MOTELX 2024: Os últimos cartuchos
O homem foi o verdadeiro monstro de domingo.
Oddity e O Procedimento foram os grandes vencedores de 2024.
Despedimos-nos do 18.º MOTELX com a sensação de que cada edição é um bom regresso a casa. E lá estaremos em 2025, de 9 a 15 de setembro. Talvez com uma sequela da nossa antologia, o terceiro volume de Os Melhores Contos da Fábrica do Terror — pelo tamanho do público no lançamento do volume 2, sabemos que há vontade de continuar a ler bom terror português.
The Devil’s Bath, de Veronika Franz e Severin Fiala
Pela dupla Veronika Franz e Severin Fiala, as duas mentes responsáveis por Goodnight Mommy e The Lodge, chega-nos The Devil’s Bath, um drama histórico com elementos de terror que se foca no pior monstro do século XVIII: os humanos. Debruçando-se sobre os papéis de género, doença mental e a sombra brutalmente presente da doutrina cristã, The Devil’s Bath retrata as exigências, as desilusões e as dificuldades de Agnes (Anja Plaschg) ao ser entregue a um casamento sem ternura, enquanto tenta corresponder às exigências sociais do papel de esposa. The Devil’s Bath, que estreou no passado dia 14 de setembro, na sala Manoel de Oliveira, na 18.ª edição do MOTELX, é uma escolha certa para quem gosta de um slowburner que fuja um pouco ao terror.
The Soul Eater, de Alexandre Bustillo e Julien Maury
Baseado num livro de Alexis Laipsker, que infelizmente ainda não se encontra traduzido para português, The Soul Eater é uma longa-metragem da autoria de Alexandre Bustillo e Julien Maury, a dupla responsável por The Deep House e Leatherface. Apesar de se afastar do género de terror no qual os realizadores se têm vindo a estabelecer, o filme é uma mistura de mistério, thriller, crime e terror com uma trama bem estruturada e cheia de camadas. Numa cidade remota, um conjunto de homicídios horripilantes vem despertar a atenção dos investigadores para a lenda de um comedor de almas. Com o desempenho justo de Virginie Ledoyen e Paul Hamy, The Soul Eater é um filme sobre a crueldade do ser humano.
Cuckoo, de Tillman Singer
Escrito e realizado por Tillman Singer, mente responsável por Luz, Cuckoo é uma mistura de terror, mistério e suspense, com muita criatividade por trás da «criatura» que domina o resort para onde Gretchen (Hunter Schafer), juntamente com a família, se muda após a morte da sua mãe. Não podendo revelar muito sobre o argumento e o desenrolar da trama — a Fábrica é totalmente contra spoilers —, basta apenas dizer que é um filme sobre a preservação da natureza levada ao extremo, o ciclo repetitivo e paralisante da perda e do luto, negligência parental e a inescrupulosa mente humana. Com uma brilhante atuação de Dan Stevens, cuja carinha laroca nasceu para fazer de vilão, Cuckoo deixa mais questões do que aquelas a que dá resposta, não falhando, é certo, no entretenimento dos espectadores.
The Surfer, de Lorcan Finnegan
Nicolas Cage marcou uma forte presença no 18.° MOTELX, primeiramente com a antestreia de Longlegs, na conferência de imprensa de apresentação do programa de 2024, e depois com The Surfer, na sessão de encerramento no passado domingo. Pela visão de Lorcan Finnegan e Thomas Martin, The Surfer está repleto de masculinidade tóxica, bairrismo e teimosia. Com uma atmosfera altamente perturbadora em que os mais sensíveis sentirão vergonha pelas personagens e os mais irascíveis irão querer pregar um par de bofetadas a cada pessoa fictícia, The Surfer consegue prender todos os espetadores na ânsia de saber até onde os sonhos e traumas de infância se impõem à tortura psicológica e ostracização dos adultos. Relembrando também a temática da boa educação e passividade e da afirmação e domínio masculino de Speak No Evil, The Surfer floresce na influência da identidade e da pressão de pares na conduta humana.