Crítica ao livro «A Passagem», de Nuno Amaral Jorge
E se vos dissessem que se sabia o que existia depois da morte? E que, ao optar pela Passagem, encontrarão um paraíso moldado ao vosso mais profundo desejo?
Uma história sobre conexão humana, acreditar cegamente no desconhecido e tentar viver com uma decisão que nos afasta completamente de tudo o que nos era mais querido.
Em A Passagem, seguimos Elias, um homem que não passou e que anda pelo mundo à procura de algo, ou de nada, de alguém ou de ninguém. O livro intercala capítulos em que acompanhamos Elias no presente, passados anos desde que surgiu a Passagem e desde que a maior parte das pessoas do planeta morreu, e no passado, explorando a relação entre Elias e Sara (sua mulher), a origem da Passagem e os fatores que, presentemente, o levaram a estar sozinho.
Desde o início que temos a ideia de que há uma certeza quanto à existência da Passagem e daquilo que esta traz: uma vida num paraíso moldado da forma que cada um mais deseja. Mas não conseguimos perceber, ao longo de toda a história, de onde surgiu esta certeza. Praticamente toda a Humanidade foi levada a acreditar que este paraíso era um lugar certo. Praticamente toda a Humanidade morreu, com pessoas a suicidarem-se e a matarem familiares, amigos, desconhecidos, por estarem convictos do seu destino. Mas como podiam ter a certeza? Quem a deu? Não se sabe. E é nesta tensão que lemos o livro, esperando chegar ao final com um pouco mais de compreensão sobre a forma como cada personagem vê este acontecimento, especialmente Elias.
Um dos aspetos mais interessantes deste livro é o modo como consegue envolver o leitor na história, mesmo que muito indiretamente. Cada vez que se fala das escolhas de cada personagem, somos puxados para dentro da narrativa para pensar sobre o que faríamos se estivéssemos no seu lugar, como reagiríamos, se quereríamos passar de imediato ou ficar «para trás» o máximo de tempo possível. Há um sentimento de terror muito subtil que se vai acumulando ao longo da narrativa, e é com cada nova descoberta sobre a vida destas personagens que este se aprofunda e nos deixa perdidos, porque conseguimos colocar-nos no lugar de quem decide ir e de quem decide ficar, porque percebemos que não há uma resposta simples e que cada vida é diferente, tal como o suposto paraíso que cada um encontrará após passar.
«Aquele silêncio era maior que a morte, porque até a morte precisava de uma palavra para ser identificada, um som que revelasse se a temiam ou, como a esmagadora maioria, se a abraçavam.»
Apesar de querermos saber mais sobre a Passagem, sobre a sua origem, se é real e qual seria o paraíso de Elias, é-nos dito o suficiente. É o final aberto do livro que nos faz pensar ainda mais sobre a história, que não nos larga até muito depois de termos acabado de a ler.
É um livro para quem gosta de distopias com um grande desenvolvimento de personagens. E, acima de tudo, para quem gosta de histórias dentro de histórias. Há terror, há romance, há suspense e há muitas histórias (ou até poderia dizer muitas vidas) para descobrir, passadas ou não.
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Madalena Feliciano Santos
Madalena Feliciano Santos nasceu em 2001, em Lisboa. A partir do momento em que leu The Shining, nunca mais largou o terror, estreando-se como autora na antologia Sangue Novo, em 2021, com o conto «Sonhei com uma Linha Vermelha». Frequenta o Mestrado em Tradução da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a trabalhar, sobretudo, sobre a tradução de literatura de terror.