que também mistura personagens reais e fictícios.

15′, de Francisco Neves

Então este filme, 15’, já existe há algum tempo na tua cabeça, não é propriamente recente. O que é que consegues contar do filme sem dar spoilers?

É sobre um fenómeno com que me deparei, e com que acho que todos nos deparamos, independentemente de pensarmos muito nele ou não: a hiper-realidade. De uma forma simplista, é a mistura entre realidade e ficção. As pessoas não percebem bem quando termina uma e começa a outra, principalmente quando veem alguma coisa nos media. E estamos, por exemplo, tanto a falar de um influencer, que nos mostra um estilo de vida que não sabemos bem se é totalmente verdadeiro, como de questões políticas, científicas, sociais, etc. Esse fenómeno prendeu-me desde que me apercebi dele, ainda durante a licenciatura. Os smartphones e as redes sociais associadas a eles ainda eram recentes e o futuro da ficção era algo que estava muito em discussão durante esses anos do curso. E esta questão dos transmedia sempre me prendeu muito: não só vermos algo a acontecer no nosso telemóvel que depois tem continuação nos órgãos de comunicação social, mas também na ficção. De que forma é que a ficção se vai adaptar a isto? Será que vai haver séries ou filmes que estejam ligados entre si através do telemóvel, do computador, da televisão e até das salas de cinema? Em que, por exemplo, vemos uma parte de um filme em sala, mas depois temos de ir ver mais alguma coisa no telemóvel? Ou até em simultâneo? Comecei a pensar nestes assuntos de uma forma não só criativa, mas também crítica. Foi então que, em 2016, 2017, particularmente com o lançamento dos lives e das stories na rede social Instagram, que comecei a aperceber-me de um novo fenómeno social a que vou chamar de 15 minutos. É um fenómeno que cruza o conceito dos 15 minutos de fama do Andy Warhol com a realidade das redes sociais, baseando-se num dos paradoxos dos media que é: em 15 minutos, podes tornar-te mundialmente famoso, mas, 15 minutos, depois podem já não se lembrar de ti. Comecei a perceber que esse fenómeno estava muito ligado à forma rápida como consumimos não só informação, mas também o entretenimento e a cultura. E à forma como nos interessamos, ou não, por uma personalidade, por uma história ou por um conflito. Principalmente, se for polémico e violento. Decidi então abordar estes conceitos, misturando eu próprio a realidade e a ficção através da forma como escrevi e realizei. Tal como no Menos Um, também há um cruzamento entre personagens fictícias e personagens reais. Neste filme, temos, por exemplo, o Minguito, o Valdir, o Playboi Zuka, o Sippinpurpp e o Yuzi. Todos eles existem no mundo real, são artistas musicais e todos eles interpretam uma versão fictícia deles próprios, numa narrativa escrita por mim. Além disso, tudo o que vemos no filme é da perspectiva dos media. Através de smartphones, da televisão, de câmaras dos próprios personagens, entre outros. Quanto à temática, decidi contar esta história através do universo particular dos rappers, não só porque o conheço bem, mas porque é uma cultura que, além de estar muito presente no mundo das redes sociais, é também ligada à violência. Além disso, é muito rica em elementos narrativos, quase clássicos, que fazem com que o público se interesse pelo que vai acontecer a seguir. Um dos exemplos é o beef. O beef é um dos elementos mais básicos que pode haver para prender o espectador, sendo nada mais nada menos do que uma rivalidade entre um «herói» e um «vilão». Ou, se quisermos modernizar a coisa, entre dois «heróis», ou entre dois «vilões». Não interessa. O que interessa é que, quando há um conflito entre duas forças rivais, isso cria curiosidade nas pessoas. E se isso acontecer, por exemplo, entre duas pessoas nas redes sociais, o espectador disto tudo, que está a acompanhar o conflito através do seu smartphone, provavelmente vai vê-lo como se estivesse a ver uma série de ficção, passando aquelas pessoas a ser vistas como personagens. Provavelmente, vai escolher um lado. E, provavelmente, vai ficar à espera do próximo episódio para ver o que acontece a seguir. Se juntarmos a isto outro dos elementos narrativos mais clássicos de sempre, o triângulo amoroso, melhor. As histórias do «roubei-te a dama», etc., etc., típicas dos beefs ligados ao hip hop e aos rappers nem sempre são só da boca para fora. Por vezes, transformam-se mesmo em narrativas contínuas no tempo, o que aumenta a curiosidade e a discussão do público. Decidi então que seria interessante fazer um filme que abordasse estes temas, utilizando uma lógica idêntica à usada na realidade, para fazer ficção, através de um universo já conhecido pela maioria dos jovens.

Sentes que a sociedade está mais céptica em relação aos media que consome?

Sinto que a sociedade cada vez se interessa menos. Acreditando ou não no que vê. Mesmo que haja a constante aparência de que se importa, na realidade, somos tão bombardeados com tanta informação, com tantos vídeos, tantas imagens e tantas opiniões que, a certa altura, já não pensamos muito sobre os assuntos. Reagimos ao que vemos. Copiamos opiniões. E tanto damos muita importância a uma coisa como, 15 minutos depois, já nos esquecemos dela, porque apareceu outra que nos roubou a atenção.

Desde o início que idealizaste o 15´ como um filme de terror?

Não propriamente. A minha intenção, principalmente com este filme, não foi pensar num género específico. A intenção foi sempre pensar num conceito que fizesse sentido. Claro que há elementos que estão presentes, como o suspense, a violência, ou até o facto de ser uma espécie de found footage dos novos tempos. Neste caso, o terror que existe não é fantástico nem sobrenatural. É um terror mais ligado à realidade dos media. Se há algum monstro neste filme, podemos dizer que são os media. Na verdade, acho que é um dos monstros, hoje em dia. Tem as suas coisas boas e as suas coisas más, mas altera-nos como pessoas, como sociedade, a toda a hora.

A seleção de curtas portuguesas para o MOTELX é sempre bastante heterogénea, o que só revela a diversidade do género em Portugal. Já estás a trabalhar em mais algum filme, algum projeto que nos possas revelar?

Estou a trabalhar num projeto novo, mas, por enquanto, ainda não posso revelar nada.