MOTELX: Crítica às Curtas Para Maiores de 10 Anos

Secção Sustos Curtos

Já estamos a contar que o Lobo Mau pregue sustos curtos, mas, nesta 17.º edição do MOTELX, eles foram além disso. Vieram em duplicado e repartidos por dois dias para nos deixarem tomar fôlego. 

Marta Nazaré

Das dez curtas-metragens apresentadas na sessão destinada a pré-adolescentes, quatro eram portuguesas. Com jovens como protagonistas e/ou realizadores, prometiam despertar sensações fortes no público. Algumas tiveram mesmo um sucesso gritante.

 

Criámos uma História de Terror, de Bernardo Gramaxo (Portugal, 2023, 9’)

Esta história de terror foi criada por um grupo de onze jovens da Escola Dr. Azevedo Neves. O auditório da escola foi o palco escolhido para documentarem algo muito sério: enfrentar e desmistificar os medos. Numa sessão de improviso divertida com gritos e macacadas, os jovens desabafam com a câmara, contando-nos os seus maiores receios. Percebemos, também, que alguns são mais reais do que contávamos.

Ouvimos falar de caçadores de tesouros que matam monstros, de celebridades que afinal eram zombies e pertencem aos Illuminati, de palhaços assustadores, de bonecas que aparecem em casas e matam pessoas, de barulhos quando estamos sozinhos em casa, de quartos escuros onde podem estar aranhas ou palhaços e de motoristas que aliciam meninas a entrar em carrinhas. O medo de falar para a câmara, contudo, não estava na lista destes corajosos protagonistas.

E, como é esperado numa curta de terror infantojuvenil, as palavras de cautela: não aceitar nada de estranhos, não entrar (ou assaltar) casas velhas porque podem estar assombradas e, o mais importante, não esquecer o sentido de humor.

De uma coisa tenho a certeza, os medos destes jovens perderam a força depois desta experiência. Será difícil voltarem a assombrá-los. E foi isso que fez desta curta uma das mais notáveis da sessão.

 

O Sonho da Máquina, de LoTA Gandra (Portugal, 2022, 8’)

Os protagonistas desta história são do Porto e estão envolvidos num projeto de teatro e cinema, desenvolvido entre 2021 e 2022, com o Teatro de Ferro e a Quantificar Para Incluir. A premissa da aventura em que embarcam, embora surreal, pretende alertar-nos para um tema muito presente na nossa sociedade: o domínio da máquina sobre o ser humano. Num mundo em que as máquinas subjugam ao ponto de impedirem o homem não só de sonhar, mas de sonhar humanamente, os adolescentes da história decidem pôr mãos à obra e recuperar o que perderam.

Entrar no «sonho da máquina» foi um desafio de túneis de ventilação claustrofóbicos até chegar ao destino. A partir daqui, dado o argumento forte e o desempenho admirável dos jovens atores, gostava de ter visto um final mais bem elaborado e menos lugar-comum.

 

Leviatã, de David Mateus (Portugal, 2023, 5’)

A curta-metragem de David Mateus começa com a frase «homo homini lupus», divulgada pelo autor Thomas Hobbes na obra que apelidou de Leviatã. Significa «o homem é o lobo do homem», pois ameaça a sua própria espécie, destruindo os seus. Perante isto, a problemática de Raul ganha outros contornos.

À chuva, numa paragem de autocarro, em dia de greve, o jovem Raul não consegue chegar a casa. Além da situação difícil a que é completamente alheio, teme estar sozinho na paragem com um homem de aspeto duvidoso que olha alucinado para uma barata (ou escaravelho) que tem nas mãos. Não se trocam palavras, mas a tensão é palpável.

As aparências iludem, porém, é a conclusão a tirar desta animação sombria, bem conseguida, e com um tema que não nos é indiferente. Talvez, daqui para a frente, devêssemos evitar sair à rua em dias de greve e de chuva, uma combinação claramente catastrófica.

 

Voyant, de Yu Yu (EUA, 2016, 3’)

Com personagens de cartão e papel de seda a simbolizar a fragilidade das relações entre as pessoas, esta animação stop-motion transporta-nos para um mundo alternativo. As pessoas têm câmaras de filmar no lugar das cabeças, à exceção da protagonista, que nos leva a interpretar esta curta-metragem como uma representação da dependência de «estar ligado à rede», de saber-se tudo a respeito de todos, de sermos vigiados constantemente.

Numa atmosfera pesada e cinzenta, uma jovem vive triste e angustiada, sempre a ser observada por pessoas e por câmaras instaladas nas ruas. A mensagem poderosa ganha ainda mais força no final, ainda que este seja esperado a dada altura. A magnitude do impacto causado dispensa palavras.

 

Lock, de Kody Zimmerman (Canadá, 2022, 3’)

O nosso quarto é um lugar de refúgio, um espaço seguro onde crianças e jovens nada devem temer. Mas se, de repente, estamos sozinhos e ouvimos um barulho estranho, a curiosidade leva-nos a investigar.

O jovem desta curta-metragem encontra-se no quarto a tocar guitarra quando ouve alguns barulhos. A cena está montada para criar tensão, pois só algum tempo depois percebemos que é de dentro de uma arca, fechada a cadeado, que vem o ruído. A banda sonora, juntamente com o ambiente do quarto — de tom sombrio, com decorações alusivas ao Dia das Bruxas e uma televisão a passar um filme a preto e branco inquietante —, envolvem o espectador num crescendo controlado até ao desenlace perturbador da história que, na minha opinião, peca por ser um final já visto.

 

Lovely Girl, de CHOI Bong-Su, (Coreia do Sul, 2007, 1’)

Nada no cartaz amoroso ou na sinopse inofensiva desta animação circular de CHOI Bong-Su nos prepara para o que vamos ver. Somos apanhados de surpresa com o destino da menina tão pequena como um polegar. O fator choque, que chega a ser excessivo, é intensificado pelo visual e pela sonoridade. É realmente uma curta-metragem imperdível.

 

O Tempo Mata, de Joaquim Coelho (Portugal, 2023, 8’)

Já todos sabemos dos perigos de trazer para casa objetos que encontramos, pois não sabemos de onde vieram nem o que podem trazer com eles.

O namorado da protagonista, o próprio Joaquim Coelho, encontrou um livro com símbolos estranhos perto de um armazém, assim como um relógio numa casa onde terá de fazer um ritual para livrar-se de algo que estes itens despoletaram. Embora esta parte da história esteja um pouco confusa, percebemos que o ritual correu mal. O relógio começou a dar horas, o rapaz a sentir náuseas e dores de cabeça, levando depois ao trágico acidente de carro que o vitimou. A maldição recomeça quando a namorada vai recolher os seus pertences e depara com os objetos em questão. Também ela fica em apuros.

A dificuldade em perceber o que a atriz principal está a dizer em certos pontos, a presença de discurso pouco usado na oralidade e as falhas no argumento são compensados pela boa fotografia, pela escolha de banda sonora, que contribuiu para o acumular da tensão juntamente com sons perturbadores, pelo empenho dos atores e pelo final em aberto.

 

Crab, de Piotr Chmielewski (Polónia, França, 2022, 8’)

O caranguejo desta animação stop-motion vive com medo, dentro das quatro paredes de vidro de um aquário, na cozinha de um restaurante. A partir do momento em que o chef o retira do aquário, vemos toda a ação desenrolar-se a partir dos olhos de um caranguejo, num misto bem conseguido de tristeza e pânico. E tudo o que esta amigável criatura quer é escapar ao seu destino: não fazer parte da ementa.

O realizador Piotr Chmielewski é conhecido pela abordagem de questões sociais nos seus trabalhos. Nesta curta-metragem, está presente a preocupação em mostrar eventos históricos importantes, em plano de fundo, da perspetiva que menos esperamos, a dos animais que os testemunham. Realmente, a desgraça de uns pode ser a sorte de outros.

 

Bloody Mary, de Alexander Rönnberg (Suécia, 2016, 3’)

Quem não conhece ainda a lenda de Bloody Mary? É tudo um jogo, dizem-nos. De certeza que foi isso que levou esta jovem corajosa a dizer três vezes o famigerado nome em frente ao espelho, à noite, com velas a alumiar. E que representação espantosa a desta atriz numa curta-metragem que dependia muito da sua interação com o espelho. Aquele jump scare de que os veteranos do terror já estavam à espera arrancou gritos estridentes a elementos do público «menos avisados».

 

Summer ‘94, de Basti Schwarz e Oliver Schwarz (Alemanha, 2022, 15’)

Os três amigos Alex, Niklas e Tim tentam aproveitar ao máximo as férias de verão que esperam ser aborrecidas. Enquanto procuram o sítio perfeito para construir uma casa na árvore, encontram uma habitação abandonada no meio do bosque. A curiosidade levou a melhor, já se sabe, e decidem explorá-la. No interior, encontram um caminho feito de pastilhas elásticas, muito ao estilo do conto de fadas Hansel e Gretel, que os leva para a cave escura da casa. O espectador espera a resolução da história no momento em que um dos amigos decide entrar no escuro sem lanterna, ou até mesmo um jump scare, mas esta curta-metragem tinha outros planos.

Embora a «piscadela de olho» ao popular conto de fadas nos tenha feito antecipar o vilão da história, o desempenho dos jovens atores foi espantoso — assim como os efeitos especiais no final — e marcado pelo bom humor de três rapazes cuja maior preocupação era apanharem um raspanete da mãe.

Foi a segunda curta-metragem a arrancar gritos ao público, fechando com chave de ouro esta primeira sessão de Sustos Curtos.