Lendas da Capela do Senhor da Pedra

Quando se pesquisa por esta capela na Internet, damos de caras com imagens incríveis de um edifício no topo de uma rocha, à beira-mar

Surgiram-me duas questões: como veio ali parar? Porquê construir uma capela à beira-mar, sem nada por perto? A primeira é interessante, porque parece que depreendi de imediato que não foi construída pelo ser humano; aceitei que era uma obra mágica, que surgiu do nada, um dia. A segunda pergunta, já mais racional, levou-me a querer pesquisar sobre este lugar.

Fotografia título: Ricardo Alfaia

Patrícia Sá

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A primeira coisa que encontrei foi esta breve descrição geográfica: «A Capela do Senhor da Pedra localiza-se na Praia de Miramar, freguesia de Gulpilhares, concelho de Vila Nova de Gaia, distrito do Porto, em Portugal», citação da Wikipédia.

Depois, vieram os artigos e uma coisa chamou-me a atenção: rituais de bruxaria. Parecia que o meu instinto inicial não estava assim tão errado. Pode haver algo realmente místico a pairar sobre este lugar.

O SIPA (Sistema de Informação para o Património Arquitectónico) descreve a Capela do Senhor da Pedra como sendo uma «[c]apela setecentista de planta hexagonal, de pequenas dimensões espaciais […]», onde, no interior, se encontra um «[e]spaço único em hexágono […]». Esta persistência na figura do hexágono, que remete naturalmente para o número 6, suscitou-me a curiosidade.

De acordo com Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, o seis: «[…] marca essencialmente a posição da criatura ao Criador num equilíbrio indefinido. Esta oposição não é necessariamente de contradição; pode marcar uma simples distinção, mas que será a fonte de todas as ambivalências do seis […]. Pode pender para o bem, mas também para o mal, para a união com Deus, mas também para a revolta. É o número dos dons recíprocos e dos antagonismos, o do destino místico. […] O número seis é, ainda, […] o número da criação, número mediador entre o princípio e a manifestação. […] O número seis exprime-se pelo hexágono, ou melhor, pelo hexágono estrelado. […] Esta estrela é, no Ocidente, o selo de Salomão, ou o escudo de David […]. Exprime sempre a conjugação de dois opostos, um princípio e o seu reflexo invertido no espelho das Águas. Por isso se considerou o triângulo com o vértice para cima como exprimindo a Natureza divina de Cristo, o triângulo invertido a sua natureza humana, e sendo a estrela a união das duas naturezas». (Chevalier, Jean e Alain Gheerbrant. 2010. «SEIS». Em Dicionário dos Símbolos, traduzido por Cristina Rodriguez e Artur Guerra, 591-592. Lisboa: Teorema.)


A citação destacada remete apenas para a interpretação judaico-cristã do número seis e pode parecer uma mera divagação, mas penso ter mais interesse do que se possa pensar à primeira vista. As construções cristãs alicerçam-se sempre numa simbologia específica. O próprio local da construção dos lugares de adoração nunca é escolhido por acaso. Afinal, simbolizam a comunhão entre o humano e o divino.


Fotografia: Unsplash (Made from the Sky)

Segundo Manuel Joaquim Moreira da Rocha, a Capela do Senhor da Pedra começou a ser construída em 1763. O autor nota, também, a importância do hexágono na construção da capela: «Situada sobre o mar, ao fundo dum extenso areal, ergue-se sobre um maciço rochoso onde rebentam as ondas, um edifício centrado de base hexagonal, testemunho da devoção a Cristo Crucificado, prática que se enraíza aí a partir de meados do século XVIII e se mantém ainda hoje reflexo de religiosidades populares, cenário de manifestações místicas». (Rocha, Joaquim Moreira da. 1997. «Fundação da capela do Senhor da Pedra em Gulpilhares: um espaço centralizado junto ao mar». Em Poligrafia 6: 63-74.)

Nesta citação, damos conta da importância mística da capela e das tradições populares que surgiram em seu redor. Além disso, a localização misteriosa, junto ao mar, é, tal como o hexágono, duplamente significativa, podendo aludir tanto à vida como à morte: «O mar da morte, mas também da vida. O mar cultuado desde épocas recuadas por gregos e romanos, outrossim muito presente na cultura celta. Do mar surgiam correntes que podiam ser mortíferas ou vivificadoras. O mar omnipresente nas regiões costeiras preenche o imaginário popular […]. Estações que assinalam a fragilidade do homem frente à imensidão do horizonte inatingível e inexplicável de um cosmos que contém, necessariamente em si, o Criador».

Esta simbologia da localização também apontada por Rocha remete ainda para culturas pagãs anteriores ao cristianismo, o que parece realçar uma qualidade necessariamente mística naquele lugar.


O mar surge como uma força divina, fonte de vida e de morte. A construção religiosa é feita para ser o local onde o sagrado se manifesta ao ser humano. Esta rocha parece um local realmente apropriado para essa finalidade.


Fotografia: Ricardo Alfaia

Segundo a VortexMag, «[o]riginalmente, a pedra gigante era local de culto pagão, possivelmente celta. […] No âmbito cristão, celebra-se anualmente a romaria que comemora o Senhor da Pedra».


Existem várias lendas que tentam explicar a construção da capela sobre esta pedra. Há quem alegue que foi erigida como agradecimento de um marinheiro a Deus. Outros dizem que a imagem de Cristo que hoje habita a capela foi trazida pelo mar. Existe também uma associação a D. Sebastião. Diz-se, ainda, que uma luz aparecia sobre a rocha todas as noites e que foi interpretada pelos locais como um sinal divino.


Quanto à vertente mais sombria da mitologia deste lugar, diz-se que, na Capela do Senhor da Pedra, se realizam rituais de bruxaria durante a noite. Segundo um artigo da NCultura: «Este local ainda é visitado com frequência por pessoas que realizam nas traseiras da igreja rituais pouco ortodoxos. Esses rituais são descritos por muitos como “bruxaria” ou “feitiçaria”. É comum ver provas desse lado sombrio nas noites de lua cheia. As provas da realização de cerimónias estão nos restos de velas que se encontram em torno da capela. Existem outros elementos que podem ser encontrados que indicam que foram realizados estranhos rituais de magia negra».

Não posso provar a veracidade destes relatos, mas não deixam de ser uma característica interessante acerca deste sítio bastante peculiar.
Neste artigo, além de recordar os murmúrios que circulam sobre a Capela do Senhor da Pedra, procurei reforçar a possível interpretação sagrada deste lugar.

Agora, quem se atreve a visitá-lo?