Lembro-me de quando mergulhei sem boias pela primeira vez. Devia ter uns sete ou oito anos.

Estava enrolado na toalha, com os dentes a tremer e com o sabor do cloro da água da piscina a enrugar-me os lábios. Bom, não era exatamente uma piscina, mas servia esse propósito. Era um tanque, na Quinta Municipal de Subserra.

Tinha os cabelos encharcados colados à testa e estava a explicar a um amigo como se fazia o mergulho «estilo bidão». Ao lado, o meu pai sorria, curioso.

O mergulho «estilo bidão» é uma coisa parva que inventei naquele momento (espero que a originalidade da ideia não seja contestada). É assim:

Mergulhar de pé, de corpo esticado, exceto os braços, à frente do peito, que fazem um círculo fechado com as mãos entrelaçadas.

Como o melhor é exemplificar, assim fiz. Larguei a toalha no chão, corri para a água (com o cuidado devido, pois o piso estava escorregadio) e lancei-me.

Quando voltei à tona, orgulhoso pela demonstração, vi o meu pai agachado na borda da piscina, com uma expressão algo apreensiva. Ele disse:

— Não te assustes.

Não me assustei.

— Não tens as boias.

Assustei-me.

Comecei a mexer as pernas e os braços, desajeitado, até chegar perto do meu pai. Lembro-me de que o percurso demorou menos tempo do que eu previa (estaria a talvez um metro de distância). Olhei para o meu pai. Depois, olhei para os meus braços, e as boias não estavam de facto lá. Senti-me leve. Olhei para o meu pai, de novo. Em seguida, apoiei os pés na lateral da piscina e fui a nadar até à outra margem. Fiz este percurso duas ou três vezes e o que pensei foi: já sei nadar sozinho.

Mas eu já sabia nadar. Faltava a confiança necessária para deixar as boias em casa.

Sinto que escrever é semelhante.

Sei que, se juntar palavras, construo uma frase. O medo reside em pensar que essa frase não tem qualidade suficiente para se transformar numa coisa literária. E provavelmente não tem. Ou, na maioria das vezes, não tem. Mas, para ter (e excluindo casos pontuais de genialidade), é necessário que se escreva de forma continuada. Se não tivesse nadado com boias durante dois ou três meses, não teria a confiança necessária para me aventurar sem elas.

Toda a escrita é treino.

E depois há um aspeto que, para mim, é o mais importante: nunca tencionei ser um nadador olímpico. Nado porque gosto, porque me diverte. E escrevo porque há histórias que quero contar; porque me divirto a escrevê-las. Não aspiro a ganhar um Nobel, embora, naturalmente, me sinta orgulhoso quando alguém diz que gostou de uma história que escrevi, da mesma forma que fiquei orgulhoso por ter nadado sem boias.

Agora: existem pessoas que não se ajeitam a nadar, seja lá por que motivo for. Algumas, com 40 anos, não sabem nadar. O importante é saber se querem ou não aprender. Há escolas e professores de natação. E há professores e escolas para a escrita. No meu caso, a escola foi a Escrever Escrever.

Não procuro, com esta coluna, ser uma figura de autoridade no que concerne à escrita. Procuro, sim, falar sobre alguns temas que acredito serem úteis a quem se quer aventurar no processo de escrever.

E como o tema desta Fábrica é o Terror, aproveito para dizer por que é que a minha escrita tende para este género:

Quando penso nesta história, há perguntas que me surgem imediatamente na cabeça. Os chamados e se?:

E se as boias me tivessem feito falta?

E se todas as pessoas que estavam na piscina se tivessem evaporado no preciso momento em que voltei à tona?

E se, quando estava dentro da água, um tentáculo me tivesse agarrado numa perna e puxado para o fundo do tanque?

E se?

Francisco Horta

Um dia, arriscamos a entrar dentro da cabeça do Francisco como as personagens do «Being John Malkovich». Mas ainda não estamos preparados para isso. Até lá, deixamos que ele vos envolva na sua coluna. Francisco Horta nasceu em Vila Franca de Xira, em 1987, e foi criado na Subserra. Licenciou-se em Filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa. Vive em Almada, com a mulher e a filha.