Crítica ao filme «Era Uma Vez no Apocalipse» (2023)

Um filme de Tiago Pimentel.

Uma curta que podia dar uma longa sem esticar a corda e, no entanto, não o quer ser.

Realizado por Tiago Pimentel, que coassina o argumento com António Miguel Pereira, soube deste filme quando a Susana Cruz (responsável pela caracterização e maquilhagem) partilhou nas redes sociais uma ou outra foto dos bastidores. E, mesmo sendo «da casa», a Susana descoseu-se pouco perante a minha curiosidade.


O que fazia ela, especialista em criaturas do outro mundo, sangue e feridas abertas, num filme protagonizado por Sérgio Godinho?


Não é que o cantautor seja um estranho na arte da representação, mas ter o músico responsável por parte da banda sonora da minha infância (não me lembro do que fiz na semana passada, mas ponham o genérico dos Amigos do Gaspar a tocar e eu canto sem ter de pensar na letra) num filme de terror foi o suficiente para querer saber mais.

E o que é que aconteceu entretanto? Perdi a oportunidade de ver esta curta no MOTELX em 2023 e, depois, no Fantasporto em 2024. E, como não há duas sem três, também me escapou no Avanca 2024 (Prémio de Melhor Ator e Prémio Competição Avanca). Chega a ser cómico. Tudo isto para me redimir de não ter visto a curta-metragem num grande ecrã, como ela merece. E, já a outra escrevia que não há coincidências, o filme veio até à Fábrica do Terror.

Passemos ao Era Uma Vez no Apocalipse.

Este filme não é (só) uma distopia sobre um mundo pós-apocalíptico. Também não é (só) uma história de terror sem estrutura e com jump scare fácil. Sobretudo, não é (só) um «filme português» (dito de forma irónica com aquele tom depreciativo com que a maioria das pessoas o diz). É uma curta que podia dar uma longa sem esticar a corda e, no entanto, não o quer ser. Não aqui, pelo menos: a história está contida, cabe nos 20 minutos de duração, sem que o espectador fique com dúvidas sobre o antes e o depois, ou aborrecido com o info dumping (que não existe) para explicar-tudo-não-vá-a-pessoa-não-perceber-as-nuances-da-coisa. O contexto da história faz-se (como devia ser sempre) pelo contexto: os detalhes do cenário (excelente trabalho de Luís Sequeira, no design de produção e nos figurinos, e de Sofia Videira Pinto, na direção de arte), o programa de rádio, a visita inesperada, o silêncio que existe não pela solidão do velho, mas pela necessidade de estar sempre atento, a ausência completa de monólogos explicativos.


Gosto de filmes que encaixam no género sem encaixar. Gosto de filmes onde a fotografia é pensada, mas não me distrai da história. Gosto de filmes onde a obsessão com a técnica não se sobrepõe à narrativa. Era Uma Vez no Apocalipse é um desses filmes — e merece não morrer depois dos festivais.