Holocausto Canibal, «Crueza Ferina»
«Crueza Ferina» é o novo disco dos portugueses Holocausto Canibal que, para além de estar a dar cartas no panorama metaleiro e grindcore internacional, tem vários pontos de interceção com o imaginário do terror. Bastaria uma capa como esta para nos chamar a atenção, mas «Crueza Ferina» é mais. Muito mais.
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16.50 € (com IVA)O grindcore não é propriamente um estilo musical popular. Nem mesmo dentro do heavy metal. Ter um vocalista a «grunhir» ao som de uma espécie de mistura de death metal, hardcore e punk não é um prato para todos os palatos. No caso dos portuenses Holocausto Canibal, no entanto, os pormenores fazem toda a diferença. A banda de Rio Tinto, cujo nome se inspira na obra cinematográfica do mesmo nome, realizada por Ruggero Deodato, sempre pautou a sua carreira (25 anos e cinco álbuns de originais antes deste Crueza Ferina) por um exímio uso da língua portuguesa nas letras violentas e sangrentas. Não que se perceba muito do que se vai cantando na música, mas já lá vamos.
Crueza Ferina tem como ponto de partida as tradições mais bizarras e macabras presentes em Portugal. A capa é um exemplo, assim como a faixa de abertura, que apresenta o guincho penetrante, aflitivo e incomodamente longo de um porco a ser arrastado para a morte. É o tiro de partida para 19 faixas rápidas, despachadas em meros 34 minutos, em que os Holocausto Canibal fazem uma espécie de bestiário das práticas mórbidas nacionais, incluindo a degolação das galinhas, tourada e a já mencionada morte do porco, entre outras práticas habituais num Portugal mais rural e real.
A reputação do quarteto, de escrever impecavelmente, tem seguimento em canções cuja simbiose entre a rapidez dos ritmos, o peso do grindcore e a cadência das palavras chega perto da perfeição.
Basta ouvir a maneira como a estrofe
«Fétido bafejar do siroco
Obscuro ofertório os move
Milenar praxis do desprove
Despedida da carne em cântaro»
é cuspida com precisão cortante e maldade palpável, numa rapidez alucinante, no tema Congregação da Flama Felídia, para perceber que estes rapazes não são propriamente principiantes na arte da escrita e no modo de interpretá-la.
Em termos estritamente musicais, apesar de ser um disco de grindcore puro e duro, Crueza Ferina conta com a melhor produção de todos os discos de Holocausto Canibal, com um som quente e orgânico.
A voz de R. Orca, que gravou aqui o seu primeiro disco com a banda, é grave, grunhida, mas incrivelmente coesa e até arrebatadora. Estão a ver os discos de Napalm Death — a banda que Jim Carrey tão bem imita quando grunhe? Enfiem dois copos de medronho na goela do vocalista e ficam com uma ideia do trabalho de Orca neste álbum. A composição é também um tudo-nada mais orelhuda do que o fundo de catálogo dos Holocausto Canibal, com um ritmo mais balançante (ouvir o tema Sortilégio da Perversão) e uma maior variedade nas músicas, que lhes permitem ganhar uma verdadeira identidade própria entre momentos mais rápidos, outros de maior cadência e mesmo dois instrumentais.
Feitas as contas, Crueza Ferina é um disco de grindcore com vários pontos de interceção com o imaginário do terror, que vale a pena ouvir nem que seja pelo interesse «mórbido» das letras e da temática, mas que pode muito bem convencer quem se atrever a dar uma voltinha nele.
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Fernando Reis
Desde que, em 1985, viu O Monstro da Lagoa Negra na RTP, numa TV a preto e branco, Fernando Reis apaixonou-se pelo terror. Uma paixão que o acompanhou ao longo da vida, mesmo quando, na década de 90, enveredou pela indústria musical, escrevendo para revistas como a Riff, a LOUD! ou a Metal Hammer Portugal. Na Fábrica do Terror, tem oportunidade de juntar ambas as paixões. A sua vida pode resumir-se a um poema: «Alone», de Edgar Allan Poe.