MOTELX: Crítica às Curtas Portuguesas

12 filmes em competição.

Sala cheia nas duas sessões especiais do fim de semana.

 

Há algum tempo que não há uma curta portuguesa que se destaque logo de todas as outras e que nos encha as medidas. E tem sido raro encontrar um filme que assuma o seu género de terror até ao tutano, levando-nos com ele até ao fundo do abismo, sem recurso ao artifício do susto enlatado. Saltar na cadeira e soltar um gritinho no escuro do cinema não é o impacto que queremos de um filme de terror.

 

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A Floresta, de Diogo Silvestre

 «Artur leva Beatriz para passarem uma temporada romântica numa casa rústica no meio da floresta, na tentativa de salvar a sua relação cada vez mais empobrecida. No entanto, a aparição de uma mulher misteriosa de branco ameaça a sua estadia.»

A curta-metragem de Diogo Silvestre, intitulada A Floresta, serve ao espectador breves vislumbres da beleza natural de Portugal, com o trabalho de câmara e imagem a revelarem-se como os pontos mais fortes desta produção. A tensão é palpável entre as personagens, com um desempenho satisfatório por parte do elenco. A história de temática sobrenatural, porém, traz apenas de novo a reviravolta relacionada com a identidade da clássica mulher de branco.

Habitat, de Francisco Mendes

«Miguel muda-se para uma nova casa em Coimbra, onde vai começar a estudar. Já está deitado na cama quando o senhorio lhe liga a dizer que está atrasado. Então quem é que lhe abriu a porta?»

Pelo que carece em melhoria das técnicas de filmagem, de argumento e desempenho de elenco, Habitat encanta pelo curto, mas exímio, trabalho de efeitos especiais que marca o clímax da história, assim como pela originalidade do enredo.

15’, de Francisco Neves

«O caos instala-se quando três rappers se barricam numa loja de roupa com um fã ferido, enquanto filmam um direto para o Instagram.»

Apesar da atualidade da temática em questão, envolvendo instagrammers e a busca da fama através das redes sociais e da exposição das vidas privadas, 15’ encontra-se banhado em ideias estereotipadas, corriqueiras e que não sobressaem neste oceano de cinema sobre estes temas. A curta-metragem tem uma montagem interessante e parece apresentar-se, em certos pontos, como uma crítica à comunicação e à imprensa, assim como à importância que se dá às redes sociais e ao impacto que podem ter. A reviravolta torna-se previsível alguns momentos antes de ocorrer e 15’ fica aquém de conseguir instalar o desconforto e o suspense na mente dos espectadores — o desconforto adveio da quantidade inacreditável de gritaria e banalidades aparentemente forçadas, e não da situação e sentimentos das personagens envolvidas.

aqui a nossa entrevista a Francisco Neves.

O Abafador, de Silvana Torricella

«Vicente é abafador, viaja de terra em terra com a missão de ajudar quem sofre à espera da morte. Cansado de viver como um criminoso, faz um último “abafamento”, mas é surpreendido por uma mulher. Olívia tenta contratar Vicente para acabar com o sofrimento do pai, mas ele recusa. Desesperada, ameaça denunciá-lo.»

Mais facilmente enquadraríamos a curta no drama psicológico do que no terror, mas esta parece ter sido a tendência da 17.ª edição do MOTELX. Foi o filme que mais se destacou do primeiro dia de curtas-metragens, havendo muitos espectadores a apontá-lo como favorito e um claro candidato a vencedor. Isso, contudo, não se veio a confirmar.
A narrativa flui, é um filme pensado ao pormenor no que diz respeito à fotografia, onde tudo é simbólico das duas personagens em antagonismo. Talvez encontre o seu (merecido) lugar de destaque noutras competições.

aqui a nossa entrevista a Silvana Torricella.

Monstros, de Carlos Calika

«Um monstro é perseguido pelos vultos do seu passado.»

A premissa era promissora e muito bem explicada pela sinopse, propositadamente vaga, deste filme. A execução ficou um pouco aquém das expectativas a partir da mudança de ponto de vista, por culpa das atuações exageradas do elenco. De resto, é um filme perturbador e atual q.b., com um desfecho de dar a volta ao estômago.

aqui a nossa entrevista a Carlos Calika.

Paralisia, de Inês Monteiro — Menção Especial

«Depois de uma noite de excessos, Mafalda e Filipe regressam a casa. É quando adormecem que algo sinistro desperta.»

Numa pequena curta de 8 minutos, conseguimos passar de uma casual saída à noite para um aflitivo acesso de paralisia do sono, que leva a protagonista a duvidar dos acontecimentos à sua volta. Ressalvamos que, por lapso, a versão exibida na sessão não era a versão final do filme. Talvez o filme certo (aquele que os espectadores puderam ver antes de Infinity Pool, no dia 15) resolva algumas questões que colocámos em relação aos saltos narrativos próximos do desfecho. Fora isso, e sem recorrer a jump scares despropositados, o filme retrata bem a paralisia do sono, mas deixou-nos ligeiramente desconfiados de Filipe.

aqui a nossa entrevista a Inês Monteiro.

Casa Incerta, de Pedro Dias

«Num Portugal mais próximo que distópico, a crise habitacional resulta num cenário extremo de violência, em que o lema é: “os mortos não precisam de casa”.»

É um tema recorrente, atual, e que tem sido abertura de telejornais nos últimos meses: a crise da habitação em Portugal, sobretudo nos grandes centros urbanos. Até aqui, estamos todos de acordo que é um excelente assunto para alimentar um filme de terror atual. Mas, para chegarmos à raiz desse problema, precisávamos que o realizador não se tivesse focado na violência pela metade. Assume-se na sinopse um cenário extremo que não passou para o grande ecrã. Filmes que falam sobre temas atuais fracturantes não podem tocar só ao de leve na ferida.

De Imperio, de Alessandro Novelli — Melhor Curta de Terror

«Um grupo de “peças” fugitivas tenta encontrar o centro do edifício, onde o resto da resistência se está a juntar. Mas, para se escaparem da vigilância, têm de entrar nas divisões dos “gigantes” e testemunhar as suas macabras rotinas.» 

Era previsível que a curta de Alessandro Novelli se destacasse da concorrência, pela sua técnica e linguagem. Era mais surrealista do que de terror, se bem que uma coisa não invalida a outra, e um filme de animação salta sempre à vista entre filmes de imagem real. Mas, mais do que isso, é um filme que, apesar das figuras mais abstratas ou «impessoais» (uma vez que falamos de peças geométricas e estranhos gigantes), envolveu o público numa história que desconstrói as relações de poder entre quem manda e quem é obrigado a obedecer. No final, de que serviu a revolução da resistência? Terão de ver o filme para descobrir

aqui a nossa entrevista a Alessandro Novelli.

Dead Wheel, de Ariana Santos e Virgínia Barbosa

«Num arraial de carrosséis, uma viagem gastronómica junta dois jovens desconhecidos. A sua noite culminará numa verdadeira montanha-russa de emoções.»

Um encontro que parece ser de predador em busca da presa acaba por se transformar num boy meets girl inconsequente, como o cenário feliz de uma feira popular merece. Ou talvez não. A narrativa é curta e sem diálogos, mas não precisa de mais falas do que as expressões do elenco, Mário Graça e Ariana Santos, que também correaliza o filme.

aqui a nossa entrevista a Ariana Santos e Virgínia Barbosa.

The Devil Lived Here, de César Santos

«Um homem prepara-se para se barbear na sua casa de banho, mas os barulhos que vêm de trás do espelho perturbam-no cada vez mais.»

Um filme que podia ser um excerto de uma história maior de terror do quotidiano. Porque tenho perguntas que ficaram sem resposta, nomeadamente, quem é o homem do outro lado do espelho? Não podemos dizer que o realizador perdeu tempo com detalhes que não interessam, o que (acreditem) poderia ter acontecido nesta curta de três minutos.

Maria José Maria, de Chico Noras

«Maria José acorda sobressaltada pela ausência da mãe, na mesma noite em que corpos decapitados e desmembrados são encontrados nas ruas da cidade em que vivem. Baseado numa história verídica que horrorizou Portugal no século XIX.»

O novo filme de Chico Noras chegou à sua estreia nacional no MOTELX já com um prémio de melhor curta no Swindon Film Festival. Fazer um filme de género, de época e a preto e branco é um risco. Em algumas coisas, o filme está bem conseguido (os toques de humor que são quase uma imagem de marca para o realizador, o desempenho de Eunice Correia, a sombra opressiva do patriarcado sobre as mulheres); em outras, menos (a maioria dos efeitos especiais e da arte cénica quase se perdeu numa mancha do preto e branco no grande ecrã). É, no entanto, uma história que tem pano para mangas e que podia ser desenvolvida numa longa.

aqui a nossa entrevista a Chico Noras.

Our Tell-Tale Heart, de Miguel Ferreira

«Durante o Estado Novo, uma adolescente, numa sala de interrogatório policial, declara-se culpada pelo homicídio de um homem com um olho de abutre. Um monólogo dilacerante inspirado na short-story de Edgar Allan Poe.»

Já o sabíamos pela entrevista ao realizador que tinha sido o MOTELX a razão desta curta, feita de propósito a pensar numa possível seleção para o festival. Tenho pena que a força do monólogo interpretado por Rute Moreira se tenha esbatido numa dicção pouco clara. Mas, de resto, uma adaptação contemporânea e original do conto de Allan Poe, trazendo a narrativa para a época da ditadura do Estado Novo, tornando-o num filme de terror contemporâneo.

aqui a nossa entrevista a Miguel Ferreira.