«Contos Arrepiantes da História de Portugal 5: República Reprimida»

Preparem-se para mais uma tenebrosa aula de História.

Com o mesmo tom divertido e assustadoramente empolgante dos volumes anteriores, República Reprimida (Nuvem de Tinta) fecha um ciclo com os acontecimentos mais impressionáveis do século XX. «Há dores e há feridas nestes contos. Mas um grande país também se faz disso.»

Marta Nazaré

Recomendado para 10+


A leitura começa com um episódio de acalmia que acabou por se revelar bastante agitado.


(Se fosse tudo calmo, nem tinha grande graça, pois não?) Não é todos os dias que somos sobressaltados com a notícia de que ficámos com o trono e de que a governação do país está a nosso cargo. Qualquer um de nós acreditaria que ganhou a lotaria, mas para o infante D. Manuel só lhe veio tirar o sono. Sabemos muito bem que este país à beira-mar plantado é dado à desordem e difícil de governar. Ninguém se entende, e a lista de intriguistas e alarmistas é longa. É atávico. E quando Portugal passa a ser república, D. Manuel vê-se obrigado a sair do país para terras britânicas e viver como outra pessoa. Que período atribulado e perigoso estes primeiros anos da república, com uma longa ditadura, sem fim à vista, a anunciar-se pouco depois.


A nossa história é composta não só de acontecimentos, mas também de pessoas, nomeadamente de grandes escritores.


Através dos seus olhos, do que escreveram no papel, vemos o mundo como eles o viam naquela época. Talvez tenha sido esta necessidade de desabafar angústias em vários tons que levou Fernando Pessoa a incorporar múltiplas personas. Destaque não falta, também, para o suicídio de excelentes escritores da época, como Mário de Sá-Carneiro, e projetos literários impactantes (a conhecida revista Orpheu) com o objetivo de escandalizar, inquietar e provocar, com poemas incompreensíveis para a maioria dos leitores. A literatura sempre acompanhou a terrível realidade do dia a dia.

Numa coletânea de contos arrepiantes do século XX, uma das figuras mais incontornáveis do país, António de Oliveira Salazar, nunca poderia ficar de fora. E o que salta à vista é a forma como Salazar governou o nosso país com base em contradições. Declarava-se contra a violência, por exemplo, mas permitia que a polícia política agredisse e torturasse os presos que criticavam o Governo.


O conto «A Frigideira de Salazar», que relata como tratavam os prisioneiros políticos no Tarrafal, é impróprio para mentes sensíveis, deixo já aqui o aviso.


Também vos causará grande desconforto a atuação de Salazar na Segunda Guerra Mundial com a «decisão de não fazer nada» que condenou à morte quatro mil judeus neerlandeses em 1940. Já para não falar da guerra colonial — por se ter recusado a aceitar outra solução que não a guerra — e de ter obrigado milhares de portugueses a saírem do país «a salto» para escapar à pobreza ou à perseguição. Sorte a nossa existirem «generais sem medo», golpes que pareciam ter falhado, mas não falharam, militares com granadas e charutos no bolso, e revoltosos que se mantiveram firmes numa revolução de cravos.


Em República Reprimida, sempre com as ilustrações cómico-trágicas e perspicazes de Hélio Falcão, exploramos o Portugal das colónias, da queda do império, do fim da ditadura e do nascimento da democracia.


Tal como nos outros volumes desta coleção didática, imaginei-me várias vezes numa visita de estudo arriscada, com o perigo a espreitar em cada conto. Passaram por mim balas de snipers boches, observei de perto a guerra e quase enlouqueci com ela, fui detida pela PIDE por ter bebido uma Coca-Cola e senti as torturas na pele, mas também ajudei na revolução e festejei a liberdade que conquistámos.


A coleção «Contos Arrepiantes da História de Portugal» é uma montanha-russa de emoções pela mão dos autores Rui Correia e António F. Nabais, professores extraordinários e incrivelmente atentos, que nunca me deixaram chegar ao fim das suas visitas de estudo com alguma dúvida sobre a matéria.