Entrevista a Marta Taborda, argumentista e produtora de «Cronos»

«Acho que não há muitas mulheres a assumirem a realização em Portugal, muito menos a nível de terror»

Argumentista, produtora e protagonista de Cronos (uma das curta-metragens que competiam pelo Prémio SCML MOTELX – Melhor Curta Portuguesa 2022), Marta Taborda falou connosco sobre este filme e um projeto futuro em que gostaria de assumir o papel da realização. Espero que se concretize, porque precisamos de mais mulheres na realização e no terror.

Quando conversámos, ainda não tinham sido anunciados os vencedores desta edição, mas continuo a considerar esta curta como uma forte concorrente. Espero que o filme não caia em esquecimento depois do festival. 

Sandra Henriques

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De onde surgiu a ideia para a curta-metragem Cronos?

A ideia surge de uma premissa que é «quais são os limites? Quais são os limites do ser humano, até onde é que as pessoas são capazes de ir?» Isto surgiu numa fase em que havia muitas notícias na comunicação social sobre o mesmo assunto, com as suas variantes. Não quero estar a dizer exactamente o que é, para quem não viu [o filme], mas havia muitos casos na comunicação social que tinham um ponto em comum, e isso despertou em mim o pensamento de «porquê? Tem de haver alguma razão muito forte que leve a pessoa a este limite». E então foi um bocadinho o mote para quais são os limites, o que é que poderá despoletar uma situação destas.

 

Numa curta de 9 minutos…?

14 minutos e 31 segundos! [risos]

 

Olha, nem dei pelo tempo a passar, o que é bom sinal! Mas, numa história tão curta, tu obrigas o espectador a ver. Não passas para a cena seguinte até ele ser confrontado com aquilo que está a acontecer. E nesse sentido, é um exercício visual muito visceral. Dizias-me que esta é a tua primeira curta-metragem?

Enquanto argumentista e enquanto produtora, sim. Fiz várias enquanto atriz.

 

Que diferenças sentes nesses papéis? Se te dissessem que só podias escolher um desses papéis, qual é que escolherias?

Sem dúvida, atriz. Não é que dê menos trabalho. Eu acho que é aquilo que me preenche, na verdade. Se bem que acabam por estar interligadas, porque o ator conta uma história e, neste caso, conto a minha história. Nas outras vezes, enquanto atriz, estou a contar a história dos outros, mas sou sempre uma contadora de histórias. E muitas vezes, enquanto atriz, encontro a situação de o argumentista escrever uma história, o realizador ler essa história à sua maneira, e o ator ler essa história de outra maneira. Aqui, eu pude, de alguma forma, fazer uma comunhão entre tudo. Enquanto argumentista, sempre quis que o filme fosse muito simples, jogar com o «menos é mais». Isto é só um casal que quer ter um filho. Portanto, a expectativa é: «OK, é só um casal, mas o que é que vai acontecer, o que é que pode vir daqui? Parece uma coisa tão simples do dia a dia, corriqueira, onde é que poderá haver aqui um twist, onde é que esta história poderá ir?»

 

Disseste, na conversa depois da sessão de curtas-metragens, que queres continuar a fazer filmes. O que é que já tens planeado? São mais filmes de terror?

O próximo gostava de ser eu a realizar. Já tenho um argumento. Não quero ser produtora ou, pelo menos, não assumir toda a produção, como desta vez. Delegar mais.

 

Sentiste esse peso?

Senti o peso e também foi uma lição para mim. Não é fácil, como atriz e produtora ao mesmo tempo — porque, no set, estava a assumir as duas funções —  estar a pensar, antes de gravar: «há comida no catering para as pessoas comerem a seguir, na pausa». É muita coisa para gerir. Então, gostaria de passar para a realização. Delego todas as outras funções, mas tenho muita vontade de fazer este filme enquanto realizadora exatamente por isso. Acho que não há muitas mulheres a assumirem a realização em Portugal, muito menos a nível de terror.

 

Verdade. Queremos mais mulheres no terror. O argumento desse próximo filme é teu também?

Sim, já está escrito.

 

Existe futuro para o terror português?

Eu acho que sim. Na verdade, acho que é um nicho em crescimento. O MOTELX tem colaborado muito para isso, cada vez mais vejo pessoas com conhecimento a nível internacional, vejo cada vez mais interessados, cada vez mais as pessoas falam sobre o terror. Já não é aquela coisa de «filme de terror não, senão não durmo à noite», porque há vários tipos de terror. O meu filme [Cronos] não tem sustos, não é aquele estereótipo. Eu queria que fosse um filme muito simples, e no fim haver aquela pancadinha no estômago para fazer as pessoas pensar. E, curiosamente, enquanto argumentista, fiz questão de — e eu gosto de trabalhar assim — dar a hipótese de cada um poder fazer a sua leitura. O objetivo era pôr várias alíneas diferentes, para cada um pegar e ter o seu próprio filme. Umas pessoas interpretam assim, outras assado. Eu tenho a minha própria interpretação enquanto argumentista, mas gosto de dar espaço a cada pessoa para criar o seu filme na sua cabeça, o que acaba por criar vários filmes. Acho isso muito interessante, porque gera discussões.

 

Se tivesses oportunidade de fazer uma longa-metragem, agora que já passaste por este papel de produtora, metias-te nessa aventura já?

Acho que sim. Tive muita pena de não poder esticar um bocadinho mais o filme. Não tínhamos orçamento para isso, portanto também tivemos de trabalhar com o orçamento que tínhamos. Acho que, se calhar, até com mais umas nuances, o filme aguentaria uma longa, sim.