Nosferatu (2024)

Um filme de Robert Eggers

Tenho muito poucas palavras. Ninguém estava à espera disto.

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Maria Varanda

Pois não, até porque é mentira. Ah-ah. Eu tenho sempre muito para dizer — se o muito é de jeito, isso são conversas para outras núpcias. Por falar em núpcias…

Estamos desde já não me lembro quando há espera de que Nosferatu chegasse aos cinemas, em parte para saber se a indústria de marketing e cinema portuguesa lhe ia dar um nome estilo Nosferatu – o vampiro do mal, mas ficamos rapidamente a saber que, graças a Deus, aos deuses ou ao amiguinho lá de baixo, o filme manteve o seu título original. A indústria lá achou que Nosferatu era revelador o suficiente. Ave Cesar.

Não quero estar enganada (e também não quero pesquisar mais nada no Google antes que seja considerada uma perseguidora de Robert Eggers), mas penso que andamos à espera de Nosferatu desde 2022; a realidade (sim, eu pesquisei…) é que as conversas da longa-metragem começaram em 2015. Se queriam melhor treino do vosso sistema cerebral da recompensa e reconfigurar essa dopamina viciada em tudo o que é imediato, nada melhor do que a espera por Nosferatu.

Recordo-me com bastante frescura de mente de quando a ideia inicial para protagonista era Anya Taylor-Joy e o quão desiludida fiquei quando o elenco confirmado incluía Lily-Rose Depp (para mim, a única semelhança era o hífen). Esse dia incluiu, entre outros eventos de que não me lembro, eliminar Nosferatu da minha lista de filmes para ver. Sim, rainha do drama. E sim, esqueci-me disso muito rápido.

Se o nome da senhorita Depp não era suficiente para me demover, Eggers bem tentou evitar que eu fosse ao cinema ao acrescentar Nicholas Holt e Willem Dafoe, mas falhou redondamente quando se riu e pensou «acrescentar este tipo deve mantê-la em casa», decidindo que Bill Skarsgård seria o Conde Orlok. Se uma força divina existe, foi ela que criou o que para mim é, desde 2016, a salvação de qualquer plot que mexa com as minhas crises existenciais.

E antes que as Karens e os Johns se levantem das suas cadeiras: é claro que provaram que estava errada. Por renunciar aos três primeiros, não pelo resto.

Nosferatu é inspirado no romance Drácula, de Bram Stoker, e baseado no filme com o mesmo nome que data de 1922, sendo um projeto muito pensado e querido da mente de Robert Eggers, criador de O Farol, que, perdoem, eu não gosto — adormeci a meio, hei de tentar noutra altura. Por outro lado, também foi este homem que nos trouxe A Bruxa, em 2015 (The VVitch), desde o guião à realização, e, portanto, há lapsos de julgamento que se perdoam. Se calhar, o lapso até é só meu. No entanto, para mim, é dele, porque Robert Pattinson é Edward Cullen e morreu aí.

Na Alemanha do século XIX, Ellen Hutter vê-se separada do seu marido após a lua-de-mel, quando Thomas parte em direção à Transilvânia para garantir a assinatura do contrato imobiliário que tornaria uma decrépita mansão na nova casa do excêntrico e antiquíssimo (na realidade, a cair de podre) Conde Orlok. Herrin Hutter é rapidamente assombrada pelo regresso dos sonhos misteriosos e perturbadores dos quais padecia na infância e Herr Hutter vê-se retido num castelo impróprio para a vida humana.

Nosferatu só permite duas opiniões. Uma é a do meu companheiro de cinema, cujo filme favorito contraditoriamente é o Hereditário: «boa interpretação, mas é uma seca, parecia uma peça de teatro» e, não julgando, mas sempre julgando, «estás é maluco, é uma obra-prima». Eu disse que mudava de ideias ao longo deste percurso.

Este é um filme que se move devagar enquanto avança a toda a velocidade, retratando semanas do terror e desespero que lançam a sua sombra sobre as personagens. Está bastante bem contextualizado em termos históricos, o que traz consigo todo um diálogo elaborado, com muitos costumes e mitologia à mistura, e isso não é para todos os gostos. O que também não é para todos os gostos é a forma não filtrada, grotesca e aterradora com que aborda certas temáticas — a sexualidade de forma nada sexual, a sedução do horror, a putrefação do corpo e da mente humana.
Toda a gente sabe que prefiro ficar-me por avaliações do ponto de vista do consumidor e tento nem tocar nas questões técnicas nem avançar muito por significados ocultos. Afinal, sou eternamente defensora da frase «às vezes, uma história é só uma história» e não temos de escrutinar todos os significados por trás de cada ação.

A verdade é que, quanto mais me alimentam com filmes deste género, mais alimentam o bichinho dentro de mim que quer ter um clube bimensal num qualquer bar obscuro, com pessoas que queiram discutir a significação da arte do terror.

E que significado dar a Nosferatu que não seja relacioná-lo com a temática da doença mental? Tão atrozmente abordada no campo médico como belissimamente retratada na longa-metragem, a doença mental espalha-se sumptuosamente por toda a história de Nosferatu, escondendo-se em todos os cantos e recantos, consumindo toda a matéria e o metafísico.

O Conde Orlok é, em si, a personificação da doença mental, desde a esquizofrenia, ao trauma geracional, à genética mal codificada, à depressão, à conspurcação dos limites do «eu» e aos ID mal resolvidos, erguendo-se num manto negro cuja sombra se estende para lá do compreensível à mente humana. Estende-se para lá do natural, entrando, na história de Nosferatu, no campo do oculto. Há coisas que nem a ciência de hoje consegue explicar.

Já antigamente tudo era do útero, tudo era histeria, tudo era resolvido com corpetes e sangramentos, e só quando um homem se opunha é que a coisa era reconsiderada. Esse também é o mote de Nosferatu, onde é a mesma mulher oprimida a resposta para aquilo que o homem não pode resolver. Sim, no meio dos seus saiotes, Nosferatu também é um filme sobre o empoderamento da mulher.

Interpretações à parte, com todos os que de vós discordam a redigirem já um e-mail de desagrado à editora-chefe da Fábrica, mal sabendo que o meu lugar é vitalício pelo contrato assinado a sangue, vamos limitar-nos aos factos:

1 – Nosferatu é uma brisa de ar fresco num mundo cinematográfico saturado de vampiros;

2 – O elenco é forte, torna as personagens reais;

3 – Tem conto de terror, tem conto de amor, tem heróis, tem medicina, tem história e época, tem comédia até. Só não tem histórias de encher chouriços;

4 – É altamente artístico e envolvente na forma como brinca com as imagens, as cores e os sons;

5 – É um filme perturbador, mas altamente sedutor.


Nosferatu é um filme de elevated horror, terror histórico, terror sobrenatural, terror psicológico e gore (com o Bill Skarsgård!!!) e, se não concordam que dá para todos os gostos, o problema é todo vosso.