O círculo das Sete Azinheiras e a Estalagem das Mestras

O nosso país está cheio de histórias, mas aposto que não sabiam que existe uma com canibalismo.

A história de que se fala remonta a tempos passados, na Aldeia de Água Travessa (outros dizem na Aldeia da Foz), localizada na freguesia de Bemposta, em Abrantes.

Os testemunhos são variados, e a história está também registada no mundo que nada esquece que é a Internet, para que perdure após o desaparecimento de todos aqueles que a sabem na ponta da língua ou nos recantos da memória. Terá sido primeiramente eternizada nas Histórias à Lareira de Isilda Jana. O nosso relato vem de um nativo da aldeia que ouviu a história ser contada pelos seus antepassados.

A Estalagem de Venda da Mestra (ou simplesmente Estalagem das Mestras) viu os seus serviços a mercadores e viajantes terem um fim durante um reinado português (uns dizem D. Dinis, outros dizem D. Luís — poria as minhas apostas no primeiro) e, segundo conta a lenda, terá sido o Rei a mandar encerrar a mesma.

A antiga localização da estalagem é conhecida por muitos dos habitantes, mas outrora o local era marcado pela presença de sete azinheiras, dispostas em redor da estalagem, num círculo perfeito, fornecendo sombra e esconderijo. O local foi, já tempos após a extinção do comércio lendário, alvo de procura relíquias, tendo os bem-aventurados encontrado moedas e potes antigos que juram ter pertencido à estalagem.


Lendas há muitas, mas nenhuma tão macabra como esta que, sendo ou não baseada em factos, não deixa de causar arrepios.


Em tempos de escassez de alimento, a dona da estalagem terá encontrado uma forma bastante peculiar de alimentar os seus hóspedes e, assim, manter o próprio sustento: as sopas, os caldos, ensopados e tartes eram, na realidade, compostos por carne humana. 

Foi com a chegada de incógnito hóspede que a filha da dona da estalagem terá referido, ao responder o que se servia para manjar naquele dia:
«Hoje, só cá temos a cabeça do meu pai.»

O hóspede, avisado pela filha da estalajadeira, e certo de que algo estranho ali se passava, decidiu de imediato encurtar a estadia e revelar ao Rei o crime que se cometia na Estalagem das Mestras. O rei português ter-se-á, então, deslocado ao local, acompanhado de leais cavaleiros do seu exército, pronto para invadir a estalagem. Combinando um sinal de aviso com as suas tropas, este terá entrado no estabelecimento e sido alvo de captura por parte da estalajadeira e seus empregados, através de um alçapão que o terá retido na cave do comércio.

Preparados para a emboscada, as tropas do Rei terão, aquando do seu aviso (diz-se um apito), invadido e destruído a estalagem. A dona de tão maldito local teve o seu fim da maneira mais horrenda possível, sendo dilacerada pela força de puxão de dois cavalos, aos quais os seus membros foram atados.

A filha da estalajadeira, que terá denunciado os atos horrendos orquestrados pela mãe, foi presentada com tudo o que desejava, ordens do Rei.

A história não fica por aqui, pois, tendo em conta esse passado sombrio, as sete azinheiras tiveram direito ao seu próprio mito urbano. Nos dias que correm, conta-se que, depois de a estalagem ter sido destruída, e as árvores permanecido, o local terá sido usado com regularidade para rituais de bruxaria. Cada azinheira estaria relacionada com uma bruxa e simbolizaria o seu legado — de cada vez que uma das sete bruxas perecesse, o seu dom deveria ser passado a uma filha ou filho. Caso essa passagem não ocorresse, uma azinheira secaria.

Seja por quebra da passagem dos dons de bruxaria, ou simplesmente porque tudo na natureza tem um fim, hoje, das árvores, no antigo local das Sete Azinheiras e da Estalagem das Mestras, já só se encontram vestígios.

Abrantes é uma cidade portuguesa no distrito de Santarém, com uma grande importância para a história de Portugal, e onde se pode visitar o Castelo de Abrantes, variadas igrejas e capelas, dois conventos e os mourões que remontam ao Império Romano. Cuidado só ao visitar; não vá alguma das azinheiras ainda estar de pé.


A Fábrica agradece à página Lendarium pela eternização das lendas do nosso país e agradece, acima de tudo, à nossa fonte direta, um jovem natural de Abrantes, por nos trazer, com tanta dedicação, as lendas da sua terra.