Os realizadores Tom Freitas e Inês Alves Paredes falam de Atrás da Porta, em estreia no Fantasporto 2022

«Conseguir produzir o medo nas pessoas é o que faz um bom filme de terror. E quando você, a partir disso, consegue dizer outras coisas, você consegue fazer um filme melhor»

De Cláudio André Redondo

Como é que chegaram a este projeto? Como tem sido o vosso percurso até chegarem aqui?

Tom Freitas: O meu nome é Tom Freitas, sou de São Paulo, Brasil. Trabalho como guionista desde 2016, mais ou menos, oficialmente. Já escrevi diversas curtas e uma série para televisão, no Brasil. Depois, decidi tirar o mestrado aqui, em Portugal, na Covilhã. Vim para cá em 2019. E foi onde eu encontrei este grupo, que produziu diversas curtas-metragens, inclusive Igor, que ganhou o prémio Sophia, no ano passado [2021]. Conseguimos produzir bastante coisa, até à pandemia. E depois, a gente conseguiu produzir um pouquinho. Depois, [d]a pandemia, o Atrás da Porta foi a nossa mais recente produção.

Inês Alves Paredes: O meu nome é Inês Alves Paredes, sou de Guimarães e tirei o curso de Comunicação, na Universidade do Minho. Queria fazer cinema desde os 15 anos, só que, não sendo do Porto ou de Lisboa, é muito difícil. Então, decidi [seguir a via] da Comunicação. O curso de Comunicação da UM tem áreas de especialização, e especializei-me na área de Audiovisual/Multimédia. A coisa não [correu] muito bem. Decidi tirar um mestrado em Design, em Tomar, que não acabei. Decidi tentar mais uma vez fazer cinema aqui em Portugal. Consegui entrar no mestrado onde conheci o Tom e o resto da equipa, e tivemos a oportunidade de fazer duas curtas. Dentro do possível. Fazer cinema sem dinheiro, em locais que não sejam Porto ou Lisboa é muito difícil, mas nós conseguimos e tivemos bons resultados. Com o Igor e agora com este Atrás da Porta, que é um caso peculiar. Porque foi um filme feito em pandemia. E foi até um filme quase como uma premonição.

Tom: Não sair de casa.

Inês: Pois, não sair de casa. Ficar isolado.

 

Como é que surgiu a ideia?

Tom: Bom, foi um roteiro — um guião — que eu escrevi durante o primeiro semestre. No mestrado, eu sabia que a gente ia ter uma cadeira de produção, de projeto de cinema. E aí, eu imaginei que podia ser uma coisa legal, porque eu vim com a ideia de me especializar em terror. No Brasil escrevia muito para produtoras que tinham as suas próprias ideias e eu ajudava a desenvolvê-las. Queria muito me focar em ideias minhas, muito para esse lado de cinema de terror, e aí quis muito criar uma história que tivesse um pouco da relação de como a gente enxerga o outro como monstro. Aquele que [es]tá fora de casa, aquele que nos é estranho. É um pouco disso que a gente vive, a gente que vem do Brasil [e que] vem de outros lugares. Tem um pouquinho disso, da questão da xenofobia. Claro que é um subtexto de interpretação, mas tem um pouquinho disso. E foi aí que surgiu a ideia. E aí escrevi, apresentei para o grupo e deu certo.

 

E foi amor à primeira vista?

Tom: Não foi, não. Teve de passar por umas boas revisões.

Inês: Foi uma ideia que foi crescendo. E acho que não teria sobrevivido sem a pandemia, honestamente. O filme foi muito batalhado. Houve alturas em que nós achávamos «pronto, não vamos com isto para a frente». Mas foi para frente. A ideia foi crescendo. Acho que o filme acaba por ser bastante aberto.

Tom: Sim.

Inês: O que é que está exatamente atrás da porta? Pode ser tudo. Depende da interpretação das pessoas. Acho que essa parte, em especial, cresceu muito. E há de crescer [ainda mais]. Acho que o filme tem potencial para isso.

 

Mesmo a interpretação que cada um faz…

Tom: Exatamente. Eu tentei deixar o máximo em aberto. [O filme] parte de uma ideia minha, mas [quero] deixar o fim em aberto, à interpretação de quem assistir. Sinceramente, achei que ele não ia sair umas duas ou três vezes. Foi difícil, porque [gravámos] em setembro de 2020. A Covilhã, naquela altura [es]tava há três meses sem nenhum caso de COVID, então a gente conseguiu um ator lá do Teatro das Beiras, que foi o Hâmbar de Sousa. Achámos o Charles, que era um ator inglês. Eu fiz questão que fosse um negro, que [es]tivesse ali, tendo o papel de entrevistador, porque eu queria que tivesse um pouco desse subtexto, do que é diferente. Tem a questão do racismo. Ele é de outro país, então, no final, a gente percebe que ele também se torna um monstro aos olhos do protagonista. Por isso é que fiz questão que fosse um ator negro. E cresceu nesse sentido, a gente ir conseguindo batalhar aos poucos. Eu escrevi em 2019 e foi quase um ano para poder gravar. Depois, foi a pós-produção, até a gente chegar no resultado final, que foi praticamente no fim do ano passado.

 

Como é que foi a experiência, tendo em conta que já tinham feito coisas antes, de fazerem um filme em pandemia? O que é que isso mudou nos vossos processos?

Inês: Jesus, tanta coisa. As condições foram sempre mínimas. Com o surgir da pandemia, fecharam-se coisas, fecharam-se muitas portas, em termos de orçamento. Em termos de produção e direção de arte, o filme no storyboard não é o filme que temos agora. É normal. Mas o filme deu uma volta de quase 180º. O filme é completamente diferente do que tínhamos pensado inicialmente. Lá está, por ser feito em pandemia, sem orçamento. E num filme feito sem orçamento, temos de trabalhar com o que temos.

Tom: E a questão da equipa reduzida, que eu acho que faz muita diferença. Porque antes da pandemia, a gente conseguia encontrar mais pessoas para ajudar, outros atores. E aqui, todo o figurino, toda a parte dos monstros, a Inês fez praticamente sozinha e a gente se reuniu depois para ver. A gente não tinha pessoas para fazer os monstros, então eles pintaram o meu braço de preto. A gente colou unhas, colou as roupas pretas. Aquele monstro que sai de baixo da cama sou eu. Ali, eu me espremi debaixo da cama. Tudo isso a gente teve de fazer junto. Toda a parte visual a gente teve de sentar junto, pensar, repensar coisas que dava para fazer, o que não dava mais. E as localizações: a gente tinha basicamente a casa e a rua na frente da casa, onde podia ir às madrugadas. E tivemos por uma noite ou duas o estúdio da universidade, que foi importante para fazer as cenas da porta e conseguir brincar um pouco mais com a questão da luz. Foi importante também, para dar a cara que o filme tem hoje.

 

Como é que chegaram a essas cenas?

Tom: Essas cenas foram escritas por mim. Seria como se fosse [tentar] entrar na mente do protagonista, mas, na verdade, elas estariam ali no corredor, originalmente. Só que aquele corredor não tem a porta e era para ter a porta ali. E como não tinha, a gente conseguiu uma porta separada e conseguiu colocá-la no estúdio. E foi o Bruno que deu a ideia de a gente colocar um mundo à parte que seria a mente do protagonista ali no estúdio. Então a porta não faz parte do mesmo cenário que a casa dele. É como se a gente tivesse entrando na mente do protagonista. Tudo o que acontece ali, quase 100% da parte dos monstros e do líquido preto que escorre ali, é tudo sempre nesse estúdio. Alguns dos planos, [como] aquele [em que] ele está batendo na porta, não estavam no guião originalmente, mas foi uma possibilidade que a gente encontrou, e a gente quis fazer isso, porque a cena que [es]tava originalmente só daria para fazer no corredor, então a gente trocou.

Inês: Para mim, as cenas da porta são as mais interessantes. Porque, em termos de interpretação, lá está, o que está atrás da porta pode ser tudo, e a forma como elas foram filmadas e como elas foram depois montadas, em pós-produção, dá azo a essas novas interpretações. É o desconhecido. O desconhecido nunca tem forma. Claro que damos algumas «fisicalidades» ao vilão, porque quisemos também fazer uma coisa muito dentro do cinema de terror português, para tentar conservar ou reavivar o pouco que temos do cinema de género. E claro que demos essas «fisicalidades» para tentar caber nas convenções, mas, na verdade, o que está atrás da porta pode ser tudo. Os nossos medos. Os nossos sonhos. As nossas ambições, que, de certa maneira, até são bastante assustadoras. O que nós queremos, o que nós podemos ter, o que nós sonhamos, às vezes, é bastante assustador.

 

Sem dúvida. E de onde vem a paixão pelo terror? Onde é que aparece?

Tom: Para mim, veio de sempre. Os meus pais me deixavam assistir, em criança. E aí eu acabei me apaixonando por tudo. Eu lembro muito bem de assistir O Brinquedo Assassino (Chucky) com 4 anos de idade, e eu não tinha medo, eu adorava.

Inês: O primeiro filme que vi também foi o Chucky.

Tom: Pois é.

Inês: Eu vi o Chucky aos 6 anos.

 

É daí que vem a vossa ligação.

[Risos]

Tom: Depois, eu assisti ao Nightmare on Elm Street, exatamente no meu aniversário, dos 7 para os 8 anos. Foi na madrugada. Eu faço aniversário dia 14 e foi numa sexta-feira 13. Então, o filme atravessou a madrugada. Foi um marco também porque fiquei ali uns três meses sem conseguir dormir sozinho, fui dormir com a minha mãe, e aí ela ficava irritada, mas já era um caminho sem volta. Fui ver o outro, segunda parte, terceira. Depois, quando eu vi O Chamado (The Ring), foi, para mim, outro marco importante porque ele me trouxe para o cinema de horror japonês, que é uma coisa [pela qual] eu sou extremamente apaixonado, até hoje. E eu também já escrevi artigos no mestrado sobre isso. Até os próprios monstros desse filme [Atrás da Porta] têm muita inspiração nisso, no que eu vejo de cinema japonês.

 

Sim, faz lembrar um bocadinho, sim. 

Inês: Eu também sou muito ligada ao cinema de terror e ao cinema de ficção científica. Para mim, os marcos [foram], exatamente, o Chucky. Eu vi o Chucky quando tinha 6 anos. Pronto, é uma idade muito estranha. Mas, depois, li O Fantasma da Ópera aos 8. E aquela cena em que há uma cabeça a rolar ficou sempre a passar-me. E depois, outro marco também foi, exatamente, o cinema japonês, mas eu não me lembro qual foi o filme que me fez acordar para isso. O Suicide Club, por exemplo. Mas mais pela parte da tecnofobia, porque eu gosto mesmo da parte do medo da tecnologia, o que é que a tecnologia nos pode fazer. O meu filme preferido de terror é o Halloween. Por causa da questão do suspense. Eu sou também muito ligada ao film noir e gosto muito do suspense. A primeira cena, propriamente dita, de terror no Halloween, só acontece por volta dos 50 minutos, que é a primeira matança do Michael. Tenho uma ligação muito próxima com esse filme, por causa da montagem, por causa da forma como ele foi feito ou como a ideia foi exposta ao público. Por exemplo, o Pesadelo em Elm Street é muito bom, mas eu não gosto muito porque é muito…

Tom: Expositivo?

Inês: É muito sensacionalista. É muito choque. Filmes muito choque, para mim, não funcionam. Eu gosto muito do Halloween porque não é um filme choque.

Tom: Nós temos uma alusão bem clara, uma referência bem clara, ao Halloween na cena da janela. A cena em que a Laurie consegue ver o Michael pelos varais. A cena do Atrás da Porta é uma referência que a gente tentou fazer, também ao Halloween.

Inês: E o The Witch. Eu gosto da forma como o Robert Eggers faz cinema de terror. Um filme de terror, como todos os filmes, precisa de respirar. Acho que o verdadeiro terror não é aquele que te faz saltar da cadeira. Para mim, não só o Halloween, mas O Sexto Sentido é um filme flagrante. Nada mete mais medo do que, por exemplo, ver um pai a ver a[s filmagens da] câmara de vigilância da filha, que foi envenenada. Para mim, isso é terror. Terror tem a ver com os sentimentos, não as sensações. Aqui, no Atrás da Porta, a força do filme é realmente o que está atrás da porta, os nossos medos.

 

É isso que faz um bom filme de terror?

Inês: Para mim, é.

Tom: Eu acho que o importante de um bom filme de terror, para mim, e também porque eu gosto e desejo continuar a produzir filmes de terror, é porque nós temos uma atração praticamente inexplicável pelo medo. E a gente consegue chamar o público de uma forma quase inconsciente. As pessoas gostam de ver. Por mais que a gente sinta medo, a gente gosta de sentir medo, de se sentir mal. Uma coisa que aconteceu comigo, como eu falei, desde criança. E eu percebo a mesma ferramenta para a gente expor muita coisa que a gente acredita. E é por isso que, hoje em dia, o Jordan Peele é o cara que eu mais admiro, porque, para ele, acho que a gente está num momento mundial — no Brasil um pouco mais do que em Portugal — político, de batalhas assim, mas que, às vezes, não precisa de ser tão subtil. Às vezes, eu acho que o Jordan Peele também não é tão subtil nas mensagens que ele quer carregar. Aqui, eu tentei ser um pouco mais subtil, mas eu acho que tem um monte de mensagens que a gente pode «pescar». Eu acho que é um tipo de filme que chama a atenção. Conseguir produzir o medo nas pessoas é o que faz um bom filme de terror. E quando você, a partir disso, consegue dizer outras coisas, você consegue fazer um filme melhor.

 

Pode ser uma ferramenta.

Tom: É uma ferramenta para a gente poder dizer «olha que tem isso aqui; agora que você viu, olha também outra coisa que também faz parte». E aí você consegue chamar o público.

E projetos futuros? Já têm?

Inês: Isto agora [es]tá complicado.

Tom: Tenho. Eu [es]tou escrevendo um romance. É uma ideia que eu tenho desde 2019. Eu aproveitei agora o fim do mestrado para poder me concentrar, porque, como a gente falou, tudo o que a gente faz em cinema é com um orçamento extremamente limitado, e eu quis agora fazer alguma coisa em que eu pudesse ter liberdade praticamente irrestrita. [Es]tá tudo só no papel, então eu posso colocar o que eu quiser. Muitos mais elementos de fantasia, enfim.

 

No género do terror?

Tom: Acho que não é só terror. [Es]tá mais para o lado da fantasia. Eu adiciono tudo o que eu tenho estudado de terror. Fiz a minha dissertação de mestrado em cima do cinema de terror, das estruturas narrativas. Tudo o que eu estudei dentro das estruturas narrativas tento trazer também para essa história, mas acho que não posso me limitar a chamar só de terror. Acho que tem muitos elementos dentro, mas é uma história de fantasia. Mas eu não quero deixar de fazer cinema de forma alguma. Um dos meus objetivos é conseguir espalhar esse meu estudo. Vou para um congresso na Áustria, em setembro, para falar do Robert Eggers, inclusive. Vou fazer a apresentação lá. E eu quero continuar fazendo isso. E no futuro, espero que não muito distante, conseguir fazer a minha primeira longa de terror.

 

Mas pode dizer-se que estão a ter já algum sucesso com o pouco que fizeram, não?

Tom: Sim, sim.

Inês: Surpreendentemente, sim.

Tom: Eu acho que sim. Até porque é uma coisa quase artesanal que a gente faz ali. Não tivemos o dinheiro do ICA ou qualquer coisa do tipo. E, sim, conseguimos chegar em vários festivais. Já ganhamos alguns prémios, algum reconhecimento. Então, com certeza. Acho que sim. Eu acho que é possível fazer bom terror em Portugal, seja de que género for: cinema, livros…

Inês: Basta só ter uma belíssima ideia.

Tom: Possível é, sim.

 

E acham que há público?

Inês: Se não há público, constrói-se. Isto tem tudo a ver com a educação.

Tom: Eu acho que é um pouco do nosso desafio também. O que a gente faz é criar esse público. A gente não chegou num lugar onde não tem nada. Já tem um pouco de público. Um dos nossos objetivos, um dos nossos desafios aqui, é também criar um público para cineastas que vão surgir daqui a dez ou vinte anos tenham mais público ainda. E é uma construção constante.

Inês: A forma como o público português olha para o nosso cinema — agora falando de uma questão mais restrita — tem tudo a ver com problemas muito enraizados no que toca à educação, no que toca à perspetiva do público em relação às artes. Não é por acaso que os orçamentos aqui, para a cultura, são menos do que 0,1%, inclusive nós tivemos um ano zero em 2018, em que não houve dinheiro nenhum para a cultura. E o cinema é sempre a área que é mais massacrada, honestamente. Há diversas maneiras de construir público. Nós temos tantos festivais. Temos muitos festivais para a indústria cinematográfica que temos. O Caminhos, o Fantasporto, temos festivais de renome no circuito europeu e que vão crescendo cada vez mais. O Fantasporto pretende não só promover o cinema português, mas o cinema de género, o fantástico. O Caminhos do Cinema Português é um festival que pretende promover o cinema português. E eles, inclusive, têm uma secção de terror, que toca no terror, no grafismo e no cinema fantástico. Também há uma hesitação na parte do público, porque há muita gente que se esconde pelo facto de «ah, eu não sei o que é isto porque não tenho acesso, portanto não ouvi falar». Mas há.

 

Acham que a dificuldade é preconceito ou é a falta de conhecimento real do género?

Tom: Acho que o terror sempre foi visto, no geral, como um género menor. Você vê, nas premiações, não tem grandes filmes de terror. É muito raro você ver filmes que são indicados a melhor filme, no Óscar, por exemplo, ou em Cannes. Recentemente, a gente tem mudado isso. A gente viu o Get Out, do Jordan Peele, vencendo o melhor guião. Vimos agora o Titane vencer Cannes, que, para mim, foi uma das maiores conquistas do terror, recentemente. Mas eu acredito que não é só esse horror que se chama «terror elevado» que é o terror de verdade. Você vê sangue, vê monstros, toma sustos, jump scare, tudo faz parte do género e nada disso torna o género menor. Acho que faz parte as pessoas também entenderem isso. Tem um pouco de preconceito, eu acho, também.

Inês: O cinema de terror tem o preconceito que tem por causa da história que tem, porque o cinema de terror foi sempre ligado à exploitation. Havia sempre sexo, havia sempre violência, havia sempre sangue. O terror não é só isso. Por exemplo, o cinema de terror japonês é um cinema de construção social, porque o cinema de terror japonês nasceu por causa dos traumas que o país viveu, por causa dos bombardeamentos atómicos de Hiroshima e Nagasaki. Isso [es]tá muito implícito, por exemplo, nos filmes do virar do século, o Suicide Club, por exemplo, o The Ring, o Ju-on. Eu não sei se é isso que faz o cinema de terror ser um tipo de cinema menor, mas…

Tom: Mas não é menor.

Inês: Sim, o preconceito, lá está. Mas o cinema de terror tem em si próprio uma história bastante conturbada e, às tantas, é por [isso] que as pessoas o olham negativamente. Isto, agora, só estou a especular. Para mim, não é um cinema menor. Aliás, é um dos meus géneros preferidos, juntamente com ficção científica.

Tom: Para mim, acho que eu dediquei muito da minha vida já. Já posso dizer que a minha vida [es]tá no terror. Não tem mais volta.

 

Eu concordo. Aliás, este nosso projeto surge muito precisamente por causa disso, para tentar mudar um pouco as mentalidades, provar que o género do terror não é só sangue, não é só violência. Nós começámos com o livro Sangue Novo. São 15 autores novos do género de terror português. E o projeto começa muito assim, que é tentar mostrar vários géneros do terror, em que cada conto é quase um subgénero, e mostrar que há vozes e que o terror não tem de ser necessariamente sangue e violência e isso tudo. E depois disso, surgiu este projeto da Fábrica do Terror, que é um pouco tentar mostrar isso, tentar juntar tudo o que é feito em Portugal. Eu, pessoalmente, acho que um dos problemas também é a falta de divulgação, de conhecimento que as coisas existem.

Tom: Eu acho que é um baita projeto, nesse sentido, sim.

 

Porque existem muitas coisas que foram feitas e que são boas, mas que ninguém sabe. E espalhadas por todo o lado…

Tom: Ou ficar muito restrito ao público de festivais.

Inês: Não há dinheiro para fazer distribuição comercial, então a única forma de distribuir é pelos festivais. É muito complicado, porque ambos os lados têm restrições. Se as pessoas pensam que não há acesso, é porque às vezes não há grande acesso, não é?

 

Sim, mas é um pouco a nossa ideia. Pelo menos, ter uma coisa que mostre às pessoas tudo o que existe.

Tom: Mas é o problema que tem: eu acho que existe mercado. Porque se você pega os filmes norte-americanos, o público [es]tá lá para ver terror. A gente só precisa de encontrar um jeito de colocar os filmes portugueses, porque o público já existe — nesse sentido, que vai, que é curioso e que gosta desse tipo de filmes. E tem ali um bloqueio, de colocar, da distribuição daqui.

Inês: Nós somos uma indústria ainda muito pequena. Não só em termos de produção e distribuição de cinema, mas nós somos muito pequenos em termos de «mundialidade» também. Porque o cinema, aqui, ainda é uma indústria muito elitista. Muito, muito elitista.

 

Pode ser que mude agora, com as novas regras do ICA. 

Inês : Pronto, mas lá está…

 

Até lá…

Inês: É uma coisa que tem de ser batalhada durante muitas décadas.

Tom: Eu acho que é bom fazer filme para o povão. Não quero mais fazer filmes para elite. Não é esse o meu público-alvo, para quem eu quero passar as mensagens. [Es]tá aí. É isso.