«A Mecânica do Coração», de Mathias Malzieu
Um conto de fadas negro ao estilo de Tim Burton e de Lewis Carrol.
Jack é um rapaz com um relógio-coração que exige manutenção e cuidados especiais. A Dra. Madeleine, que o trouxe ao mundo, alertou-o para se proteger de emoções fortes, mas, quando Jack se apaixona perdidamente por uma pequena cantora, começa a correr sérios perigos de vida.
Recomendado para 15+
Em Edimburgo, no ano de 1874 e no dia mais frio de sempre, Jack nasce com o coração congelado. Tudo indica, pela época em que a história é contada, que esta criança não tem hipóteses de sobreviver. A partir daqui, a magia do fantástico assume o controlo da narrativa.
Graças à Dra. Madeleine — parteira ou bruxa, como há quem lhe chame —, a história não termina logo nas primeiras páginas. Ela auxilia o nosso anti-herói, «instalando-lhe» uma prótese em forma de relógio de cuco que ajudará a manter o ritmo das batidas do coração e a bombear o sangue. Há, no entanto, uma contrapartida: evitar «sobrecargas emocionais» que possam perturbar o bom funcionamento do frágil mecanismo de madeira.
«Primeiro, não toques nos ponteiros.
Segundo, domina a tua cólera.
Terceiro, nunca, mas nunca, te apaixones, porque senão, no relógio do teu coração, o grande ponteiro das horas trespassar-te-á a pele, os teus ossos implodirão e o mecanismo avariar-se-á de novo.»
O amor ou a raiva, por exemplo, são extremamente perigosos para o coração de Jack. Não poderá irritar-se ou apaixonar-se. O rapaz falha redondamente nesta tarefa. Não é nenhum spoiler, simplesmente porque sabemos ser impossível passar pela vida sem nos deixarmos levar pelas emoções.
Quando Jack vai à cidade pela primeira vez, na comemoração dos seus dez anos, conhece uma pequena cantora de olhos de fogo, Miss Acácia, pela qual fica perdido de amor. E os ponteiros do seu relógio descompassam perante este sentimento avassalador.
A partir daqui, o enredo transforma-se numa aventura que escurece à medida que avançamos.
A trajetória de Jack em busca da amada é atribulada, no mínimo, começando logo por ter de atravessar a Europa até à Andaluzia. Chegado ao destino, encontros e desencontros testam a resistência do coração de Jack, degradando-o pouco a pouco, com a crueldade de uma união que se prevê desafiadora.
Narrado na primeira pessoa, A Mecânica do Coração fala-nos de amor, de paixões da juventude, de bullying e de diferenças difíceis de aceitar, de desgostos, de «dores do crescimento» e de obstáculos a ultrapassar, quer estejamos preparados para eles ou não. A maturidade, ou a falta dela, desempenha um papel crucial nestas personagens que despertam em nós grande empatia.
Este conto de fadas negro, do autor Mathias Malzieu — traduzido por Irene e Nuno Daun e Lorena e publicado pela Contraponto —, é uma leitura fluida, na qual nos cruzamos com personagens históricas como Jack, o Estripador, e Georges Meliès, que acaba por se tornar o melhor amigo do protagonista.
Está escrito de uma forma poética, povoada de metáforas e de comparações e descrições lindíssimas. É, sem dúvida, uma aquisição obrigatória para fãs de universos como os de Tim Burton ou de Lewis Carrol, ou simplesmente para românticos incuráveis.
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Marta Nazaré
Marta Nazaré, nascida em Lisboa, a 5 de março de 1981, é formada em Letras e Tradução de Inglês. Dedica-se a tempo inteiro à tradução de livros infantojuvenis e à legendagem de filmes e séries.
Descobriu o terror em tenra idade na papelaria do bairro que vendia a coleção «Arrepios», de R. L. Stine. Ainda hoje, o terror infantojuvenil é o seu género preferido.