MOTELX: Crítica às Curtas Para Maiores de 6 Anos

Secção Sustos Curtos

A segunda sessão de Sustos Curtos, destinada a crianças a partir dos seis anos, compilou 13 curtas-metragens que foram a competição para o Prémio Lobo Mau pela primeira vez. Entre elas, estavam cinco portuguesas. No final da sessão, um júri de três jovens anunciou os vencedores. 

Marta Nazaré

Cliffhanger, de Diederick Geers, Jelle Janssen, Jasper Loos (Países Baixos, 2020, 2’)

Em tom de comédia de ação, os realizadores desta curta-metragem reuniram vários momentos de suspense cinematográficos que iniciaram com um tiroteio entre um rapaz e um xerife. Um tiro projeta o nosso herói para dentro de um poço, acelerando o ritmo de uma aventura entusiasmante, divertida e imaginativa. É uma animação que nos deixa «suspensos», cumprindo na perfeição aquilo a que se propôs.

 

A Boneca de Kafka, de Bruno Simões (Portugal, 2022, 11’)

O realizador Bruno Simões trouxe-nos uma animação baseada numa história conhecida, publicada em vários jornais, na qual o escritor checo Franz Kafka terá ajudado uma criança desconhecida a ultrapassar a perda da sua boneca. Através de cartas, o autor relatava as viagens fictícias da boneca, transformando uma realidade amarga numa versão doce povoada de imaginação, ensinando à menina que nada na vida é permanente. E esta curta-metragem não se deteve no relato de factos. Deu o salto para o mundo da fantasia no qual Kafka é alvo de uma maldição. Toda a história fica, assim, envolvida numa atmosfera pesada de mau agoiro.

Embora com um argumento demasiado adulto e complexo para meninos pequenos, A Boneca de Kafka entrosou bem a realidade com a fantasia, despertando um misto de sensações no público que aguardava o desfecho, embora previsível, da história.

 

Spin & Ella, de An Vrombaut (Bélgica, 2023, 7’)

Uma casa aqui, uma harpa acolá, a fada Ella e a amiga aranha levam alegria aos habitantes da árvore construindo objetos com teias mágicas. Certo dia, enquanto comunicavam em formas geométricas através do pensamento, desentenderam-se a respeito do desenho que iam tecer. Cada uma foi para seu lado, mas rapidamente perceberam que a «magia» não resulta uma sem a outra.

Histórias simples também transmitem mensagens fortes e esta animação amorosa ensina-nos que a amizade é um bem precioso, com o condão de desembaraçar os nós de qualquer desavença.

 

A Mulher do Médico, de Bruno Simões (Portugal, 2021, 3’)

Casando o género da comédia com o do terror, a segunda curta-metragem de Bruno Simões nesta sessão narra-nos as peripécias hilariantes de um médico ginecologista para ajudar a sua mulher a ultrapassar a dor da infertilidade. O gato que lhe oferece acaba por fugir. O queque do pequeno-almoço quase a sufoca. Uma abelha escondida no ramo de flores que ele lhe oferece com tanto amor enfia-se no nariz da esposa, provocando-lhe um ataque de espirros. O crescendo de situações caricatas muito bem engendradas nesta animação culmina com um desfecho trágico-cómico bem conseguido e uma reviravolta inesperada.

Mi Vida En Tus Manos, de Nuno Beato (Portugal, Espanha, 2009, 8’)

Mi Vida En Tus Manos leva-nos até Espanha, onde um matador português famoso, El Matador, se prepara para realizar uma faena. Com ele, está o filho Pedrito que, à semelhança de muitas crianças, sonha ser como o pai. Tudo corria bem até ao momento em que, numa dança artística em tons de castanho, o menino encontra o touro, e a ligação que desenvolve com ele é de tal ordem forte que «os dois se tornam um só». Não se augura nada de bom quando o touro está prestes a dar entrada na arena.

Como se de um quadro vivo se tratasse, o destino de três personagens interliga-se nesta animação criativa, cujo objetivo é defender os animais e expor os danos das touradas.

 

The Scream, de Charlotte Chouisnard, Ninon Dodemant, Baptiste Leclerc, et al. (França, 2020, 5’)

Um grito estridente ecoa num bairro residencial. Penas aparecem a voar não se sabe de onde. Estes acontecimentos estranhos e dignos de um policial despertam primeiro a curiosidade de um gato. Depois de encontrar uma pata num contentor de lixo, o gato apresenta-a aos outros animais de estimação: um cão e dois pombos. Está reunida a equipa que, embora com elementos receosos, de tudo fará para desvendar este mistério, mesmo que a própria vida esteja em perigo.
O humor em pontos estratégicos, a banda sonora e a expressividade espantosa dos animais compuseram magnificamente esta animação de imagens geradas a computador, um claro tributo a Alfred Hitchcock.

 

Creature from the Lake, de Renata Antunez, Alexis Bédué, Léa Bresciani, et al. (França, 2017, 5’)

A ação passa-se nos anos 80. Um caçador de monstros experiente e arrogante, vedeta de um programa de televisão de baixo orçamento, e a sua medrosa e desastrada assistente de câmara dirigem-se a um lago remoto, numa noite de lua cheia envolta em nevoeiro. Percebemos que vão com o intuito não só de filmar, mas também de capturar a criatura que lá reside, pois com eles está uma arma de tranquilizantes.

Creature from de Lake segue a tendência de algumas animações desta sessão, no sentido de prestar homenagem a clássicos. São visíveis as parecenças com Creature from the Black Lagoon, embora nesta curta-metragem o anfíbio se apresente como uma criatura verde com uma fisionomia engraçada. Apesar da tentativa de despertar no público medo do monstro aquático em determinados momentos, só as personagens reagem a ele dessa forma. Não vamos ter um desfecho previsível em que o homem exerce poder sobre a criatura ou vice-versa. Não. É algo muito melhor.

 

Estória do Gato e da Lua, de Pedro Serrazina (Portugal, 1995, 5’)

Numa série de contrastes e transições entre a luz e a sombra, esta narração curta apresenta-nos a história de um gato preto obcecado pela lua branca. É uma atração tão grande que vemos o gato saltar de telhado em telhado, a viajar pelo mundo numa embarcação e a perder-se na escuridão da noite, para cair continuamente em desilusão e desespero pela amada que não consegue alcançar.

Esta busca dolorosa de felicidade compõe um argumento demasiado complexo para crianças, mas tal não invalida a sua beleza poética e musicalidade.

 

São Só Diabretes, de Alunos da Escola Básica Maria Pais Ribeiro, Leonor Pacheco, Dimitrije Mihajlovic (Portugal, 2024, 3’)

Quantas crianças no mundo têm dificuldade em adormecer? A menina desta animação vê monstros sempre que fecha os olhos. Eles saltam, pulam, dançam ao ritmo da música, acompanhados por um jogo de luzes. Mas manter os olhos abertos é difícil e acender a luz ajudou ainda menos.
Será que a menina da história vai acreditar no título desta curta-metragem e confiar que as criaturas são só travessas e não lhe querem mal?

 

Biscoitos de Cão, de António Alves (Portugal, 2023, 7’)

O realizador António Alves trouxe-nos as peripécias do rato Borges, que sofre de uma terrível dor de dentes. No início, vemo-lo de volta dos biscoitos de cão. De repente, vemo-lo louco para conseguir entrar no frigorífico. Mas há um obstáculo: o cão de guarda. A dada altura, o rato parece desistir de tentar entrar no frigorífico e fica subitamente mais interessado num chapéu. Depois, percebemos que quer entregá-lo ao cão, talvez como uma oferta de paz ou uma tentativa de suborno.
O surrealismo e pouca coerência do argumento podem muito bem ser associados à dor de dentes do pobre ratinho que passou a animação inteira alucinado, sem saber muito bem o que fazer.

 

Cut!, de Philippe Kastner (República Checa, 2023, 1’)

Num mundo em que é norma fazer-se várias coisas ao mesmo tempo (o dito multitasking), a irritabilidade por não nos conseguimos desdobrar é constante. É assim que se sente a ovelha desta história. Ao ter de cozinhar e atender o telefone em simultâneo, percebe que as duas tarefas não são compatíveis. A animação Cut! pode ter encontrado uma solução (macabra) para os nossos problemas.

 

Aaaah!, de Osman Cerfon (França, 2023, 5’)

A animação Aaaah! veio mesmo a propósito da curta-metragem anterior. É uma interjeição que expressa irritabilidade, mas expressa muito mais do que isso: um sentimento, uma chamada de atenção, uma ordem, um pedido, uma reação súbita (de dor, alegria, admiração, fúria, etc.) e até mesmo uma canção. São tantas as formas de «aaaah» que o realizador Osman Cerfon demonstra numa animação inteligente e cómica em que o palco é uma escola e as personagens crianças. E o que seria do mundo sem o «aaaah»? Esperem pelos créditos finais para ficar a saber.

 

Zomvely, de CHOI Chan-mi (Coreia do Sul, 2018, 4’)

Kid é um menino que adora o Dia das Bruxas, mas nem mesmo no seu dia preferido deixa de ser gozado e ostracizado pelas outras crianças.
Pegando num tema sempre atual, a crueldade das crianças umas com as outras, a realizadora CHOI Chan-mi adicionou um elemento fantástico à narrativa: um zombie. No início, o público é levado a pensar que Kid tem os dias contados quando encontra este zombie num beco mal iluminado, mas a história passa de dramática e assustadora para cómica e divertida numa transição muito bem conseguida.

A partir do momento em que percebemos que este zombie é amoroso, cor-de-rosa e dá beijos em vez de dentadas, deixamos de temer pela vida do rapaz e começamos a torcer para que não fique maldisposto (literalmente) com tanta fofura. Até a tentativa de jump scare desta curta-metragem é fofinha, concluindo de uma forma ternurenta e aconchegante a segunda e última sessão de Sustos Curtos da 17.ª edição do MOTELX.

No fim, aguardámos com impaciência e suspense (regressando às emoções despertadas pela primeira curta-metragem a ser transmitida). Os membros do júri anunciaram o veredicto, justificando as suas escolhas.


Mi Vida En Tus Manos, do realizador Nuno Beato, foi a grande vencedora pelo efeito de luzes utilizado para explicar os sentimentos das personagens, pelo exemplo de empatia demonstrada para com os animais e pela alusão importante ao papel da cultura nas touradas.


São Só Diabretes, dos alunos da Escola Básica Maria Pais Ribeiro, Leonor Pacheco e Dimitrije Mihajlovic, arrecadou uma menção honrosa pelo magnífico jogo de cores com efeitos sonoros que explicavam o medo de uma criança.