Entrevista às realizadoras Ariana Santos e Virgínia Barbosa

Dead Wheel é exibido dia 16, às 21 h 40, e dia 17, às 14 h.

«Não pensamos muito nisso quando estamos a fazer os filmes. Ou seja, podíamos usá-los como um veículo para passar uma mensagem mais feminista, mas não tem sido essa a abordagem. […] Nestes dois filmes que fizemos juntas, nunca foi uma preocupação, simplesmente queríamos contar uma história.»     

Sandra Henriques

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Como realizadoras, Ariana Santos e Virgínia Barbosa estreiam-se no MOTELX com Dead Wheel, mas esta não é a sua primeira passagem pelo festival, no qual já tinham participado com outros filmes da Tripé, o coletivo de Tomar onde cada membro da equipa desempenha várias funções consoante o projeto.

O Festival Internacional de Cinema de Terror de Lisboa sempre olhou para o essencial deste cinema de género: bons filmes de terror, independentemente das pessoas atrás da câmara. Por isso, uma edição ser mais ou menos paritária do que a outra em termos de género só se prende com os filmes selecionados, não com quem os realiza. Inevitavelmente, contudo, as questões de género e representatividade acabam sempre por vir ao de cima quando entrevistamos mulheres, como foi o caso desta entrevista.

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Como tem sido o vosso percurso no cinema até aqui?

Ariana Santos: Fazemos parte da Tripé, um coletivo de Tomar que foi fundado pelo Paulo [Graça] e pelo Pedro [Caldeira]. Eles começaram em 2014, e eu juntei-me em 2015. A Virgínia penso que se juntou a nós em 2016. A partir daí, começámos a trabalhar juntas na Tripé, em diferentes funções, conforme o projeto.

Virgínia Barbosa: Conheci o Pedro Caldeira e a Ariana no mesmo dia, na verdade, durante o 48 Hour Film Project, no [Cinema] São Jorge, curiosamente. Na altura, perguntei-lhes se podia participar na próxima filmagem, porque queria aprender, e se podia ajudar no que fosse preciso: servir cafés, segurar no microfone, etc. [risos] Porque só queria aprender mais e não tinha um grupo de pessoas com quem pudesse fazer filmes, então vi esta oportunidade e colei-me um pouco. [risos] Na altura, a Ariana estava a desempenhar mais o papel de atriz, mas fazia já alguma produção.
AS: Sim, fazíamos um pouco de tudo, na verdade. Mas, quando comecei a colaborar com a Tripé, foi como atriz. Comecei logo com o Penitência, que esteve nas microCURTAS de 2015. Essa foi a minha primeira participação no MOTELX. Também temos participado muito nos 48 Hour Projects.

Que é um projeto completamente alucinado! Fazer um filme em 48 horas, num fim de semana.

AS: Somos um bocadinho viciados no 48 Hours. [risos] Já participámos diversas vezes e dizemos sempre que é o último, mas depois nunca é. É alucinante, mas aprende-se muito, porque não há tempo para pensar, para descansar.

VB: E obriga-te a fechar o projeto. Porque, às vezes, a tendência é ir arrastando, nunca está perfeito. Ali, num fim de semana, obriga-te a entregar tudo.

O vosso primeiro filme, como correalizadoras, foi o Imersão. Portanto, até aqui, como correalizadoras, ainda só fizeram terror. O Dead Wheel é o vosso segundo filme em conjunto?

VB: Juntas, sim, como realizadoras. Curiosamente, são os dois de terror. A Ariana já tinha feito o Penitência, mas como atriz.
AS: Por acaso, tem sido coincidência! Gostamos de fazer terror, mas o facto de termos realizado um filme de terror juntas não foi planeado.
VB: Sim, ambas gostamos muito do género.
AS: Dá-nos muito gozo.

Não gosto de transformar o cinema de género numa questão de género, no sentido em que o cinema de terror feito por mulheres é diferente do que é feito por homens. Mas é inevitável reconhecermos que, nesta edição do MOTELX, há três filmes a concurso realizados por mulheres. Acham que isso faz diferença? É, de alguma forma, um marco importante a assinalar? Ainda que o terror feito por mulheres não tenha de ser necessariamente feminino ou feminista; pode ser só uma história de terror que, por acaso, é contada por mulheres. 

AS: Eu não sinto esse peso porque sempre tivemos o nosso espaço no nosso coletivo. Dentro desta família que é a Tripé, nunca houve essa questão, por isso, pessoalmente, não é algo que sinta. Mas, num plano mais abrangente, claro que também fico contente de haver representatividade, neste caso no MOTELX. Fico contente por isso, mas não particularmente por haver um olhar feminino, na minha opinião, mas por haver espaço para toda a gente.
VB: Não pensamos muito nisso quando estamos a fazer os filmes. Ou seja, podíamos usá-los como um veículo para passar uma mensagem mais feminista, mas não tem sido essa a abordagem. Também já falámos em fazer outro tipo de projetos em que queremos deixar outra marca, mas não necessariamente de terror. Nestes dois filmes que fizemos juntas, nunca foi uma preocupação, simplesmente queríamos contar uma história. E até pode [provocar outro tipo de reações] pelo tema ser o da violência contra as mulheres. Será que, como mulheres, não o devíamos fazer? No final, assumimo-lo, porque a história fazia sentido daquela forma.

É complicado porque, como mulheres, vão tentar sempre colar algum rótulo. Dead Wheel passa, pela primeira vez, antes d’A Semente do Mal. Estão preparadas para esse momento?

AS: Conheço o trabalho do realizador, mas ainda não sei nada deste filme.
VB: Também não sei nada do filme, mas estamos muito entusiasmadas porque o nosso filme passa antes de um grande nome e num horário bastante bom. Por isso, imagino que a sala esteja cheia para a longa e isso é espectacular.

Sem dar spoilers, o que é que nos podem contar do Dead Wheel

AS: Isso é difícil! [risos] Uma aventura numa feira? [risos]
VB: Sim, é um encontro numa feira popular e tudo pode acontecer.
AS: Sendo uma curta, é mais fácil dar spoilers.
VB: Dizemos que é um encontro misterioso numa feira popular. E não podemos adiantar muito mais.

Veem-se a fazer uma longa de terror, no futuro?

AS: Havendo financiamento, nós temos ideias para quase tudo: documentários, curtas, longas, ficção. Abrangemos tudo e temos várias ideias na gaveta. Até me imagino [a fazer terror], porque gosto muito do género, sim. Aí, se calhar, até íamos pela perspetiva mais feminista. Quem sabe?

Como foi a experiência de correalizar este filme?

AS: Em geral, não temos razões de queixa na Tripé, seja qual for a dinâmica, porque vamos variando um pouco as funções conforme o projeto. É mesmo uma família. Não é daquelas coisas que as pessoas dizem só para ficar bem. Nunca houve grandes situações, foi sempre muito natural.
VB: Estivemos sempre bastante alinhadas, abertas às sugestões uma da outra. O Imersão foi mais stressante, porque era menos tempo e com uma equipa muito maior. Era muita gente para gerir.
AS: No Dead Wheel, as filmagens também aconteceram ao longo de duas noites, mas a equipa era mais pequena, a dinâmica era completamente diferente. Tivemos tempo para a pós-produção. [A experiência] do 48 Hour deu-nos a estaleca para fazermos as filmagens num fim de semana. Isso veio da nossa bagagem [desse projeto].

Vão passar por mais festivais depois da estreia no MOTELX?

VB: Sim, já submetemos a mais festivais e estamos ainda a aguardar respostas. Para nós, estrear no MOTELX, é incrível.

Mas é a primeira vez que têm um filme no MOTELX?

AS: Como realizadoras, sim, é a primeira vez.
VB: Em 2020, o Tripé teve O Silêncio [no MOTELX], realizado pelo Pedro Caldeira, em que a Ariana foi atriz e eu fiz assistência de realização. Como realizadoras, é uma estreia para nós.

Em que projetos estão a trabalhar agora? Se nos podem revelar, claro.

AS: A Tripé tem algumas coisas na gaveta. De terror, não temos nada por agora, mas temos algumas ideias e alguns projetos de drama.
VB: Comecei a escrever uma pequena curta na pandemia, mas entretanto não há tempo para tudo e não continuei. Mas será também drama. Ainda é só um outline. Nem sequer é um guião.