Urze de Lume, «Histórias de Lobos – Entre o Lume e a Escuridão»

Contos lupinos de arrepiar, em formato musical

A banda lisboeta Urze de Lume acende a fogueira e reúne à sua volta uma série de sons evocativos e perturbadores

Fernando Reis

O nosso livro está à venda!

Não há nada que impressione mais, num filme ou num livro, do que o prefácio «baseado em eventos reais». É uma espécie de «isto pode acontecer-te a ti», retirando a história do longínquo mundo da ficção e colocando-a ali, ameaçadora, ao nosso lado, pronta a saltar-nos em cima.


Os Urze de Lume, quarteto de neo-folk lisboeta, jogam esse trunfo em Histórias de Lobos – Entre O Lume e a Escuridão, um EP de 2020 em que demonstraram ser capazes de sair do universo estilístico em que se tinham movimentado até aí para entrarem por terrenos de dark ambient, experimentalismo industrial e até banda sonora, sem perderem a qualidade que os define.


Como o título indica, Histórias de Lobos – Entre o Lume e a Escuridão é um registo que tem como ponto fulcral alguns testemunhos, contados na primeira pessoa, de anciãos que tiveram encontros com o animal, numa época em que ainda era comum o lobo ibérico errar por boa parte do país rural (mais no Centro e Norte). Bem enquadradas por sampling, arranjos musicais subtis e uma inteligente manipulação sonora das gravações feitas no terreno, as histórias são adensadas pelos Urze de Lume, que lhe acrescentam uma dimensão de dramatismo e conseguem imergir o ouvinte nelas. De repente, não são aquelas pessoas que estão a dar de caras com os lobos; somos nós. E pior — muito pior — do que sabermos o que é contado, é imaginarmos como tudo se desenrolou, são as imagens que nos acorrem à mente — tudo culpa da tapeçaria sonora superiormente criada pela banda. E se fosse eu ali, sozinho, frente a frente com o lobo?

No final do EP, surge um par de faixas em que os Urze de Lume esticam um pouco mais o experimentalismo, chegando a usar — senão pela primeira vez na sua carreira, certamente uma das únicas — distorção de guitarra elétrica, reafirmando o caráter inovador de Histórias de Lobos – Entre o Lume e a Escuridão. Um epílogo interessante num registo para ser ouvido no escuro — ou de olhos fechados — em que o lobo, animal que povoa os contos de crianças como um ser que personifica a malvadez, nos é apresentado no seu lado mais primário, carnívoro e real, mas, sobretudo, apenas como ponto de partida numa viagem bem mais negra do que qualquer livro de contos para os mais novos.


Histórias de Lobos – Entre o Lume e a Escuridão foi editado em cassete, numa edição já esgotada, e em formato digital.