Crítica a «O Defunto», de Eça de Queiroz
Um excelente exemplo de como o clássico não sai de moda.
Depois de um fim de semana dedicado ao terror, entre filmes e eventos, pensei que o conto me ia saber a pouco… Mas Eça deu-me a volta.
Acho que muitos associam o terror a um género relativamente contemporâneo e dificilmente procuram obras do estilo nos clássicos. Não é raro que a muitos livros lhes seja aposto o carimbo a dizer gótico, sem que se explore a possibilidade de haver algo mais na história. E a verdade é que, regra geral, quando algo é caracterizado como terror, há todo um público que desiste desse conteúdo — seja porque não gosta de ter medo, seja porque o terror é «nojento», seja porque consideram o género uma exploração gratuita do macabro sem qualquer significado mais profundo.
Mas o certo é que o terror é um género bastante presente em muita literatura clássica, ainda que, naturalmente, com uma abordagem e exploração diferente da atual..
E se alguém por aí achava que a única coisa que Eça de Queiroz conseguiu escrever de relevo foi um romance em que os testes de ADN vinham mesmo a calhar, estão bem enganados.
«O Defunto» é um conto de pouco mais de trinta páginas, que poderão ler de modo gratuito através do Projecto Adamastor, onde Eça explora o amor, mas também o equilíbrio entre o bem e o mal.
Sr. D. Rui de Cadenas apaixona-se assim que os seus olhos recaem sobre a Sr.ª D.ª Leonor, esposa do Sr. D. Alonso de Lara. Descrita quase como uma deusa, D. Rui de Cadenas tudo faz (dentro do aceitável e modesto) para chamar a atenção de D.ª Leonor, que se apresenta como totalmente indiferente à sua presença. Rapidamente descobrimos que D. Alonso trata a sua mulher de forma algo questionável, devido aos ciúmes exacerbados (e largamente infundados) que sente, vendo culpa em todos os olhares, incluindo… os inexistentes.
Mas D. Rui de Cadenas é um homem devoto, inteiramente dedicado à Nossa Senhora do Pilar, crente de que ela nunca lhe faltará em qualquer tribulação, e, quando tudo parece perdido, eis que a mão divina surge — de forma mórbida e inesperada — através de um cadáver.
Sim, leram bem: um cadáver.
Com uma mensagem simples e dimensão diminuta, o conto consegue surpreender-nos tanto pela sua inovação como pela ausência de pudor na descrição do cadáver, tão vívida que o conseguimos ver em frente aos nossos olhos.
Não há muito mais que se possa dizer sobre a história sem a revelar na sua totalidade, mas garanto-vos que, além da tão conhecida prosa de Eça de Queiroz (que consegue ser simultaneamente poética e totalmente imersiva na sua descrição), «O Defunto» é um bom exemplo de como a vida dá voltas e reviravoltas, e de como o ser humano acaba por ser o verdadeiro culpado do seu destino, seja ele qual for.
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Laura Silva
Apaixonada por histórias desde 1992, é escritora nas horas vagas e pasteleira aos fins-de-semana. O gosto pela leitura deu muito jeito para a licenciatura em Direito, mas agora é constantemente abordada por amigos e familiares para consultoria jurídica gratuita. Extremamente traumatizada em criança pelo Cadeirudo, acabou por aprender a gostar de todas as facetas da ficção especulativa, que hoje se revela o seu género favorito.