MOTELX: Crítica às curtas-metragens portuguesas

Secção Prémio SCML MOTELX – Melhor Curta Portuguesa

Há anos do MOTELX em que a curta-metragem vencedora se revela logo (foi, por exemplo, o caso do filme Thursday Night, de Gonçalo Almeida, em 2017). Este ano, não nos pareceu que o júri tivesse a escolha facilitada. É bom sinal.

De:
Cláudio André Redondo
Maria Varanda
Pedro Lucas Martins
Sandra Henriques

Vórtice, de Guilherme Branquinho – Melhor Curta Portuguesa

Em Vórtice, o realizador Guilherme Branquinho consegue entregar um permanente estado de tensão. A história segue um condutor que tenta sem sucesso encontrar um lugar de estacionamento, havendo uma boa harmonia entre a representação de Cristóvão Campos, o argumento e a realização, com movimentos de câmara que oferecem uma ligação ao título, ao tema e ao estado de espírito do protagonista. Deixa-se, e ainda bem, à interpretação do espectador o que a curta-metragem poderá significar, além do que o final — que, mesmo não sendo inédito, está de parabéns por não se deter numa reviravolta mais fácil — esconde nas entrelinhas.

Nada como ver para descobrir.

Reverso, de André Szankowski – Menção Honrosa

Com argumento de Afonso Pimentel, que também é o único ator do elenco, à exceção da curtíssima aparição de uma atriz secundária, Reverso é um monólogo de um gémeo sobre a inveja que sente das diferenças e dificuldades que a vida lhe colocou, em oposição à facilidade e popularidade que ofereceu ao seu irmão gémeo Peter. Faz um atraente uso de cor e jogo de luzes e a ideia de ser um monólogo de um homem perturbado a desabafar para uma dançarina exótica é útil em demonstrar as inaptidões sociais do mesmo, indicando um homem solitário sem real rede de apoio.

Em Reverso, as imagens de nudez acabam por não ter importância para o contexto e parecem servir apenas para chocar/atrair espectadores. A criticar ainda a língua usada: temos uma curta a concorrer em Portugal, com elenco e equipa portuguesa, mas é falada em inglês, desvalorizando a língua materna (não vale aqui discursos de aplicabilidade no estrangeiro — é para isso que servem as legendas). Quanto ao enredo em si, a reviravolta não é surpreendente, dado ser expectável após todo o monólogo, mas parabéns ao modo natural como é mostrado em cena.

Cemitério Vermelho, de Francisco Lacerda

A Fábrica ainda nem tinha um mês quando descobrimos o Azoresploitation através da curta-metragem Karaoke Night (que podem ver, na íntegra, aqui)  e da entrevista ao realizador (disponível aqui). Desde essa altura, sempre que vejo um filme do Francisco Lacerda estou à espera que ele seja igual a ele próprio. Nesse sentido, o western spaghetti açoriano Cemitério Vermelho não desiludiu, tirando talvez o facto de ter poucos elementos de terror para o meu gosto (e para este festival), mas, de qualquer das formas, Lacerda não se identifica como realizador de um género em particular. No ecrã, sempre presentes, as personagens caricatas (a que o Francisco Afonso Lopes dá o corpo, a cara e o sotaque carregado) e as paisagens dos Açores.

Matrioska, de Joana Correia Pinto

Uma mulher presa e a ser torturada é observada por dois homens e uma mulher, numa espécie de instalação artística que satisfaz os desejos sádicos dos seus observadores (um mais do que os outros). Se, por um lado, aprecio ver este tipo de histórias mais violentas a serem realizadas por mulheres (há que combater a perceção de que somos flores de estufa), por outro, gostaria que Joana Correia Pinto tivesse ido mais fundo (em close up, mesmo, sem medos). De salientar que este filme, antes de chegar ao MOTELX, foi feito no âmbito do 48 Hour Film Project Lisboa, em que os participantes têm apenas 48 horas para desenvolver todas as fases de um filme. Sabendo desse desafio, é uma história de terror bem conseguida.

Cronos, de João Pico

Com argumento de Marta Taborda (que também assume o papel de protagonista e a produção do filme), a sinopse deste filme intimista sobre um casal a tentar ter um filho revela muito pouco de terror. E ainda bem; é esse o objetivo. O que podem ter de terror os (aparentes) problemas de fertilidade, sem que a história inclua o recurso (que seria, aliás, demasiado previsível) ao sobrenatural e às mezinhas caseiras? À medida que esta história se desenrola, em menos de 15 minutos, o espectador é sugado para uma realidade que preferia não ver (mas à qual é forçado através de planos apertados e prolongados). Revela-se muito em tão pouco.

Vara, de Inês Albuquerque

Diz a sinopse deste filme que «num mundo patriarcal, duas mulheres de força ganham a vida a caçar.» Não precisava de ver a curta para perceber o que as duas protagonistas caçam, mas sinto que a mensagem fica um bocadinho aquém quando me parece que o motivo por trás da caça é apenas «porque sim». Compreendo a necessidade da afirmação feminista, de desequilibrar os pratos da balança até que os possamos equilibrar, mas preferia terror menos gratuito.

 

The Muppet Face, de Ricardo Machado

Quando conversei com o realizador sobre este filme, ainda não o tinha visto e, por isso, pedi-lhe que tentasse falar desta curta sem revelar muitos pormenores. Sabia, por isso, o essencial: esta era a origin story de um assassino em série, baseado numa personagem de David Rebordão (e da sua curta Killies). Como todos os serial killers que se prezem num slasher, são os relacionamentos desencontrados que os «levam» a matar. The Muppet Face não é exceção. Pode ser uma história igual a tantas outras, mas só aquela máscara merece um filme longo.

Quando a Terra Sangra, de João Morgado

Uma praga mortal e uma aldeia moribunda, uma família quase às portas da morte e uma slot machine. Esta é a tentativa surrealista de João Morgado em abordar o desespero, de um Homem (personagem principal) e de uma comunidade. Não deixa de ser um bom exercício, mas preferiria ver uma história (mesmo que surreal) mais focada no desentranhar da alma que o desespero de perder a Mulher e o Filho provoca no Homem. Às vezes, menos é mais. Este é um desses casos.

O Caso Coutinho, de Luís Alves

Um homem que parece resistir de forma serena (numa excelente interpretação de Vítor Norte) a uma insistente campainha (de tal forma estridente, que o desconforto me levou a ter vontade de tirar o som; esqueci-me de que estava num cinema). À medida que o ataque, de várias frentes, sobe de intensidade, cresce também a ansiedade (nossa e do protagonista). Uma, infelizmente muito comum, história de gentrificação levada ao extremo do terror psicológico.

Uma Piscina, de Carolina Aguiar

Duas irmãs conversam à beira de uma piscina acerca da vida. Uma delas desaparece. A outra procura desesperadamente por ela. Uma curta simples, com uma fotografia interessante, mas com uma história muito básica e previsível.

Igor, de Rafael Almeida

Igor acorda num quarto escuro com três portais e uma voz que lhe diz que tem de escolher um deles. Cada uma das suas escolhas leva-o a um mundo diferente, um mundo típico de diferentes videojogos onde tem de lutar para sobreviver e chegar ao fim de cada nível. Uma curta interessante e original que peca pela utilização de voz off em inglês por um não nativo, o que infelizmente se nota. Ainda assim, diferente e divertido que baste.

Misericórdia, de Gonçalo Loureiro

Filme visto pela nossa equipa e crítica previamente publicada a 27/04/2022

Com o intuito de acompanhar a música composta por João Pedro Pinto, Misericórdia, de Gonçalo Loureiro, é um «poema visual» de terror, com uma fotografia invulgar dentro do preto e branco, e que resulta na perfeição no tema proposto. Os elementos mitológicos conferiram uma aura mística, e o órgão de tubos dá um toque medieval a esta história em que uma mulher vestida de branco vagueia pela floresta e encontra um vulto negro. Depois de entrar na água, dá-se a libertação desta jovem que volta a surgir com um manto, olhos brancos e a flutuar. É inevitável questionarmos se esta personagem não terá despertado para uma nova realidade espiritual ou até mesmo se não se terá transformado numa deusa que adquiriu novos poderes. É, sem dúvida, uma curta-metragem com várias interpretações e que consegue envolver-nos no seu universo misterioso.