Visita ao Cemitério do Prado do Repouso
Pelas ruas do Porto com a Calling You Tours
Depois de uma pausa para o almoço ― em que a equipa da Fábrica do Terror se deliciou com umas belas sandes de pernil e outras iguarias típicas da cidade do Porto ―, voltámos a encontrar-nos com Leonor Tito, da Calling You Tours. Desta vez, deixou cair a figura sinistra que adotara na tour anterior (a Crimes e Mistérios que excecionalmente fizemos de manhã) para nos mostrar preciosidades e recantos escondidos da Invicta a caminho do Cemitério do Prado do Repouso.
A primeira paragem foi num dos jardins públicos mais antigos e mais frequentados da cidade: o Jardim de São Lázaro (agora Jardim de Marques de Oliveira). Próximo da Biblioteca Municipal do Porto e da Faculdade de Belas-Artes, este lugar romântico e pintado por camélias foi mandado construir por D. Pedro iv, após o Cerco do Porto, em homenagem às mulheres, reza a lenda. Uma fonte histórica, estátuas e um pequeno coreto compõem a atmosfera bucólica, envolvida no perfume das magnólias e de outras flores que rodeiam o lago central. É um dos muitos imperdíveis espaços portuenses que nos convidam a intervalar da vida agitada da cidade.
Por ruas e praças, Leonor chamou-nos a atenção para as fachadas das casas embutidas de magníficos azulejos com imagens de santos, de recados e até pedidos de proteção. Multicoloridos ou bicolores, muitos deles em relevo (característica única da cidade do Porto), os azulejos e os painéis figurativos revestiram a paisagem urbana até chegarmos às famosas ilhas portuenses.
Como resposta à necessidade de albergar uma população rural que se deslocou para a cidade, criaram-se ilhas: corredores compridos e estreitos com casas pequenas de cada lado. Tendo algumas um pátio comum interior e outras albergando famílias inteiras, estes lotes clandestinos desenvolveram-se na zona industrial, a partir de meados do século xix, e deram origem a uma cultura comunitária de solidariedade entre vizinhos. Dois dedos de conversa com a nossa simpática guia e alguns moradores, e foi-nos possível ter um vislumbre deste mundo e conhecer o seu interior.
No Cemitério do Prado do Repouso ― destino final da nossa tour ―, atravessámos o portão para um recinto arborizado, arruado e com bancos de jardim, cujo objetivo, explicou-nos Leonor, era facilitar a meditação e a contemplação das pessoas que o visitavam. E soubemos de uma curiosidade deste «museu da morte».
Pequenos cemitérios privativos compõem este «grande cemitério», cada um com uma entrada própria: o da Santa Casa da Misericórdia do Porto, o da Ordem do Terço e da Caridade e o da Confraria do Santíssimo Sacramento de Santo Ildefonso.
Pela beleza natural e monumentalidade dos jazigos de granito e de mármore ― sobretudo nos jazigos-capela e mausoléus ―, nunca imaginaríamos que este fora outrora um cemitério desprezado, para onde só vinham as camadas mais pobres, pois os cemitérios privados (do Bonfim ou da Lapa) estavam reservados aos cidadãos mais abastados. Este tratava-se, portanto, do primeiro cemitério público do Porto, construído após a proibição de enterramento dentro de capelas e igrejas ― por questões de falta de espaço e higiene ― e inaugurado em 1839.
Leonor ajudou-nos a decifrar símbolos e figuras presentes nos jazigos, para melhor entendermos a mensagem que transmitiam. O cão esculpido é um sinal de fidelidade, mas representa também o tempo de espera, a aguardar que o dono volte. Os anjos levam a alma para o Céu, protegendo-a, enquanto as coroas de flores são indicativas de um ciclo sem fim. As flores, explicou-nos, são uma constante nos cemitérios, porque o seu perfume ajuda a disfarçar os maus odores.
Tratando-se de um cemitério romântico, é frequente vermos símbolos que transmitem dramatismo, como colunas partidas, expressando uma vida inesperadamente interrompida ou a morte de alguém jovem. E, como em outros cemitérios portugueses, temos a ampulheta a representar o tempo que voa, a foice a indicar a morte e o livro aberto a simbolizar a história da vida.
Não pudemos dar por terminada esta visita sem ver o jazigo que Henriqueta Emília da Conceição mandou construir para a sua amada Teresa Maria de Jesus, história que nos despertou tanta curiosidade na tour Crimes e Mistérios. Fomos surpreendidos por um jazigo simples com a estátua de S. Francisco num pedestal, o único que restou do século xix. Ainda hoje, são deixadas flores neste local. Se é uma homenagem ao amor destas duas mulheres ou devoção ao santo, permanece um entre muitos mistérios do Cemitério do Prado do Repouso.
Algumas curiosidades do Cemitério do Prado do Repouso:
- São poucos os monumentos de realce. Destacam-se a capela do cemitério (o que resta da inacabada Igreja de S. Vítor), um crucifixo em ferro (exposto no Palácio de Cristal, na Exposição Internacional do Porto, em 1865) e o ossário das freiras do antigo Convento de S. Bento da Avé-Maria (embutido na parede e rodeado por um portal manuelino do mesmo convento).
- A par com o de Agramonte, o Cemitério do Prado do Repouso integra a Rota Europeia dos Cemitérios, pela notável arquitetura neogótica ― com alguns traços gregos e até egípcios ― e pelo seu valor histórico.
- Francisco de Almada Mendonça, figura ilustre do Porto e provedor da Santa Casa da Misericórdia entre 1794 e 1804, foi transladado da capela-mor da Igreja da Misericórdia para o Prado do Repouso para legitimar a inauguração do cemitério. O seu busto, da autoria de Soares dos Reis, foi aqui colocado em 1883.
- Também repousam neste espaço o poeta Eugénio de Andrade ― num jazigo projetado pelo arquiteto Siza Vieira ―, a pintora Aurélia de Sousa e o médico e artista plástico Abel Salazar.
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Marta Nazaré
Marta Nazaré, nascida em Lisboa, a 5 de março de 1981, é formada em Letras e Tradução de Inglês. Dedica-se a tempo inteiro à tradução de livros infantojuvenis e à legendagem de filmes e séries.
Descobriu o terror em tenra idade na papelaria do bairro que vendia a coleção «Arrepios», de R. L. Stine. Ainda hoje, o terror infantojuvenil é o seu género preferido.