Locais a visitar: Ponte do Nejo (Lamego)

Certa noite, nos finais dos anos 70 ou inícios dos anos 80 do século XX, na freguesia de Penude, um rapaz caminhava de regresso a casa acompanhado por duas primas. Atravessavam a Ponte do Nejo iluminados apenas pela luz dos astros. As primas contavam ao rapaz impressionável uma história sobre um homem que se deslocava de bicicleta pela estrada que ligava as aldeias à cidade de Lamego e que matava os transeuntes solitários com uma longa e afiada tesoura. Os risos incrédulos desapareceram e os três estarreceram na ponte quando, ao longe, envolvidos no terror do mito urbano, viram uma luz que tremeluzia. Um homem encapuçado, de rosto impercetível, parou a sua bicicleta a alguns metros dos petizes. De respiração suspensa, os três primos tiveram apenas tempo de observar o homem a abrir a cesta para remover algo do interior, mesmo antes de começarem a correr estrada fora, a fugir. Não ficaram para descobrir mais — na sua cabeça, o Homem da Tesoura quase os tinha apanhado!

Esta é uma das muitas histórias que se conta sobre a Ponte no Nejo, mas a única que me foi contada por quem a vivenciou. Hoje em dia, o meu familiar ri-se quando a conta — duvido que se tenha rido na altura. As restantes provavelmente sofreram o acrescento de muitos detalhes e perderam a sua versão original, mas não deixam de ser cativantes.

A Ponte do Nejo é um troço da EN2, que liga as aldeias de Penude à cidade de Lamego, e onde, segundo os habitantes mais antigos, muitas coisas estranhas aconteceram ao longo dos tempos. A meio da encosta, foi, durante muitas décadas, a origem de histórias e lendas que assustavam os mais novos e os mais velhos. Nada, porém, impedia os habitantes das aldeias de se pendurarem nos seus limites, esperando as namoradas aos domingos. Mas apenas durante a luz do dia, quando era seguro.

Do lado da descida da encosta, suportando a própria ponte, existe um penedo onde o desenho de uma cruz, diz o mito, não foi ali gravado por nenhum homem, mas sim por uma criatura santa para afastar os males que caminham pela ponte quando o Sol adormece — as histórias sobre estas forças misteriosas são variadas.

Ponte do Nejo: o troço da EN2 que esconde mitos urbanos.

Diz-se que uma mulher encontrou dois cordeirinhos perdidos a meio da noite. Sentiu pena por eles, pequenos, sozinhos e expostos aos elementos, provavelmente perdidos do seu rebanho e pastor. Levou-os consigo e deixou-os na cozinha, junto à lareira acesa, para se aquecerem, determinada a procurar o dono na manhã seguinte. Fechou a porta atrás de si e desceu à loja para dar de comer aos porcos ou, como se dizia na altura, acomerar. Quando regressou à cozinha, os cordeirinhos tinham misteriosamente desaparecido.

Outro homem conta que viu as suas faces serem violentamente esbofeteadas por uma força invisível sob o luar, conseguindo escapar entre atos de violência praticados por mãos invisíveis. Mais tarde, regressou à ponte com um amigo, acompanhado do seu cão de grande porte, e não encontraram nada que justificasse o acontecimento. Não tinham sombra de dúvida — um diabo, ou algo semelhante, andava por ali.

Cheguei, também, a ouvir a história de um homem surpreendido por uma criatura monstruosa, semelhante a um penedo, que rolou ruidosamente encosta abaixo e bloqueou a passagem pela ponte. O homem exigiu permissão, mas a criatura negou-a. O humano manteve-se firme no seu desejo — tinha uma família a quem regressar. Perante nova insistência, a criatura pronunciou na sua voz do Além: «o que te vale é essa navalha de prata que trazes no bolso». De seguida, continuou a descer pela encosta, o estrondo da sua passagem ecoando no vale e fazendo tremer a água do rio, deixando a Ponte do Nejo desimpedida. O homem continuou o caminho até casa com a mão enfiada no bolso das calças — não contara a ninguém que a sua navalha era de prata.

Relembro-me da minha infância e das vezes que passámos, sempre de carro, pela Ponte do Nejo, durante visitas a familiares. Passadas de boca em boca durante décadas, as histórias chegavam-me aos ouvidos em tom de cautela, como palavras proibidas contadas pelos mais velhos, na hora do digestivo após os jantares de fim de semana. Eu ria-me — sempre gostei de uma boa história, seja real ou fictícia. Qual delas fica ao critério do leitor.

Hoje em dia, decerto, a ponte não desperta nos habitantes de Penude o mesmo temor que em tempos passados. Talvez até se tenham perdido estas e outras histórias. A Biblioteca de Lamego tem registo de algumas, desde a lenda da princesa Ardínia, que se apaixonou por um cavaleiro cristão e que foi morta pelo próprio pai, o rei mouro de Lamego, Alboazan, por se converter à fé cristã, à história de como uma fidalga enclausurada pelo pai, para a separar do seu amado, ergueu um cruzeiro em honra do Senhor do Bom Despacho, após este lhe conceder a liberdade através da morte do pai.

De qualquer forma, e mais importante, a ponte do Nejo encontra-se lá, entre arvoredos e casas recentemente erguidas por pessoas que desconhecem as forças misteriosas que nela marcaram presença. Nasça da minha imaginação, ou tenha origem numa qualquer força obscura residente na Ponte do Nejo, um arrepio faz-se sentir pelas minhas costas nas poucas vezes que a atravesso.

Podem visitá-la numa ida a Lamego, conduzindo paralelamente ao rio Balsemão, mas moderem a velocidade: a estrada está repleta de curvas acentuadas e nunca se sabe quando um penedo falador pode rolar pela encosta e bloquear o caminho. Se puderem, evitem o período noturno… não vá o Diabo tecê-las.

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À Junta de Freguesia de Penude: um agradecimento pelas fotografias enviadas. À Câmara Municipal e à Biblioteca de Lamego: pelos documentos disponibilizados contendo a lenda da Princesa Mártire de Lamego e a lenda do Senhor do Bom Despacho.