Entrevista à tatuadora Bárbara Camila Eusébio

«As mulheres passam sempre por serem demasiado delicadas, por não gostarem “destas coisas”»

Tatuadora há oito anos, Bárbara Camila Eusébio (conhecida como @_unholy.cam_ no Instagram) mudou-se do Porto para Lisboa no final de 2021. Tem um estilo muito particular e orgânico, que facilmente atrai os fãs de terror. 

Conversámos sobre as voltas do seu percurso artístico, da descoberta da tatuagem, do gosto pelo terror e da surpresa (que ainda existe) de alguns clientes quando percebem que «o» artista por trás deste estilo é, na realidade, uma mulher.

Sandra Henriques

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Calculo que sejas fã de terror?

Por acaso, sou muito inculta no que toca a referências. Fui apanhando aos bocadinhos, mais pelo que vejo. Os meus pais são fãs de terror, e o meu pai via filmes e tinha muitos livros de artwork em casa, porque desenhava bastante. Lembro-me de o meu pai desenhar e ter as ilustrações dele expostas desde muito nova, coisas muito explícitas e muito gore.

E sobreviveste!

E sobrevivi! [risos] Estou aqui, estou inteira! Mas acho que foi sempre muito por influência, nunca fui à procura, não explorei. Acho que as pessoas à minha volta acabaram por me mostrar. Por isso é que digo que sou um bocado inculta, apesar de ter as referências comigo. Acho que as pessoas veem o terror ainda como tabu, mas no dia a dia, se calhar, tens coisas muito mais horríveis do que um slasher. Até acontecem coisas psicologicamente mais pesadas  do que numa coisa mais gore.

E é ficção!

É ficção! Eu não vou sair daqui, agarrar num cutelo e começar a cortar pessoas. [risos]

Como é que chegas às tatuagens?

Em casa, já tinha um bocadinho a influência da ilustração do meu pai e da pintura da minha mãe, mas nunca tive muito jeito para as artes plásticas. Apreciava muito, mas era uma nulidade. Acho que cheguei à ilustração por causa da ilustração científica, porque segui Ciências no secundário. De toda a gente no grupo, era sempre eu que ficava a desenhar tudo, porque lhes metia nojo. [risos] Comecei a reparar que até tinha um certo jeito para ir apanhando certos detalhes do que era necessário e comecei a ganhar aquele gostinho. A partir daí, uma amiga ofereceu-me um frasquinho de tinta-da-china e umas penas, comecei a experimentar e percebi que realmente gostava de ilustrar coisas. Não tinha jeitinho nenhum, mas era algo que me puxava. Senti ali o entusiasmo. Comecei a ilustrar durante as aulas e decidi trocar [de área] para Artes. Os meus pais influenciaram-me bastante também, porque sempre tiveram tatuagens. Eram pessoas com uma mente muito aberta, e eu sempre os vi tatuados. Percebi que também gostava de ver tatuagens. Pedi a minha primeira tatuagem aos meus pais quando tinha 14 anos e eles estiveram quase a deixar, mas depois disseram que não. E ainda bem! [risos] Foi algo que foi crescendo. Fui descobrindo que queria ser tatuadora aos bocadinhos. Descobri primeiro que gostava de ilustração; depois, descobri que gostava de tatuagens, mas não sabia se era bem isso, até que cheguei a um ponto em que larguei tudo e comecei a tatuar. Como sempre tive uma família muito aberta, isso proporcionou-me explorar muita coisa. Acho fascinante a cena de marcar alguém, é uma decisão tão importante na vida de alguém. Fascina-me darem-me essa responsabilidade para a mão. Acho que isso também me incentivou um bocadinho.

Qual foi a primeira tatuagem que fizeste?

Foi no meu pai. Foi a minha cobaia. Lembro-me de achar piada à responsabilidade. Foi uma tatuagem de um peixe na parte de fora do braço. Nada a ver com o estilo do que faço agora! Até porque ainda demorei a chegar ao estilo atual.

…tentar sempre mostrar que é preferível ter uma peça original feita pelo artista e que o artista não vai repetir em mais ninguém.

Quando é que sentes que estás a chegar àquilo que é a tua assinatura agora, e que é facilmente reconhecida na tua conta de Instagram?

Sempre quis puxar para o estilo que tenho hoje, mas demorei a chegar a essa assinatura. Até por impedimentos técnicos, porque consigo fazer muita coisa em papel que não consigo fazer numa tatuagem. Então o meu processo demorou mais um bocadinho, até chegar à assinatura que tenho hoje, porque andei a adaptá-la durante muito tempo até conseguir conciliar aquilo que gostava de ilustrar realmente (coisas mais viscerais, mais cruas) com a tatuagem. Conseguir fazer com que isso passasse para a pele foi muito difícil, foi um processo em que demorei uns seis aninhos. Lembro-me de começar a ilustrar este tipo de temas, uma cena mais orgânica, mas não conseguia passar isso para a tatuagem. Acho que, a nível de referência, evoluí mais [para aquela que é a minha assinatura agora] quando fiz taxidermia no Porto, porque comecei a ter mais contacto com a natureza de uma maneira diferente. É palpável, ver as texturas, ver o que posso fazer com elas, conseguir ter a noção do movimento dos animais e do que posso fazer se juntar um ao outro, por exemplo. Isso começou a dar-me uma ideia: «e se eu pegasse nisto e fizesse a parte da ilustração científica, se fosse buscar estes animais e a cena dos ossos e dos órgãos deles e os transformasse em algo mesmo cru ou agressivo?». Foi a partir daí que acho que comecei a evoluir em termos de desenho para aquilo que realmente faço hoje. Porque, se reparares, eu uso muito formatos orgânicos, e isso fui buscar muito à parte da taxidermia.

E é bom que estejas a dizer isso, porque um artista é sempre o conjunto das várias experiências que vai tendo ao longo da vida. Quando é que começas a fazer as tuas próprias tatuagens, ou ainda fazes um bocadinho aquilo que os clientes pedem?

Ainda hoje, faço aquelas tattoos clichês, não dá para fugir muito a isso, principalmente num país em que, infelizmente, ainda não respeitam muito a parte artística. Ainda não olham para nós como artistas, olham para nós como serviço. O que tento fazer sempre, no entanto, é tentar criar algo dentro do meu estilo que possa agradar ao cliente, de maneira a que ele possa aceitar o que estou a propor. E também tentar sempre mostrar que é preferível ter uma peça original feita pelo artista e que o artista não vai repetir em mais ninguém. Tento sempre mostrar isso às pessoas, de qualquer das maneiras, mas ainda apanho com muita treta que não quero fazer. Mas depois de alguns anos a criar portefólio — e é isto que demora mais, criares um portefólio até que as pessoas olhem para ti pela tua assinatura e digam «eu quero este estilo que ela faz» —, começo a reparar que já me procuram e que realmente os clientes que tenho já são clientes fiéis.

E sentes que quem te procura especificamente são fãs de terror, não são fãs de terror…

Tenho uma mistura. Tenho os fãs de terror e depois tenho clientes que adoram Lord of the Rings. É um público muito abrangente.

E ainda estranham o facto de seres uma mulher a tatuar «estas coisas»?

Sabes que, ainda hoje, a maior parte dos meus clientes não repara que tenho o nome Bárbara no meu perfil. Procuram-me no estúdio, procuram por «o» unholy e, quando eu apareço, pensam que sou um homem, por causa do meu tipo de trabalho. [risos] Eu apanho com isto constantemente, as pessoas pensarem que sou um homem, mesmo o pessoal lá de fora. E lá está, também tens esta coisa de que as mulheres passam sempre por serem demasiado delicadas, por não gostarem «destas coisas».

 

Para veres o portefólio da Bárbara Camila Eusébio e fazer marcações, segue @_unholy.cam_ no Instagram.