Conversas Convergentes no Livremente 2022

Falar (sem tabus) sobre o terror em Portugal

De Sandra Henriques

Quando a Loja Convergência me convidou para falar de literatura de terror na edição de 2022 do Livremente — um evento cultural e literário organizado pela Junta de Freguesia da Misericórdia em Lisboa —, tive de imediato a certeza de que o palco não podia ser só meu: porque o terror literário em Portugal, e não só, se faz de várias vozes, vários estilos e várias linguagens. É para isso que batalhamos aqui na Fábrica, para mostrarmos que o terror não é (só) sangue e violência e histórias de faca e alguidar.

Havia dois temas de que queria falar, com fãs do género e não só, e que sentia (e ainda sinto) não estarem devidamente representados no panorama português: o terror infantojuvenil e as mulheres no terror.

Para a primeira sessão sobre terror infantojuvenil, convidei a Marta Nazaré, a nossa especialista no assunto e fonte de todos os livros portugueses de terror para miúdos que eu (agora) sei que existem.

Na segunda sessão, a Patrícia Sá, a Liliana Duarte Pereira e a Maria Varanda (que, apesar de não ter estado fisicamente connosco, nos ajudou a aclarar as ideias que queríamos passar) representaram comigo a referida diversidade das mulheres no terror.

A conversa entre oradoras e público fluiu em ambas as sessões. Percebemos, claramente, que há curiosidade, alguns preconceitos a desconstruir e que é preciso continuarmos a abrir estas portas entre fãs de terror e quem ainda está a descobrir o género.

Terror infantojuvenil com a Marta Nazaré 

A Marta tinha duas armas secretas para desarmar qualquer dúvida sobre terror «para miúdos»: o seu conhecimento profundo sobre o terror infantojuvenil que se faz em Portugal e uma mochila cheia de livros.

Falámos sobre o terror como forma de ajudar os mais novos a desconstruir medos (do escuro, dos monstros debaixo da cama, da matemática…) e como forma de mascarar aqueles «temas aborrecidos da escola» de episódios interessantes. Se ainda não leram, não percam este artigo da Marta sobre a coleção Contos Arrepiantes da História de Portugal.

Ambas sentimos que esta sessão intimista foi um primeiro passo importante para convencer, sobretudo, os pais e educadores de que o terror não tem de ser um género violento e que pode ser adaptado aos mais pequenos e usado como ferramenta de aprendizagem.

Mulheres no terror português, com as autoras Liliana Duarte Pereira e Patrícia Sá 

Além da Liliana e da Patrícia, tinha também convidado para esta sessão a autora Maria Varanda. Infelizmente, o meu adiamento do evento, que estava originalmente previsto para dia 8 de maio, coincidiu com os compromissos profissionais da Maria, não podendo ela estar presente. Falo, contudo, das três porque lhes estendi o convite a pensar no que cada uma delas contribui para a discussão.

A Maria Varanda fala abertamente na sua entrevista à Fábrica sobre a sua experiência menos positiva com um curso de escrita criativa onde o terror era visto como um género menor. Situação semelhante se passou com a Liliana Duarte Pereira e com a Patrícia Sá, em que o seu gosto pelo género era visto como «estranho», ainda antes de se decidirem aventurar pela escrita de terror em português. Eu tive uma experiência semelhante na adolescência, quando me disseram que o terror não era para meninas.

Sabemos que o preconceito com o terror existe e que ser mulher numa área ainda dominada por homens é uma luta que travamos diariamente. Nesta sessão, por muito que andássemos à volta de vários temas que iam surgindo da nossa conversa e das nossas respostas ao público, voltámos sempre à questão da representatividade: se não virmos (mais) «outras como nós», vamos achar que ali não é o nosso lugar, e que nem vale a pena continuar a escrever terror.

 

É, por isso, importante que sessões como esta continuem a existir. O meu agradecimento à Loja Convergência pela organização e à Junta de Freguesia da Misericórdia pelo acolhimento na biblioteca do Palácio Cabral.